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O bipartidarismo na construção da identidade

Antes de iniciar a análise dos sujeitos que deram origem ao projeto eleno, é importante retomar um elemento que, ao longo da pesquisa, foi fundamental para a compreensão desse processo de luta “revolucionária”, isto é, as práticas sóciopolíticas que configuraram uma determinada dinâmica do poder na Colômbia. E, nessa direção, inicialmente, é preciso salientar o modelo bipartidário — de liberais e conservadores — que se converteu no eixo da vida social e política da Colômbia até finais do século XX. A singularidade desse fenômeno consiste em que – apesar de ter sido um modelo político dominante na fase inicial do período republicano da maioria de países recém-libertados da América Latina (ORTIZ, 2006) –, no caso colombiano tendeu a totalizar-se e a perpetuar-se no regime sob uma estrutura dicotômica, de profunda oposição e rivalidade entre as partes. Isso, ainda que não existissem, como aponta Mario Vargas (2007), visões políticas substancialmente diferentes e/ou contraditórias frente à direção da sociedade, fora do tema da religião, quando os conservadores se inclinaram pela defesa da tradição religiosa e os liberais assumiram posições mais libertárias em defesa da secularização da sociedade.

Assim, apesar da inexistência de visões políticas verdadeiramente antagônicas, salvo pelo assunto da religião, e mais voltado ao questionamento da instituição religiosa que à própria religiosidade — pois a grande maioria da população colombiana era profundamente católica —, certo é que ao redor dessas duas coletividades partidárias se constituíram importantes processos de identificação social que iam além do estritamente político e/ou ideológico e “se volvia un sentimiento fuerte, casi religioso, de ser parte de una de esas agrupaciones” (LEAL, 1984).

Mas o que significa esse “forte sentimento, quase religioso” de identificação com tais coletividades políticas? O que está em jogo nessa relação? Por que se construíram tais sentidos de identidade sem mediar entre eles ideais políticos ou visões do mundo verdadeiramente antagônicas?

Na minha concepção, esse fenômeno está relacionado ao fato de que no processo de configuração de tais identidades partidárias se misturaram duas matrizes de valores. Por um lado, os valores pré-modernos, nos quais prevalece o sentido da lealdade, o valor da palavra, a

honra, a vingança e os laços de parentesco; por outro, os valores próprios da sociedade moderna: a democracia, o exercício da cidadania, a participação política, entre outros. Essa é a razão pela qual na Colômbia durante um longo período histórico, a afiliação a um partido político não era um assunto de mera escolha ideológica, mas algo que se recebia por herança: as pessoas “nasciam” liberais ou conservadoras, e essa era uma marca de distinção para toda a vida. Desse modo, o ingresso a um partido político se dava por tradição familiar ou então por influência do meio social onde se desenvolvia o indivíduo.

Se se analisa o fundo dessas construções identitárias, evidencia-se que estão fundamentadas na oposição essencialista contra o outro, neste caso, o do partido político contrário. O outro era visto, por princípio, como o inimigo, o contraditor, o culpado e/ou responsável pelos problemas sociais e políticos que estagnavam o país. Não havia pontos intermediários; a construção do universo social se dava em termos de uma dualidade social antagônica, que levava a posturas radicais, de exclusão e intolerância, e que incentivavam o uso recorrente da violência como método privilegiado de exercício do poder e de solução dos conflitos. O apelo à violência se converteu, assim, numa dinâmica do poder, tanto que vários historiadores sustentam que na Colômbia tem se vivido em “estado de guerra”, lugar onde se manteve “un horizonte siempre abierto para usar la violencia con un sentido instrumental, como un medio eficaz y necesario para conseguir determinados propósitos políticos” (URIBE, 2001: 11).

Um elemento decisivo no estabelecimento e perpetuação dessa dinâmica política foi o domínio do bipartidarismo no Estado e, em geral, na sociedade colombiana. O controle social ficou à mercê do partido político que estava no poder, prevalecendo um estilo de governo parcial e de exclusões. Na verdade, careceu-se, stricto sensu, de uma democracia mediadora, pois o partido que estava no governo fazia uso dos recursos e da força estatal para se impor sobre o outro. O Estado entrava, assim, no circuito da violência, como uma força repressiva em beneficio do partido que detinha o poder.

Por conseguinte, a regulação da justiça entrava noutra lógica, fora dos cânones estabelecidos pela “modernidade” e pela democracia, sem autoridades imparciais nem a mediação do Estado, porque o Estado era parte ativa do conflito; ele tomava partido e, inclusive, o promovia. A justiça ficava, assim, nas mãos da mesma população, sob mecanismos de regulação que poderiam ser pensados como uma modalidade ou, pelo menos, com traços bastante próximos do antigo direito germânico, em cujo modelo, como assinala Foucault, “os litígios passavam a ser regulados pelos indivíduos”, e as ações penais “sempre eram uma

espécie de duelo, de oposição entre indivíduos, entre famílias ou grupos” (FOUCAULT, 1974: 43). Nesse caso, a oposição se apresentava entre as coletividades partidárias, tendo presente que o Estado tomava clara posição a favor de uma delas segundo as forças do poder. Outra característica dessa prática justiceira que se reproduzia claramente no contexto colombiano era o fato de que a liquidação judiciária devia se fazer como uma espécie de continuação de luta entre os indivíduos. Uma espécie de guerra particular, em que o procedimento penal é “[...] apenas a ritualização dessa luta entre os indivíduos” (FOUCAULT, 1974: 43). Isso significa, de acordo com Foucault, que o exercício dessa justiça era uma maneira regulamentada de fazer a guerra, ou melhor, de continuar a guerra sob certos parâmetros reconhecidos, em que a vingança se tornava um ato judiciário legitimado pelos sujeitos implicados.

De igual maneira, a resolução dos conflitos obedecia a essa mesma lógica, ou seja, como um ato de força, como a imposição do mais forte sobre o mais fraco. Não era um assunto de demonstrar a inocência ou a culpabilidade através da razão, mas de submeter ao contrário, de “fazer justiça” por meio da vingança, como algo válido e, inclusive, necessário na ordem social. Essa foi, no meu entendimento, uma via pela qual a violência se “naturalizou” como recurso sintomático e recorrente do exercício social da justiça.

A formação de uma tradição guerreira

Quando o escritor colombiano Gabriel García Márquez narra a história do coronel Aureliano Buendía e afirma que – “promovió treinta y dos levantamientos armados y los perdió todos [...] tuvo diecisiete hijos hombres de diecisiete mujeres distintas, que fueron exterminados uno tras otro en una sola noche, antes de que el mayor tuviera treinta y cinco años. Huyó a catorce atentados, a setenta y tres emboscadas y a un pelotón de fusilamiento” (MÁRQUEZ, 1997: 203) –, tal contexto não está longe da realidade colombiana, embora pareça uma história fantástica, fruto da extraordinária imaginação do autor.

A Colômbia é um país que tem vivido em “estado de guerra”, isto é, “situaciones en las que prevalece la voluntad manifiesta e indeclinable de no someterse a la autoridad instituida y de no aceptar un poder distinto al propio, manteniendo la posibilidad de combatir al enemigo con las armas en la mano si fuese necesario” (URIBE, 2001: 11). E tem vivido em “estado de

guerra” como uma constante histórica, com períodos de acentuada confrontação seguidos de outros de baixa intensidade bélica, sempre com o predomínio do uso da violência como forma privilegiada de resolução dos conflitos, e, conforme a perspectiva supracitada, de se fazer “justiça”.

Esse estado permanente e crônico de guerra na Colômbia é excepcional na América Latina. Fato que não deixa de ser uma afirmação controversa no contexto da história oficial que defendia — e ainda defende em alguns âmbitos — a imagem de um país que, com exceção do período da Violência (1946 – 1964) e dos recentes conflitos, estava enquadrado no civilismo e na constitucionalidade, que era “terra estéril para as ditaduras”, e onde as manifestações dos diferentes interesses ideológicos eram sempre num alto nível, que se resolviam por meios institucionais de pactos, constituições e consensos. Essa imagem é uma representação que encobre a realidade colombiana, contribuindo para silenciar a história de confrontações e conflitos sociais ainda não resolvidos (TIRADO, 1995; SÁNCHEZ, 2006; URIBE, 2001).

O objetivo de visualizar essa faceta da história colombiana não é o de engrandecer o sentido da guerra, mas compreender o papel que esta cumpriu e ainda cumpre no contexto colombiano: o fato de reconhecer que na Colômbia existe uma tradição guerreira que tem marcado o curso da política, das relações econômicas e de sua vida social e cultural. E que, nesse sentido, tem gerado transcendentais implicações na própria caracterização dessa sociedade, como é ressaltado por vários autores quando afirmam que a presença histórica da guerra tem vínculos determinantes com a construção da nacionalidade colombiana e do sentido de afiliação a esta (SÁNCHEZ, 2006: 33; URIBE, 2001: 10).

Para poder compreender essa perspectiva histórica é necessário ampliar o conceito de guerra, tradicionalmente entendida nas estreitas margens da ação bélica — armas, combates, violência —, e aproximar-se do universo social que ela envolve. Para isso, seria preciso dimensionar, em primeiro lugar, a participação da população civil. Conforme venho aqui argumentando, as guerras na Colômbia tiveram e têm um caráter eminentemente civil. Isso significa dizer, neste caso em específico, que envolvem pessoas comuns, de distintas procedências, classes sociais, sexo, idades e interesses. Essa é uma característica que ocorre em todos os períodos históricos.

Outra singularidade das guerras na Colômbia é seu caráter holístico, de abranger os diversos âmbitos sociais, desde o estritamente político e militar, até o econômico, social e cultural. Todas as esferas sociais têm estado presentes, como fatores geradores de conflito, e,

obviamente, afetadas na dinâmica da guerra. Apesar de tradicionalmente os conflitos colombianos serem enquadrados como produto das diferenças políticas e da luta bipartidária entre liberais e conservadores (pelo menos até o final dos anos 1960), estudos recentes têm mostrado as distintas facetas e motivações da guerra, não sempre explícitas. Certo é que são um meio importante através do qual um bom número de colombianos busca dirimir seus conflitos de ordem econômica, cultural, religiosa, pessoal, política, e ainda, de rivalidades locais e regionais.

Aqui se evidencia um aspecto chave em relação ao significado das guerras no campo da participação social e política. Pois, em razão do sistema político colombiano ser bastante fechado e excludente, e de ser relativamente freqüente o uso de formas repressivas contra os movimentos e manifestações populares, propiciou a canalização das confrontações bélicas para a “participación social y política y que tuvieran su expresión, entre otros, en la formación de guerrillas y en el ejército, ambos vistos como normales, estructurales y estrutucrantes de la vida colectiva y cultural del país” (ORTIZ, 2004: 187).

Em síntese, o que se confirma é que ao longo do processo histórico colombiano legitimou-se uma tradição guerreira como meio privilegiado da resolução dos conflitos, que, ao mesmo tempo, prefigurou-se como um modo de participação social e política. Uma tradição com muito peso e fortes vínculos na história colombiana e com ampla abrangência dos diversos setores e âmbitos sociais.

Mas a questão pertinente à presente análise é: Como tem sido a participação dos setores populares nessa história de guerras da Colômbia, e mais precisamente, como nesse contexto se constituiu uma singular tradição de resistência e luta popular?

De acordo com os registros historiográficos, o espaço onde os setores populares começam a construir uma tradição de luta diferenciada é nas guerrilhas. A esse respeito, é preciso lembrar que a modalidade da “guerrilha moderna” tem sua origem na Espanha, como resposta à invasão Napoleônica (1804 – 1814). A raiz histórica dessa forma de luta é peculiar, porque desde o princípio é marcada por um notório caráter popular. Pois, em razão da defesa territorial efetuada pelas forças regulares espanholas ter se enfraquecido à época, o povo, em vista das disposições oficiais “afrancesadas”, decidiu-se pela resistência armada, levando adiante um tipo de luta autônoma, patriótica, popular e regional, de caráter irregular, mas com grande eficácia em suas ações de surpresa (PEREZ, 1992). Convém ressaltar, igualmente, que desde então as guerrilhas são formadas, predominantemente, por pessoas comuns, que, em

geral, procedem das zonas de confronto, com excelente conhecimento do território e com o respaldo das comunidades locais. Aspectos que, em que pesem as distintas singularidades, se mantêm até hoje.

Logo, essa modalidade de luta originária do mundo hispânico consolidou-se através da divulgação dos tratados de guerrilha amplamente reproduzidos na Espanha desde as invasões napoleônicas, e cumpriu um importante papel nas guerras da independência, firmando-se em muitos países — Peru, Chile, Venezuela, Colômbia e México — como tradição de longa duração (ORTIZ, 2004: 50). Particularmente, na história bélica da Colômbia, as guerrilhas “siempre han jugado un importante papel” (JARAMILLO, 1991 [a]: 92). Durante as Guerras Civis do século XIX, as guerrilhas foram recorrentes, usadas sob distintas motivações pelo partido liberal e pelo conservador, durante o percurso de suas inúmeras contendas bélicas. À época, foram relevantes por sua capacidade bélica e seu acesso ao poder, uma vez que se uniram e se misturaram com corpos de exércitos regionais e nacionais, fazendo parte de diferentes governos (ORTIZ, 2004: 52). Essa tradição volta a florescer no período da Violência com as guerrilhas partidárias, majoritariamente liberais e comunistas que se organizam como grupos de autodefesa ante a dura repressão promovida pelos organismos estatais em favor do partido Conservador, detentores do poder e de seus aparatos de força — o exército e a polícia, assim como grupos paraestatais então chamados de pájaros — que tratam de conter a inconformidade de seus opositores liberais, os crescentes protestos sociais e o levantamento popular ocorrido em 9 de abril de 1948, em razão do assassinato do líder popular Jorge Eliecer Gaitán.

Nessa ordem de idéias, Ortiz sugere a hipótese de uma continuidade histórica na tradição guerrilheira da Colômbia, que se estenderia, de maneira indireta, desde as guerras da independência, ganhando força nas Guerras Civis (em particular a de 1876 e a dos Mil Dias, nas quais predominaram modalidades de guerra próprias de guerrilhas), até seu auge na época da Violência, quando se constitui no cenário e no marco de referência mais imediato das guerrilhas contemporâneas (ORTIZ, 2004: 49). Nessa mesma linha de análise, Eduardo Pizarro afirma que um dos fatores relevantes na persistência do fenômeno das guerrilhas na Colômbia é a existência de experiências guerrilheiras prévias, ou o que se poderia chamar uma “cultura rebelde”, pois:

La evidencia histórica sugiere que los experimentos guerrilleros emprendidos en los años setenta florecieron justamente en las mismas áreas rurales y entre la misma población que acababa de experimentar el fenómeno

conocido como la ‘Violencia’. Esta evidencia no puede ser ignorada o calificada como mera coincidencia” (PIZARRO, 1996: 111).

Essa é justamente a hipótese de trabalho desta reflexão: a existência de uma longa tradição histórica de luta guerrilheira e o papel que esta cumpre como elemento forjador de uma tradição de resistência e luta nos setores populares. A esse respeito seria preciso retomar vários fatores chaves: em primeiro lugar, o fato histórico de que a composição social das guerrilhas fosse fundamentalmente de pessoas comuns, do povo. Em princípio, isso cria um sentido de identidade com essa modalidade de luta, e esse aspecto é bastante evidente no caso colombiano. Inclusive, nas Guerras Civis do século XIX que se desenvolveram no marco das disputas das classes dominantes, as guerrilhas foram “constituídas principalmente por iletrados del campo, campesinos sin tierra, pequeños proprietarios y colonos, trabajadores independientes, negros de los litorales e indígenas” (JARAMILLO, 1991 [b]: 117). Esse traço se intensifica ainda mais nas guerrilhas da época da Violência, pois, embora a composição social seja a mesma, um importante salto qualitativo em relação às guerras civis se evidencia: a passagem da condução militar e ideológica da guerra às mãos do povo, e particularmente dos camponeses (SÁNCHEZ, 1985: 222).

Essa participação ativa dos setores populares nas guerrilhas foi criando, de maneira informal, uma “escola de aprendizagem” que se situa muito além dos aspectos estritamente bélicos e se relaciona com a formação política da população da região, uma vez que, através dessas formas de confronto, os setores populares começam a ter consciência de sua condição social, a adquirir visibilidade política e a participar efetivamente na esfera pública. Pois, nessa condição de “beligerantes” têm acesso a diferentes instâncias sociais e políticas, como o Estado, o Exército, a Igreja, os partidos políticos, etc., que anteriormente lhes eram vedados. Como ilustração, vejamos o seguinte relato de Eduardo Fonsenca, guerrilheiro liberal da época da Violência, sobre os motivos pelos quais seu grupo decidiu vincular-se a essas lutas:

Nosotros no teníamos a quien reclamarle, a duras penas a los jefes del partido, pero ellos se declaraban impotentes [...]. Si por profesar unos principios claramente amparados por la ley se perseguía a nuestras familias, por qué no rebelarnos antes de que fuera demasiado tarde para nosotros mismos? Esa fue la resolución que tomamos al marchar a los Llanos para organizar a nuestros copartidarios que querían luchar por la libertad y la justicia (FONSECA, 1987: 41).55

55 Nós não tínhamos a quem reclamar, a duras penas aos chefes do partido, mas eles se declaravam impotentes

Na fala é evidente o nível de consciência expressado pelo camponês frente à sua situação social e, sobretudo, a vontade de assumir o rumo de seu destino; de entender que o futuro dependia de sua ação, que eram artífices de sua própria vida social e política. Assim, no ato de empunhar as armas para defender-se, constroem um claro sentido de autonomia e independência como sujeitos sociais. Um sentido que, além do primário, que é a defesa de sua coletividade, também os conduz ao terreno da legitimidade mesma do sistema social, isto é, de pensar em termos do que significa a justiça, a eqüidade, a liberdade. Todos esses ideais foram se ligando à ação bélica, como única alternativa que lhes restou, gerando uma associação entre guerra/guerreiro e os valores de justiça social. Encarnaram, através da guerra, a possibilidade de restituir tal justiça. Uma justiça feita por suas próprias mãos.

Como nos lembra Ortiz (2004), esse sentido de autonomia esteve acompanhado de uma aprendizagem mais ampla sobre o mundo social, de modo que as guerrilhas tiveram um tipo de funcionamento no estilo de “formações culturais”. Além de ampliar o espectro de relações com distintas instâncias sociais e políticas anteriormente restritas a um manejo titular feito por terceiros (seus supostos representantes políticos), nessas “formações” é evidnete também sua mobilidade espacial, que lhes permite o contato com distintos territórios e populações com os quais estabelecem novas formas de intercâmbios e de enriquecimento de sua percepção. Ou seja, seu mundo local, rural e estacionário, explode em novas dimensões.

Como resultado de todos esses fatores, e principalmente da formação de sujeitos autônomos com um universo social mais amplo, surge o sentido da diferença, do reconhecimento de si mesmo e do outro, e nessa medida, a atitude de defesa de seus direitos como um ato “legítimo”, e, em conseqüência, a possibilidade de confrontar o outro que o subjuga, que ameaça seus direitos, de vê-lo como um rival, e de aprender, na prática, que também é vulnerável. Assim, a participação dos setores populares nas guerrilhas representou uma possibilidade de abrir seu horizonte político e social e de construir uma forte simbologia em torno do valor da resistência e da luta popular.

O período em que se pode rastrear mais claramente a transmissão dessa tradição beligerante é o da Violência. Esse é o contexto social e político que deu origem às atuais formas de luta. Essa é também a memória que se traz como legado histórico e, sobretudo, vivencial das