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A interdependência complexa, teoria das Relações Internacionais criada por Keohane e Nye parte com a assertiva e premissas que vão ao encontro das realistas, na medida em que consideram a Anarquia Internacional, a importância dos Estados e a necessidade de

preocupação com a sobrevivência; todavia, reconhecem a possibilidade de cooperação como escolha racional. Principalmente após a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), a política mundial de interdependência não conseguia ser explicada pelas teorias realistas e, por isso, necessitava de novas perspectivas para análise global.

Ao definir o realismo, três premissas servem como base e, pela teoria neoliberal, as três são confrontadas. A primeira delas é que os Estados são os principais atores de Relações Internacionais e agem de forma racional (RATHBUN, 2010). A segunda garante que a força é o melhor método de, no Sistema Internacional, os Estados atingirem seus objetivos, isto é, apesar de outras maneiras estarem presentes nas ações dos atores internacionais, como a diplomacia, foros internacionais, entre outros, a capacidade de coerção de um Estado é a forma mais efetiva de alcançar objetivos. Por fim, a terceira premissa realista é a de que há clara prioridade na política externa dos Estados no que tange a Alta Política, questões de segurança militar. A Baixa Política (relações econômicas interestatais e sociais) é constantemente dominada pela outra.

Como afirmado anteriormente, a teoria da interdependência complexa desafia as três premissas realistas, justificando que não há nelas explicação alguma sobre a interdependência das nações. Apesar de propor novas ideias à época, a teoria neoliberal também analisava as relações em escala global de forma ideal, ou seja, nem sempre o que ocorre na prática ocorrerá de acordo com o que a teoria presume.

As características propostas da Interdependência Complexa são três: (1) a sociedade é conectada por meio de múltiplos canais, (2) a política externa dos países não tem prioridades claras e (3) não há conflito bélico quando há interdependência complexa (EVAGHOROU; MERTZANIDIS, 2012). Todas as premissas vão de encontro com as da corrente realista e serão justificadas a seguir. A primeira afirmação contraria o Realismo, uma vez que não destaca os Estados como os únicos atores internacionais relevantes. As elites de um país, a mídia, as grandes empresas transnacionais e os próprios governos com sua política externa têm interesses distintos uns dos outros e podem, de acordo com suas vontades, interferir na tomada de decisão de um Estado. Isso quer dizer que, ao contrário do que a corrente realista afirma, não há autonomia Estatal para decisões, uma vez que ela pode ser completamente mudada se houver benefícios ou coerções por parte de outros interessados. Há, desse modo, um vínculo mais complexo do que o atestado pela escola Realista (KEOHANE; NYE, 2001).

A segunda afirmação vai de encontro com a afirmação realista de que assuntos de segurança e militares dominam as agendas dos Estados. A interdependência complexa explica

que não há, de forma alguma, tais prioridades. Estados podem optar por maior investimento econômico e desenvolvimento de suas políticas domésticas ao mesmo tempo em que diminuem seus investimentos em defesa militar.

Diferentes Estados definirão prioridades diferentes se participarem de OI’s como o FMI, a OMC, Integrações regionais, entre outros. As OI’s, nesse aspecto, atuam de forma determinante à paz, uma vez que melhoram a qualidade das informações internacionais coletadas, aumentam possibilidade de cooperação multilateral e aumentam a previsibilidade do Sistema Internacional (EVAGHOROU; MERTZANIDIS, 2012). Ademais, a política doméstica de um país poderá influenciar a esfera internacional, modificando a tomada de decisões e o posicionamento dos Estados. Também nessa afirmação, há mais complexidade do que defendido pelos realistas (KEOHANE; NYE, 2001).

Por fim, a terceira premissa discorre sobre a não utilização de armas quando há grande interdependência. Segundo a teoria neoliberal, uma vez que as relações econômicas de um país são grandes com um país aliado, provavelmente nunca haverá conflito bélico entre os dois. Isso não quer dizer que conflitos em geral não ocorrerão, mas sim que outros mecanismos terão preferência, como OI’s, arbitragem, negociações bilaterais, diálogo. Da mesma forma, quanto menos dependente do outro um Estado estiver, maior a probabilidade de conflito armado, visto que não há motivos para não utilizar a força.

A interdependência deve ser analisada como uma realidade, não como um benefício. As relações conectam-se entre si de forma imperfeita e imensurável, por isso foi estabelecido a terminologia “complexa”. Os Estados, com isso, utilizarão de seu poder político de acordo com o nível de interdependência que analisa ter. Quanto maior sua interdependência com outros país, menor chances se tem de utilizar seu poder de barganha, visto que o prejuízo do seu aliado também é o seu prejuízo (RATHBUN, 2010). Quanto mais próximo da autossuficiência, no entanto, mais um Estado terá poder de barganha com um outro que depende dele. O fato de não haver conflito bélico, dessa forma, não impede que haja dominadores e dominados, mas sim que não está sempre estabelecido quem será o dominador, isto é, o menos dependente em determinada situação.

Com o maior fluxo de comércio, relações políticas e sociais no mundo, segundo a teoria neoliberal, haveria, gradativamente, maior espaço para transnacionais e OI’s para exercer um maior papel em âmbito internacional. Os chamados regimes internacionais preencherão o espaço que antes era somente dos exércitos e, ainda, incentivarão Estados a formarem integrações mais sólidas, tratados, diplomacia, para que também as utilizem como poder de barganha (KEOHANE, 1984). A União Europeia é um bom exemplo do aumento de

poder de barganha dos Estados que a compõe. A interdependência acontece de forma mais intensa dentro da União para que haja maior vantagem ao relacionarem-se com o exterior, onde a estrutura é anárquica e pode haver mais espaço para competição que para cooperação.

4.3.1 Possível ascensão da China sob a perspectiva do Institucionalismo Liberal

A possível ascensão da China, de acordo com a teoria neoliberal, dar-se-ia de forma não bélica, isto é, sem a presença de conflitos militares. O cenário no qual a China se insere, nessa teoria, é bastante positivo, uma vez que a interdependência de Estados com a China é crescente desde o início do século. A inserção econômica chinesa desde as reformas econômicas de 1978 estabeleceram laços que, atualmente, seriam impossíveis de serem rompidos sem que houvesse forte impacto nas relações internacionais (ROACHE, 2012).

O estabelecimento de multinacionais e de indústrias de montagem na China por estrangeiros, ademais, deu base para que o Partido Comunista Chinês pudesse focar em políticas de bem-estar, nas quais aumentaram-se salários e a presença global na China, com a compra de terras no continente africano e americano, financiamento de países em desenvolvimento e o discurso multilateral frente a situações de crise, momento nos quais os países tendem a se isolar (LI, 2012). A intensificação de parcerias entre China e mundo, dessa forma, impedirá que, caso haja conflito, esse seja resolvido de forma militar. Pelo contrário, qualquer outro método que não seja com o uso de armas será favorecido, uma vez que há vontade de todas as partes de que o fluxo de comércio global continue e se intensifique cada vez mais. Para resolução de conflitos, portanto, seriam utilizadas soluções pacíficas de controvérsias, diálogo, intensificação de relações diplomáticas, arbitragem de um terceiro país ou de OI’s.

Há ainda a necessidade de avaliar o mundo como globalizado e que, por isso, não depende somente de Estados para que haja comunicação. A ascensão paulatina da China não acontecerá, portanto, somente com o governo chinês e com exercício de Política Externa chinesa sobre o mundo; pelo contrário, a influência chinesa também se dará com o cidadão chinês e suas ações. A emigração chinesa, nesse contexto, auxilia na disseminação da cultura, língua, e aspirações chinesas, mesmo sem a direta intenção do Estado de que isso aconteça. Entre 2010 e 2016, a emigração chinesa para os Estados Unidos superou 550 mil pessoas (MIGRATION POLICY INSTITUTE, 2017). A fortalecida economia chinesa, ademais, além de benefícios óbvios com o aumento de fluxo financeiro, serviu e serve como polo de atração, no qual despertam o interesse de cidadãos ocidentais e orientais, fazendo que haja imigração

para as megacidades (com mais de 10 milhões de habitantes) e incorporando diversidade em território chinês. Empresas transnacionais são as responsáveis por parte desse fluxo migratório, quando há planejamento estratégico para atuar em outra região e quando treinam seus funcionários para entenderem cultura chinesa, visando melhorar suas negociações. São exemplos que o Institucionalismo Liberal considera relevantes, todavia não necessitam do Estado como centro das comunicações. Assim como a teoria afirma, a China pode ascender por diversos canais além da clássica atuação estatal.

A agenda política chinesa transcende o militarismo e não envolve apenas temas relevantes à defesa nacional. Relações políticas e econômicas, dessa forma, fortalecem o vínculo interdependente, na medida em que haja forte resistência à quebra dessas relações. Se para o governo chinês a manutenção do status quo fosse primordial em todas as situações não haveria espaço para relações benéficas para ambos os lados, uma vez que buscar-se-ia sempre o ganho de poder relativo. Em um mundo interdependente, no entanto, é sabido que há ganhos absolutos, nos quais todas as partes participantes nas relações são beneficiadas e, com isso, encorajadas.

Um conflito da China com os Estados Unidos impediria um fluxo de comércio de aproximadamente 650 bilhões de dólares por ano; ademais, a China é o maior fornecedor de bens aos EUA, com fluxo 350% maior que em 2001, com base em números de 2016 (ESTADOS UNIDOS, 2017). Da mesma forma, o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, de iniciativa chinesa, com parceria com os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e outros parceiros extrarregionais, responsável pelo financiamento principalmente de países em desenvolvimento na Ásia, teria sua atuação prejudicada e impediria o desenvolvimento sustentável de países dependentes dos empréstimos (ASIAN INFRASTRUCTURE INVESTMENT BANK, 2017). Os conflitos bélicos com a China, dessa forma, não aconteceriam, para que houvesse preservação de um fluxo monetário importante para as relações China-mundo e que se mantivesse a gradual ascensão pacífica chinesa.

Quanto às OI’s, é necessário mencionar a OMC, sobretudo seu OSC (Órgão de Solução de Controvérsias) para verificar a atuação pacífica chinesa com os países membros, notadamente os do Ocidente. Membro desde 2001, a China é membro ativo para encontrar soluções pacíficas às controvérsias comerciais, visto que em 16 anos já atuou em 17 casos como o país acionador, 39 casos como réu (respondent) e em 141 casos como terceiro interessado (WORLD TRADE ORGANIZATION, 2017).

Figura 7 – Disputas Chinesas no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC

Fonte: (WORLD TRADE ORGANIZATION, 2017).

Destaca-se principalmente o ano de 2009, no qual a China foi responsável por 50 por cento de todos os casos acionados (NOGUEIRA, 2011). O fato de que grande parte dos casos estarem relacionados com o Ocidente, revela que há maior intensidade de fluxo comercial entre China-Ocidente, em destaque os Estados Unidos e a União Europeia. A ascensão pacífica chinesa no cenário internacional, dessa forma pode ser alcançado, na medida em que essas organizações responsáveis pela manutenção da paz ajam de forma transparente, eficiente e imparcial.

4.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE A CAPACIDADE PREDITIVA DAS TEORIAS