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4.1 REALISMO OFENSIVO

4.1.1 Possível ascensão da China sob a perspectiva do Realismo Ofensivo

Sob a perspectiva da teoria do Realismo Ofensivo de Mearsheimer, não há possibilidade de a China ascender como potência regional pacificamente. A China busca, assim como qualquer outro Estado, a Hegemonia Regional, e buscará incessantemente a

hegemonia mundial para que sua soberania seja garantida. Estados que não estão satisfeitos com sua posição no cenário internacional, devido principalmente à insegurança, são chamados “Estados revisionistas”, e a China se encaixa nessa categoria (RUDLOFF, 2013). Os Estados Unidos, entretanto, são considerados um Estado status quo por estarem relativamente satisfeitos com sua posição no globo. Algumas regiões, sobretudo na Ásia, podem ser consideradas pontos de contato entre a potência emergente (China) e a Hegemonia Regional atual buscando manter seu status quo (Estados Unidos). Podemos citar entre elas o Golfo Pérsico, Taiwan, Coreia do Norte, Mar do Sul da China e o Mar Amarelo (MEARSHEIMER, 2010). Essas regiões são consideradas mais vulneráveis que as demais, e os motivos serão desenvolvidos durante este capítulo.

O Golfo Pérsico, entre todas as outras opções para possível conflito, é o menos provável de protagonizar um conflito entre americanos e chineses. É definido como um ponto de contato, todavia, por ter grandes reservas de petróleo. Não seria a primeira vez que Estados entrariam em conflito pelo controle das importações dessa commodity, e, apesar de ser o país com maior investimento em energia sustentável do mundo, a China depende substancialmente das importações dessa região para manter seu ritmo de desenvolvimento.

Atualmente, a China é a maior importadora de petróleo do mundo e a segunda maior consumidora, atrás apenas dos Estados Unidos. Responsável por 16% do petróleo importado, a Arábia Saudita é o seu principal fornecedor (EIA, 2015). Os Estados Unidos, com ascendente poder desde o início do século XX já havia estabelecido importância relevante à região a partir da primeira crise do petróleo (1973). A partir da vulnerabilidade sofrida por quase todos os países com o aumento do preço da commodity, tentaram-se alianças com os países da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), tanto econômicas quanto políticas, a fim de mitigar possíveis ameaças às soberanias; os Estados Unidos, no entanto, conseguiram ir adiante, não somente com os incentivos de soft power, mas com a ocupação de territórios no Oriente Médio desde a década de 80. O fato de ser uma Hegemonia Regional permitiu que os EUA atuassem dessa forma para que seu status quo fosse assegurado. A nova influência econômica chinesa na região, portanto, poderá provocar um conflito, caso traga instabilidade para o poder de influência norte-americano.

Taiwan, seguindo a ordem de vulnerabilidade, poderia se encaixar na segunda região menos volátil. A ilha de Taiwan foi abrigo para o partido da oposição, a Kuomitang, após Revolução Comunista de 1949, tornando-se uma província “rebelde”, por atuar de forma autônoma do restante da China, adotar um regime capitalista liberal e tentar estabelecer

relações diplomáticas com o restante do mundo, visto que, feito isso, outros Estados estariam reconhecendo Taiwan como nação independente (BUSH, 2016; PINTO, 2004).

Mesmo antes da guinada autônoma, no século XIX, a região já era instável, visto que, por sua posição geográfica, afastada da porção continental, foi alvo da invasão de europeus e japoneses. Desde o novo governo “rebelde”, no entanto, essa porção do território chinês teve suas tensões aumentadas, pois a China comunista não faria negócios com nações que reconhecessem sua independência. A política de Uma só China fazia as nações do mundo escolherem com qual nação estabeleceria laços diplomáticos e, desde o fim da Segunda Guerra até 1973, o Ocidente reconheceu Taiwan como sendo o governo legítimo, principalmente por estar em um contexto de Guerra Fria, no qual o comunismo era abominado pelos Ocidentais, mas também por seus ideais capitalistas e liberais do governo. A China continental, nessa época, sofreu isolamento determinante, pois inviabilizou a rápida recuperação do país. O reconhecimento da China continental como governo legítimo removeu Taiwan das Nações Unidas e notadamente do Conselho de Segurança, momento no qual o mundo aceitou a política de “Uma só China”.

O fato do Realismo Ofensivo considerar Taiwan como ponto de contato se dá, justamente, pelo reconhecimento relativamente recente da China comunista. O regime liberal de Taiwan ainda tem relações comerciais com países do Ocidente, sobretudo com os Estados Unidos, por receber armamentos e equipamentos antimísseis. A China continental pode considerar, pelo dilema da segurança, que Taiwan aumenta seus armamentos para ganho de poder ofensivo, não defensivo, o que faz a China desconfiar constantemente das relações Taiwan-mundo. Caso aconteça um conflito futuro entre Estados Unidos e China, Taiwan será um possível acesso norte-americano ao continente, parte disso pela política estadunidense de mecanismo para assegurar sua economia. Apenas um encerramento de relações comerciais dos EUA com Taiwan diminuiria o risco de conflito na região, mas não há qualquer indício de que isso ocorrerá.

A Coreia do Norte se tornou um ponto de contato desde 1950, com a Guerra da Coreia, nos primeiros anos da Guerra Fria, e se estende até os dias de hoje. O armistício entre as Coreias, em 1953, estabeleceu claramente a Coreia do Sul como recebendo influência norte-americana (YING, 2017). Apesar do fim da Guerra Fria, em 1991, os estadunidenses continuaram com o soft power na região, o que demonstra a vontade do país de expandir seu poder hegemônico, e não simplesmente resolver uma situação conjuntural. Enquanto houver poder para os Estados Unidos tomarem, eles o farão. Isso não quer dizer que os norte- americanos sejam maus, mas sim que qualquer Estado faria o mesmo se pudesse.

A partir do início de 2017, ademais, as tensões na região agravaram-se, principalmente com os testes de armas nucleares dos norte-coreanos e o discurso paulatinamente mais agressivo por parte dos norte-americanos. A ameaça de invadir e neutralizar a Coreia do Norte fere diretamente os interesses chineses na região (YING, 2017). Como Estado tampão, a presença dos norte-coreanos impede a presença norte-americana nas fronteiras com a China.

Por anos, a China manteve relações bilaterais com o regime de Kim Jong Un, sobretudo com o fornecimento de carvão e petróleo, como forma de manutenção de um regime anti-hegemonia americana. Isso servia, até certo momento, como um Estado satélite chinês, impedindo geopoliticamente maior aproximação de aliados asiáticos ocidentais, como o Japão e a Coreia do Sul, apesar de a Coreia do Norte ter um regime exclusivo e soberano.

Para interferir em uma região que não está sob seu completo controle, os Estados Unidos utilizam-se do discurso pela liberdade, proteção de seus aliados asiáticos e a garantia da democracia, motivos ideais para legitimar o aumento de sua presença. Esse ponto de contato pode ser estabelecido, uma vez que as pressões ocidentais, sobretudo dos norte- americanos sobre a China, já fizeram que chineses encerassem suas relações econômicas com os norte-coreanos. É importante destacar, no entanto, que segundo o Realismo Ofensivo poderá haver uma condição que a China, como potência regional ascendente, não aceite ceder. Haverá conflito se a incisão norte-americana ameaçar controle relativo chinês na região ou se houver auxílio chinês aos norte-coreanos, caso Coreia do Norte e Estados Unidos combatam (YING, 2017).

Tanto o Mar do Sul da China quanto o Mar Amarelo são áreas geoestratégicas essenciais para os chineses e, por isso, são prioridades para a segurança do país (GEWIRTZ, 2016). Não cabe aqui considerar somente a segurança territorial, mas também a segurança econômica e a soberania como um todo. As políticas chinesas quanto a esses mares, dessa forma, inspiram-se na teoria geopolítica clássica de Alfred Mahan, com o conceito de Poder Marítimo como garantidor da defesa e da projeção de um Estado. Em âmbito econômico, ademais, o poder naval chinês garantiria regular a manutenção das linhas de comunicação marítima (LCM) responsáveis por grande parte do comércio chinês com o exterior, uma vez que o transporte marítimo se mostrou menos custoso para o envio de constantes carregamentos para todos os continentes (CARMO et al., 2013). Valoriza-se principalmente o transporte para abastecimento de recursos energéticos (petróleo, gás natural, carvão), o que faz que o impacto na região, caso o fluxo marítimo fosse interrompido, fosse não só econômico, mas social e político, uma vez que a política doméstica chinesa tem como

importante apoio o comércio exterior e o constante crescimento do PIB (CARMO et al., 2013).

A partir do novo governo chinês, desde 2012, de Xi Jinping, a China se autodeclarou, pela primeira vez, uma potência global, isto é, Estado com grande impacto e relevância para o cenário internacional econômica, militar e politicamente. Isso se deve, em grande parte, pelo discurso chinês, que enaltece o multilateralismo e o princípio da não interferência em outros países, premissas que encontram aliados sobretudo com nações emergentes e de países não alinhados desde a conferência de Bandung de 1955.

Seis anos antes, no entanto, ainda sob o governo de Hu Jintao, o país já havia se declarado uma potência marítima, declaração essa que tentou demonstrar poder e capacidade de defesa estratégica de seus interesses, sobretudo nos dois mares. Houve claro aumento de investimentos chineses em seu poder naval, notadamente a partir do início do século XXI, visto que o país considerou ter uma janela de oportunidade de projeção na região e globalmente (CARMO et al., 2013). Além disso, a estratégia chinesa em investimentos de poder militar teve caráter defensivo, uma vez que foi notado aumento de presença dos Estados Unidos no Pacífico, o que resultou em insegurança e ameaça de interferência americana na região.

Quanto aos aspectos de defesa dos mares do Sul e Amarelo, a China dispõe-se de vigilância constante de sua fronteira marítima, estabelecida em 200 milhas marítimas desde a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Convenção da Jamaica ou Convenção de Montego Bay), de 10 de dezembro de 1982, que estabelece essa distância como Zona Econômica Exclusiva dos chineses (ZANIN, 2010). A existência de pequenas ilhas dentro dessa área contento petróleo e gás, no entanto, faz que Estados próximos tenham reivindicado posse e autoridade para exploração da região, entre eles Brunei, Taiwan, Filipinas, Vietnã e Malásia, havendo instabilidade e incerteza na região (CARMO et al., 2013). Os Estados Unidos, ademais, utilizam-se desses conflitos para realizar uma espécie de política de contenção aos chineses, impedindo que avancem sua influência na Ásia (FRAVEL, 2011).

O ponto de contato, segundo o Realismo Ofensivo se dá pela inflexibilidade chinesa de ceder o território a qualquer outra nação que o reivindique (GEWIRTZ, 2016). A disputa geoeconômica envolvendo os países asiáticos e os Estados Unidos provocam incessante debate sobre o legítimo possuidor das águas em questão. Como estratégia de consolidação chinesa, ilhas artificiais foram construídas para que a marinha chinesa esteja próxima caso haja conflito, além da clara demonstração de poder frente a qualquer outro

Estado na região. Na figura abaixo apresentam-se as disputas no Mar do Sul da China. Cada linha representa a área pleiteada por um Estado, sendo a China país disputando a maior área.

Figura 5 - Disputas territoriais no Mar do Sul da China.

Fonte: Voice of America (2012).

Vê-se que as disputas chinesas com os outros países da região não terão caráter temporário, uma vez que mostram disponibilidade econômica e vontade política, nas definem- se interesses contínuos e incessantes por parte da potência ascendente. A figura 6 é emblemática ao expor o esforço chinês na construção de ilhas artificiais sobre corais para que possa proteger os territórios pleiteados de forma mais eficiente.

Figura 6 – Ilha artificial chinesa de Fiery Cross, construída em cima de um coral.

Fonte: Asia Maritime Transparency Initiative (2014).

Por fim, apesar de a análise estar focada na possibilidade da China entrar em conflito com outra nação, sobretudo com os Estados Unidos, não se deve ignorar a agressividade estadunidense frente a potências emergentes. Os Estados Unidos, sempre que tiveram a oportunidade de neutralizar potências regionais, o fizeram. Mearsheimer aponta para quatro ocasiões: A Alemanha imperial, na Primeira Guerra Mundial, o Japão Imperial e a Alemanha nazista no contexto da Segunda Guerra Mundial, e a União Soviética durante a Guerra Fria. Com isso, vê-se que a intervenção norte-americana acontece de forma proativa, eliminando uma possível hegemonia antes que ela o seja.

A China não poderá ascender de forma pacífica, não somente por sua responsabilidade, mas porque os Estados Unidos têm um histórico agressivo frente a potências ascendentes. Os Estados Unidos não toleram competição por hegemonia e não aconteceria diferente com a China, visto que Mearsheimer inclusive propõe aliança entre Estados Unidos e Rússia para maior controle sobre neutralização chinesa.

Há ainda, o possível discurso norte-americano de responsabilidade e direito de proteger o mundo, utilizado de forma vasta para que o país estabeleça realize suas aspirações pelo globo, agindo de forma agressiva e intervencionista (MEARSHEIMER, 2010). Esse

discurso poderia ser utilizado facilmente com a China, na medida em que ela possui armas nucleares e um regime autoritário e comunista, duas características já foram utilizadas pelos Estados para justificar intervenções durante toda a Guerra Fria.