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A revolução comunista com a tomada de Pequim em 1949 pelo ELP (Exército de Libertação Popular) simbolizou o início da ascensão chinesa (CIDADE, 2016). O governo unificado chinês, nomeado República Popular da China é considerado, até hoje, marco que encerra o século da humilhação chinesa. A invasão japonesa, que em 1937 havia desestabilizado a liderança chinesa à época, a Kuomitang, sofreria, ainda, até o fim da Segunda Guerra Mundial, forte desestabilização da moeda, enfraquecimento político, devido à aliança com os Estados Unidos e a corrupção, todos fatores que auxiliaram na nova liderança comunista. A frase dita pelo líder chinês à época, Mao Tsé-Tung, é emblemática: “Hoje, a China se levantou”, considerado como o ano do encerramento do século da humilhação chinesa (FITZGERALD, 1999). A revolução camponesa tomou a liderança política,

centralizou o governo e fortaleceu o discurso contra estrangeiros no país; reafirmava-se o orgulho nacional (ALMOND, 2016).

A política comunista adotada pela China de 1949, apesar de torná-la independente politicamente, prejudicou-a nas primeiras décadas por estar no contexto de Guerra Fria. As economias capitalistas e socialistas estavam separadas, e a inserção chinesa no mercado mundial foi lenta, visto que o não reconhecimento do novo governo fez que a China sofresse embargos de países capitalistas. Impedia-se a inserção econômica e qualquer acesso aos produtos chineses (CIDADE, 2016). Ainda assim, Mao aplicou políticas para reerguer a produção agrícola, bem como a industrial. À época, a população chinesa era majoritariamente rural (cerca de 90%), mas, visto que com os anos muitos partiram para áreas urbanas, uma reforma agrária foi realizada a fim de conter a velocidade com que o processo ocorria, impedindo a favelização (hoje 56% da população chinesa vive em zonas urbanas) (PEOPLE'S DAILY, 2016). Exclui-se a propriedade feudal e busca-se distribuir terras de forma igualitária aos camponeses do país, porém, como consequência, foi responsável pela morte de cerca de um milhão de latifundiários (LIPPO, 2008).

Os anos iniciais pós-revolução destinaram-se a fortalecer o espírito nacionalista da população. Sobretudo nos primeiros oito anos de governo, foi possível executar com eficiência a reforma agrária e o controle inflacionário. Após 1957, no entanto, conflitos intrapartidários e a precoce aceleração dos programas político-estratégicos, como o Desabrochar das 100 Flores e o Grande Salto Adiante desestabilizaram a macro estratégia do país (SHU, 2005). O Desabrochar das 100 Flores consistiu-se em uma campanha nacional para incitar a liberdade política. Buscava-se um ambiente aberto de debate de correntes e tinha por objetivo o avanço intelectual da sociedade chinesa.

Os intelectuais chineses contrários às ideias comunistas, todavia, interpretaram, à época, como sendo um plano do governo chinês para identificar quaisquer ideologias contrárias ao governo comunista, resultando no seu não funcionamento. O Grande Salto Adiante teve por objetivo uniformizar artificialmente o mercado chinês, impondo quais indústrias deveriam produzir, a quantidade necessária e o preço que o produto final deveria ser vendido. Esse plano, do fim da década de 1950, não obteve êxito, uma vez que, com a má gestão estratégica chinesa, o rompimento de comércio bilateral com a União Soviética e com a tentativa falha de controlar produtores, cerca de trinta milhões de chineses morreram de fome (LIPPO, 2008).

A morte de Mao Tsé-tung, em 1976, o rompimento de relações com a URSS e a aproximação com os EUA trouxeram novo direcionamento político para a China, ao ascender

ao poder uma corrente de pensamento diferente, por dar preferência ao pragmatismo. Desse modo, foi dado prioridade às vantagens que o país conseguira, não aos ideais políticos (DUARA, 2006). Notou-se essa característica pelo interesse na maior abertura econômica chinesa, diferente das duas décadas anteriores, bem como a busca por modernização em quatro áreas consideradas estratégicas à época para a ascensão chinesa, a ver: agricultura, ciência e tecnologia, defesa e indústria. O objetivo seria alcançado ao conduzir os assuntos econômicos de forma diferente de Mao: utilizando-se de capital externo, por meio de abertura comercial, na qual destacam-se as ZEEs (Zonas Exclusivas Econômicas) estabelecidas nas zonas portuárias chinesas a fim de dinamizar relações econômicas com o mundo (LEÃO; PINTO; ACIOLY, 2011).

Com o governo de Deng Xiaoping, a partir de 1978, ao passo em que são abertas relações comerciais, oportunidades de aproximação diplomática também são almejadas. Em 1978 e 1979, a China assina um tratado de paz e amizade com o Japão e estabelece relações diplomáticas com os Estados Unidos, o que aprofunda a relação bilateral que antes vinha somente do reconhecimento estadunidense da Política de Uma só China e rompimento de relações com Taiwan (SHU, 2005). Esse engrandecimento gradual chinês mostrou, de certa forma, uma mudança decisiva na tomada de decisão do partido comunista, visto que optou por ganhos nacionais em vez de ideais. A transformação da China em uma economia de mercado o transformou em instrumento político, pois, à medida que o país se aproveitava dos benefícios do capitalismo, estabelecia estratégias para projeção internacional, a fim de atingir, por fim, ambas esferas política e econômica (LEÃO; PINTO; ACIOLY, 2011).

Embora muito dinâmico os últimos dois séculos de história da China e seu relacionamento com o restante do mundo, em especial com o Ocidente, não se pode, ainda, estabelecer pontos fulcrais na Política Internacional chinesa. Isso não quer dizer, no entanto, que não haja um planejamento e tomada de decisão sólidos. A inserção abrupta chinesa no âmbito internacional provocou o início do que se chamou de Século da Humilhação pelos chineses e hoje é estudado por internacionalistas para compreenderem ações atuais da China (CALLAHAN, 2004; GRIES et al., 2011).

Ademais, a abertura comercial e política chinesa, forçada primeiramente pelo imperialismo britânico, teve consequências reativas, isto é, o governo chinês e a população sempre responderam às ações de fora, mas não exercia Política Externa ativa com outras regiões. A passividade chinesa à época dá hoje característica evidente: a orientação para preservação do seu território, principalmente com o foco em manter a unidade (SHU, 2005). Ainda assim, essa é só uma característica da Política Externa chinesa, mas não se pode

mensurar de forma exata quanto ela é priorizada na agenda do governo sem fundamento teórico.

Nota-se também que parte fundamental da educação chinesa, em especial na parte histórica, o Século da Humilhação e o seu fim, em 1949, com o início da República Popular da China (GRIES et al., 2011). Vê-se, com isso, que as relações chinesas com o Ocidente não estão simplesmente focadas nos interesses do presente e nos objetivos futuros, mas há, sim, bagagem do passado quanto aos tratados desiguais, humilhações e ocupações Ocidentais e japonesas ao Império do meio, fazendo que haja ênfase nacionalista na interpretação do cidadão chinês desde a escola e influência na tomada de decisão do governo.

A China do século XXI tem ambições maiores que somente uma economia relativamente estável. A projeção chinesa no cenário internacional, sobretudo na década de 1970, trouxe resultados relevantes para reavaliação do país como ascendente deste século. No âmbito econômico, pode se ver o ingresso na OMC em 2001 e a exigência em 2016 para reconhecimento do país como economia de mercado (THORSTENSEN; RAMOS; MÜLLER, 2012). A liderança chinesa no financiamento por meio da iniciativa do Banco Asiático de Investimentos em Infraestruturas (BAII), que com um capital inicial de 100 bilhões de dólares busca financiar o desenvolvimento sustentável de países no continente asiático e quando foi anunciado já atraiu 49 membros fundadores também é exemplo emblemático (ASIAN INFRASTRUCTURE INVESTMENT BANK, 2017). Por fim, a proposta chinesa de restabelecer a Rota da Seda para que, por meio da economia, alcance a Ásia e a Europa em um investimento que envolve trilhões de dólares também demonstra vontade da China em expandir por meio de seu discurso multilateralista e global (EKMAN, 2017).

Após o período de Mao, viu-se o pragmatismo liberal chinês, sobretudo quanto à economia, na medida em que se aproximou de países ocidentais para projeção de seu mercado. O crescimento da economia chinesa, se considerado no período de 1978 a 2008, obteve médio de 9,5% ao ano. Seu avanço no século XXI inicia, na verdade, na década de 90, quando, aliado aos projetos de infraestrutura internos focados na exportação, somam-se investimentos em energia, microtecnologia e petroquímica. A alta produção focada na desvalorização do yuan e da oferta de mão-de-obra barata inserem o país asiático com destaque, ultrapassando a Alemanha em 2008 e se tornando a segunda economia do mundo, atrás dos EUA (LYRIO, 2010). Apesar desse baixo custo do trabalhador chinês no início do século, não era esse o único motivo da competitividade chinesa. A intensificação de exportação de produtos de maior valor agregado teve significativo progresso, destaque para máquinas automáticas para processamento de dados, representando 13,5% das exportações

face a 1,5% em 2000. Equipamentos de telecomunicações também obtiveram crescimento de 0,9% para 5,9% no mesmo período (LEÃO; PINTO; ACIOLY, 2011). A manutenção do crescimento, no entanto, se deu na conversão do capital adquirido em investimento interno. Há uma taxa de investimento fixa estabelecida pelo governo chinês, que na década de 70 estabelecia-se em 30% do PIB, sem diminuir desde o início do século XXI. A taxa em 2005, por exemplo, atingiu os 41%, determinando progresso relativo ao bem-estar da população. O planejamento doméstico busca, no entanto, que o capital acumulado dependa menos das exportações e mais do consumo interno, para que haja maior controle do fluxo de comércio pela política doméstica (LYRIO, 2010).

Também sugere o aumento anual do orçamento militar perspectivas futuras de maiores ambições. De 2003 a 2016, o orçamento militar chinês passou de 22 bilhões para 147 bilhões (ANTHONY H. CORDESMAN, 2016). Em 2017, parte desse orçamento foi destinado à primeira base militar chinesa no exterior, no Djibuti com a finalidade de combater a pirataria na região. De qualquer modo, a extensão militar chinesa aponta projeção de interesses para fora de seu território, argumento antes utilizado pela China contra o Ocidente, destacando-se como diferente das outras potências (DOWNS; BECKER; DEGATEGNO, 2017). A declaração feita por Xi Jinping no 19º Congresso do Partido Comunista Chinês caracterizando a China como potência global até 2050 alerta o mundo sobre a ascensão chinesa no século XXI (TING SHI, 2017). As intenções chinesas de expansão são claras, cabe estabelecer, a partir do uso de teoria, quais serão as dificuldades para que ela ascenda de forma pacífica, em congruência ou ruptura com o Ocidente.

4 AS TEORIAS PARA ANÁLISE DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS CHINESAS: O REALISMO OFENSIVO, A TIANXIA E O

INSTITUCIONALISMO LIBERAL

Este capítulo teve como propósito a exposição de três teorias das Relações Internacionais, sendo duas delas Ocidentais (i.e. Realismo Ofensivo e Institucionalismo Liberal) e uma delas Oriental, chinesa (i.e. Tianxia). A primeira teoria é a do Realismo Ofensivo, de John J. Mearsheimer, autor estadunidense. A segunda, da Tianxia (Tudo sob o Paraíso), teoria milenar chinesa. Por fim, a terceira abordou o Institucionalismo Liberal e a Interdependência complexa, de Robert Keohane e Joseph Nye, autores também estadunidenses.

Após demonstrado de forma breve os pontos fulcrais de cada teoria, bem como suas consequências, explicou-se de que forma a ascensão da China na Política Internacional no século XXI seria possível por meio de cada uma. Procurou-se interpretar de que forma essa inserção se daria, se conflituosa ou pacífica, se unilateral ou multilateral. Cada teoria, além de enaltecer premissas distintas, mostrou também conclusões divergentes. É necessário enfatizar, ademais, que a China nem sempre é citada ou centralizada nas teorias. Essas serviram de instrumento, lente sob a qual os autores se utilizaram para compreender a realidade da melhor forma.