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Ao assistir ao filme El Violin47e ouvir Quando escutei o diálogo entre Plutarco e seu neto de oito anos, no momento em que o velho camponês tenta explicar-lhe as razões pelas quais sua família e a gente de sua comunidade estão lutando, consegui compreender com mais clareza aquilo que vinha refletindo acerca da presença e, sobretudo, da permanência de tradições sociais de resistência que sustentam, como as velhas e profundas raízes de uma árvore, diferentes formas de luta e de protesto social. Este é um trecho do diálogo do qual faço referência:

Neto: Por qué mi padre se fue?

Avô: Mire bien, mi nieto, déjeme contrale una historia. En el inicio de los tiempos, los dioses hicieron la tierra, el cielo, el fuego, el viento y los animales, y luego también hicieron el hombre y la mujer, y todos vivían felices. Pero, uno de eses dioses era muy cabrón y puso la envidia y la ambición, luego los otros dioses se dieron cuenta y castigaron a ese dios juguetón, y sacaron de la tierra a los hombres ambiciosos, pero los hombres ambiciosos se reprodujeron y se hicieron más y más, y se quisieron adueñar de todo, y engañaron a los hombres verdaderos y les fueron quitando de poquito en poquito, hasta que les quisieron quitarles todo, y sacarlos de sus bosques.

Neto: Y que sucedió entonces abuelo?

Avô: Entonces, los hombres verdaderos vieron que eso no era justo y pidieron ayuda a los dioses, y los dioses les dijeron que pelaran ellos mismos, que su destino era luchar. Pero, los hombres ambiciosos eran muy fuertes y los hombres verdaderos decidieron esperar. Y su tierra se llenó de oscuridad y se llenó de tristeza.

Neto: Y así acabó la historia?

Avô: No. Luego, los hombres verdaderos regresaron a luchar por sus tierras y sus bosques, porque eran suyos, porque los dejaron sus abuelos para sus hijos, y los hijos de sus hijos. Eso mismo vamos a hacer nosotros, vamos a regresar (El Violín, filme mexicano, 2005).48

47 El Violín é um filme mexicano, estreado no ano de 2005, com 98 minutos de duração. Conforme o diretor

Francisco Vargas Quevedo, o filme “é um roteiro sobre a realidade oculta do México, que Luis Buñuel chamou

Os Olvidados, em 1950. Para se fazer escutar, essas vozes esquecidas recorrem inclusive às armas”. Em El Violín narra-se a história de Don Plutarco, violinista camponês que, junto com seu filho e neto, toca nas ruas para

ganhar um pouco de dinheiro, mas, ao mesmo tempo, colabora com a guerrilha, da qual seu filho é combatente. Quando o exército ocupa sua aldeia, um carregamento de munições fica escondido na mata. Don Plutarco se propõe recuperá-lo usando seu violão, com o qual toca todo dia diante do capitão do destacamento que ocupa seu povo, um homem que adora a música e que gostaria de saber tocar (MundoCine, 2007).

48 Neto: Por que meu pai se foi? Avô: Veja bem, meu neto, deixa-me lhe contar uma história. No começo dos

tempos os deuses fizeram a terra, o céu, o fogo, o vento e os animais. Logo depois, o homem e a mulher, e todos viviam felizes. Mas, um dos deuses que era muito cabrón pôs a inveja e a ambição. Então, os outros deuses se deram conta e castigaram esse deus brincalhão, e tiraram da terra os homens ambiciosos. Mas os homens ambiciosos se reproduziram e cresceram mais e mais, e quiseram apropriar-se de tudo e enganaram os homens verdadeiros e foram lhes tirando as coisas aos poucos, até que quiseram tirar-lhes tudo, e colocá-los para fora de sua floresta. Neto: E o que aconteceu avô? Avô: Então os homens verdadeiros viram que isso não era justo e pediram ajuda aos deuses, e os deuses lhes disseram que brigassem entre eles mesmos, que seu destino era lutar.

Esse relato do velho Plutarco, principal protagonista do filme mexicano, poderia ser, como aponta o próprio cineasta Francisco Vargas, “uma história sem tempo nem espaço”, porque parece representar as muitas histórias de luta e resistência de setores sociais “subalternos”. É evidente que a afirmação de Vargas teria que ser contextualizada no universo social da América Latina, nas memórias de luta dos setores “populares” mexicanos nas quais se inspira a história, e que fornece elementos comuns para pensar os processos de luta social dessa macroregião. Contudo, para mim, ficou claro esse aspecto universal, contendor. De onde provinha? Por que Plutarco parecia falar por aqueles que historicamente lhes negaram a voz? Por que, ao escutar essa versão, vieram-me de imediato múltiplas imagens dos testemunhos recolhidos? Entre estes, por exemplo, a fala de Zé Jerônimo, um velho camponês do nordeste colombiano simpatizante do ELN, que viveu a repressão desencadeada pelos grupos paramilitares, e que contava: ― “Los campesinos ya teníamos cayos en las orejas de saber, y aquellos que sabían tenían que ensenar a los que no sabían. Para resistir, pasamos para el lado da Venezuela, hizimos nuestras chozas y nos apoyábamos entre todos, con escopetas y pedazos de revolver. Trabajando en comunidad. Durante el día cuidábamos para que nadie entrase, y por la noche colocábamos retenes”49 ―. Por sua parte, Federico, outro líder camponês dessa mesma região, acrescentava que: ― “La situación actual, así como en épocas pasadas, sigue siendo muy dura para la población campesina. Qué hacer? Cual El camino a seguir? Creemos que la única salida es continuar luchando. Nos hemos mantenido en momentos muy difíciles, esperamos seguir manteniéndonos en pie”50 ―. Ou relatos como o de Gabino, dirigente do ELN, que assim descreve o semblante de seu pai: ― “Mi papá se chamaba Pedro Rodriguez [...], era mal hablado, dicharachero, jodedor, siempre echándonos carreta de política. Yo crecí escuchándolo. Yo digo que el viejo quería hacer de nosotros

Mas os homens ambiciosos eram muito fortes e os homens verdadeiros decidiram esperar. E sua terra encheu-se de escuridão, encheu-se de tristeza. Neto: E assim acabou a história?Avô: Não. Logo depois, os homens verdadeiros voltaram a lutar por suas terras e suas florestas, porque eram suas, porque foram deixadas por seus avôs para seus filhos, e os filhos de seus filhos. Isso é o que nós vamos fazer, vamos voltar”.

49 Os camponeses já estavam com calos nas orelhas de saber, e aqueles que sabiam tinham que ensinar aos que

não sabiam. Para resistir, passamos para o lado da Venezuela, fizemos as nossas choças e nos apoiávamos entre todos, com escopetas e pedaços de revólver. Trabalhando em comunidade. Durante o dia cuidávamos para que ninguém entrasse, e pela noite colocávamos reténs.

50 A situação atual, assim como nas épocas passadas, segue sendo muito dura para a população camponesa. O

que fazer? Qual caminho seguir? Acreditamos que a única saída é continuar lutando. Temos nos mantido em momentos muito difíceis, esperamos seguir nos mantendo em pé.

ersonas con su pensamiento [...]. Yo lo que veía era que él era un rebelde contra todo lo malo. Todos admirábamos essa berriondera del viejo”51 (LOPEZ, 1989: 34-35) ―.

Poderia aqui seguir citando múltiplos depoimentos que ilustram esse valor da resistência social, assim como a importância das tradições de luta que se transmitem por gerações. Este é um aspecto que apareceu de maneira reiterativa na história de vida dos militantes do ELN e na dos povoadores das regiões onde há uma significativa história de luta popular.

Diante desse contexto, o relato do velho Plutarco mostra-se bastante fecundo para esta análise, porque também parece conter essas histórias, ou mesmo possuir uma chave importante para aproximar-se à lógica (ou, pelo menos, de parte dela) que alimenta discursivamente o sentido da resistência e do protesto “popular”. Provavelmente, grande parte da força evocativa dessa história reside no fato de que se sustenta numa estrutura de tipo mítico, que remete aos tempos imemoriais, aos deuses germinais, às origens do mundo e da raça humana. E, certamente, ao começo da tragédia humana. Não obstante, sua trama está construída pelo foco dos despossuídos. Eis sua marca singular. Igualmente, é inequívoco o seu fundo cristão, da nostalgia pela perda do paraíso — nesse caso pela ambição —, da eterna rivalidade do bem e do mal, da ambição e do engano, do verdadeiro e da justiça. E aqui, novamente, o seu diferencial está na humanização e reinterpretação do mundo cristão pela perspectiva dos desfavorecidos, de modo que a justiça se ganha na terra, e não no céu, e por meio da ação dos homens.

O certo é que a explicação do velho Plutarco se nutre desses fortes referentes culturais, do arquétipo mítico do cristianismo, de sua lógica binária de oposição entre o bem e o mal e, sobretudo, de seus valores, do sentido de eqüidade e justiça social. Plutarco reorganiza esses elementos simbólicos para fundamentar seu discurso em defesa dos interesses dos desfavorecidos. Mais que aprofundar essa lógica de pensamento e em seu provável substrato religioso, o que aqui me interessa é assinalar o valor dessa história, ao mesmo tempo em que ajuda a visualizar a existência de tradições culturais de confrontação, de respostas ativas dos setores sociais “populares”, que se sustentam em discursos alternativos e significativas reconstruções simbólicas, como também em diversas práticas sociais — também alternativas — transmitidas por gerações. Essa história traz à tona uma extraordinária síntese dessa perspectiva.

51 Meu pai se chamava Pedro Rodriguez [...], era mal falado, com muitos ditos, brincalhão, e sempre nos falava

de política. Eu cresci escutando-o. Eu digo que o velho queria fazer de nós pessoas com seu pensamento [...]. O que eu via nele era um rebelde contra todo o mal. Todos nós admirávamos a coragem do velho.

Esta segunda parte do texto tenta caminhar nessa direção. Partindo de pressupostos tão significativos como o fato de o ELN ser uma organização com mais de 40 anos de história de luta, de presença armada e política em distintas regiões da Colômbia, de fortes raízes em diversas comunidades locais, de construção de uma identidade — “o ser eleno” — como uma categoria social diferenciada, de longas confrontações, de ciclos de auge e de queda. Enfim, uma história de persistência, apesar de ter estado, durante várias épocas, na iminência de sua total extinção. Enfim, uma história de persistência, apesar de ter estado, durante várias épocas, a ponto de sua total extinção. Como explicar essa persistência? Por que esse grupo insurgente, semelhante aos da FARC, perdurou tanto tempo enquanto o restante das guerrilhas que surgiram na América Latina se extinguiu relativamente rápido?

Esse é um grande ponto de interrogação na história da Colômbia. Ainda que existam interessantes esforços explicativos, estes se orientam em três tendências que, a meu ver, possuem limitações. A primeira, os estudos de caráter conceitual que se centram num só componente do conflito: o Estado; a segunda, os estudos que abordam os grupos insurgentes e que manejam um discurso predominantemente descritivo, tipo relatos, reconstruções históricas, testemunhas e crônicas jornalísticas; e a terceira, a tendência a focalizar a análise em aspectos políticos e militares, tais como a falta de legitimidade do Estado colombiano, a exclusão política, a penalização do protesto social e tudo aquilo concernente à confrontação armada e às formas de violência. Logo, os elementos de tipo cultural e social ficam relegados como dados de referência, anedotas ou passagens de fundo, mas não como fatores explicativos de valia.

Tentando ultrapassar essas limitações, este estudo pretende direcionar-se por um componente pouco explorado: os elementos de tipo cultural, particularmente as tradições de resistência e luta, que se evidenciam na trajetória dos militantes do ELN e na de seus simpatizantes na sociedade civil. Assumindo, obviamente, que tais elementos têm pertinência no marco explicativo de interrogantes nodais e altamente controvertidos como o da permanência histórica da organização.

A etnografia tinha me permitido enxergar esse universo de significações, de vivências, de lembranças que se enlaçavam na memória de seus protagonistas e reiteravam a forma em que tais contextos de vida e de lógicas de pensamento preenchiam de significado as práticas de resistência e luta presentes nessas expressões organizativas. Mas como entrelaçar todos esses aspectos? Como ordená-los num marco interpretativo relativamente consistente? Aqui era

importante recorrer a uma estratégia de análise que permitisse dar sentido a tais eventos. Nessa direção, proponho um caminho metodológico baseado em quatro noções centrais: os sujeitos sociais que recriam e atualizam as tradições de resistência e luta, o contexto sócio- histórico no qual tem lugar esse processo, o discurso de resistência e a dinâmica da resistência e, finalmente, as relações de poder que nesse contexto estão implicadas.

Outro conceito chave para este contexto de análise é o das relações de dominação, que permite um olhar acerca das formas de controle social e da imposição de estilos de vida e de pensamento, mas também a existência de respostas diferenciadas diante delas, para além das esperadas atitudes de aceitação e de submissão, e que se acercam ao objeto do estudo em questão: as formas de resistência e de contraposição, contrárias à idéia da reprodução unidirecional da cultura:

Thus “power” is moving around the social space. No longer and exclusive property of “repressive apparatuses”, it has invaded our sense of the smallest and most intimate of human relations as well as the largest; it belongs to the weak as well to the strong, and it is constituted precisely within the relations between official and unofficial agents of social control and cultural production [...] Culture as emergent from relations of power and domination, culture as a form of power and domination, culture as a medium in which power is both constituted and resisted. (DIRKS, GEOFF & ORTNER,1994: 5-6, grifo meu).

Essa dimensão da resistência, das possibilidades de criação de formas culturais diferenciadas e/ou contraculturais que se opunham, fazendo peso ao estabelecido, é o que estaria implícito no que aqui se entende como as tradições de resistência e luta, como formas culturais transmitidas por gerações que recriam práticas e marcos interpretativos dessas populações. Isso porque, por tradição, não se compreende um pacote de traços fixos do passado, mas processos seletivos, nos quais, segundo Raymond Williams (1980), ― “a partir de una área total posible del pasado y del presente, dentro de una cultura particular, ciertos significados y práticas son seleccionados y acentuados y otros significados y práticas son excluidas”―. Em outras palavras, a tradição seria uma versão (possível) do passado, atualizada por determinados sujeitos sociais, que busca conectar-se com o presente e nele ratificar-se (WILLIAMS, 1980: 138).

Nesse sentido, é importante ressaltar que, apesar de serem formas culturais alternativas, não são produto do momento nem de reações por reflexo, como nos mostra Ranajit Guha (1988), no caso dos movimentos insurgentes camponeses da Índia (no século XIX e princípios do XX) que, sob qualquer temporalidade ou espacialidade, necessitam violar uma enorme

quantidade de códigos culturais duramente definidos por uma sociedade ainda colonial e semifeudal, em cujo âmbito a subalternidade era definida pela lei, santificada pela religião e feita costume na vida quotidiana. Como é possível rebelar-se nessas condições de dominação? Serão seus protestos questões unicamente espontâneas de inconformidade? Guha argumenta que nesses diversos eventos há evidências de que existiram algumas formas de organicidade, assim como o desenvolvimento de demandas e tentativas de solução, antes da declaração de guerra aos seus opositores. De modo que haveria níveis de consciência por parte dos sujeitos em menção, que questionam a imagem transmitida nos escritos da história oficial que insiste em mostrar os caminhos de insurgência como externos à consciência dos camponeses, como atos quase “naturais” de seu devir (GUHA, 1994: 337).

Isso significa que a reflexão se fundamenta em sujeitos de intencionalidades no sentido weberiano, cujas ações se desenvolvem num campo de interação mediado por relações de poder. Aqui é importante fazer alguns esclarecimentos no que diz respeito a essas “relações de poder” a que faço referência. Assunto nada fácil, porque a categoria do “poder”, além de ser ampla e polissêmica, tem múltiplos enfoques conceituais, nem sempre coincidentes entre si. Por essa razão, é complicado encontrar uma definição fechada que dê conta de todas as suas implicações. Não obstante, é possível enunciar algumas características que vêm sendo abordadas pelas novas perspectivas teóricas. Em primeiro lugar, o fato de que esse poder não é exercido somente na esfera do estritamente político, senão que abrange distintos domínios como o social, o cultural e o econômico; segundo, que não haveria um poder homogêneo e unilateral, um centro único de poder, mas que estaria disseminado no tecido social, como formas locais de poder, com formas diferenciadas e distanciadas do poder central (FOUCAULT, 1985); e, terceiro, que o poder não seria estático, mas um processo dinâmico de correlação de forças em permanente movimento.

Logo, ainda que esses elementos sirvam como ponto de partida, para efeito da presente pesquisa urge levantar algumas questões em relação à ausência, stricto sensu, de formas fixas do poder, assim como defende Foucault em sua teoria do poder disseminado nas diferentes práticas quotidianas (os micropoderes), ou como sustenta James Scott (2000), que as formas de resistência não subsistem somente sob formas organizadas, mas também no mundo do cotidiano, nas “formas de resistência de cada dia”. Embora tais enfoques permitam enxergar as fragmentações do poder, assim como suas configurações nos níveis mais micros, também desconsideram aspectos que para a presente pesquisa são de especial importância, como as relações concretas de poder entre os sujeitos.

Nesse sentido, um aspecto que pode ser interessante para explicar esse tipo de dinâmicas de poder é a noção gramsciana de hegemonia52, no enfoque desenvolvido por Raymond Williams, que parte do reconhecimento, em primeiro lugar, das desigualdades entre as classes sociais e, em segundo, das relações de poder no que diz respeito às das formas de dominação e de subordinação. A diferença da teoria clássica marxista, que enfatiza o plano das relações econômicas e ideológicas como esferas separadas, na perspectiva de Williams essas relações são compreendidas como um processo total “vivido y organizado praticamente por significados y valores específicos y dominantes” (WILLIAMS, 1980: 130). Desse modo, os componentes da ordem cultural e social ganham centralidade argumentativa. Igualmente, outro elemento que marca o diferencial dessa perspectiva é a idéia do poder como processo, como uma construção permanente, com limites e confrontações:

Una hegemonía dada siempre es un proceso. Excepto desde una perspectiva analítica, no es un sistema o una estructura. Es un complejo efectivo de experiencias, relaciones y actividades que tienen límites y presiones específicas y en cambio [...]. Igualmente, es continuamente resistida, limitada, alterada, desafiada por presiones que de ninguna manera le son propias. Por consiguiente, debemos agregar al concepto de hegemonía los conceptos de contra-hegemonía y de hegemonía alternativa, que son elementos reales y persistentes en la práctica (WILLIAMS, 1980: 134).

Assim, apesar do risco de cair num marco reducionista do conflito, pela delimitação dos sujeitos implicados nas relações de poder entre as classes “dominantes” e as classes “subalternas”, como uma hierarquia que percorre o conjunto da sociedade, considero que é preciso levar em conta o fato de que essa hierarquia não nega o resto de hierarquias nem elimina a complexidade das relações de poder, concebidas em suas múltiplas dimensões e

52 Inicialmente, pensei trabalhar com o marco conceitual de Bourdieu, que também parte da noção da prática e da

ação dos agentes, além de aportar categorias de alto rendimento teórico como a de “habitus” e a de “campos de poder”. Contudo, a ênfase do autor está dirigida à reprodução das relações de poder, entendido como um sistema objetivo de dominação interiorizado enquanto subjetividade, de “disposições” de longa e profunda inconsciência nos sujeitos sociais, o que limita as possibilidades de conceber a mudança social, como aponta Renato Ortis