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A CORRUPÇÃO NO BRASIL: DO DESCOBRIMENTO À ATUALIDADE

1.7 Ascensão e queda do ex-governador Sérgio Cabral

Não podemos escrever sobre o ex-governador Sérgio Cabral sem falar da questão da moral e da ética. A moral pode ser comparada a um jogo de comportamentos que expõe o caráter da desigualdade da formação brasileira, seja associada à colonização portuguesa, seja constituída na civilização, seja ela ainda constituída por sujeitos desconectados com a moral civilizacional. Toda essa miscelânea teria produzido seres imunes à moral como aquela ideia da música de Chico Buarque, popularmente disseminada na voz do cantor Ney Matogrosso: “não existe pecado do lado de baixo do Equador”. E falando no território brasileiro, o pecado foi extinto da Região Sudeste, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, onde há décadas não temos um governo regido pela moral coletiva ou pela ética individual, vide que todos os últimos governadores desde 1998 estão ou foram presos por práticas ilícitas.

A questão ética cultural e social continua latente e aparentemente sem solução, pois temos moral, mas questionamos nossa própria ética. O brasileiro almeja uma moral pela ética, mas em contrapartida a sua própria imagem é questionada por seu caráter. O indivíduo brasileiro se vê como um sujeito honesto, generoso e batalhador, mas que não afirma o mesmo entre seus pares. Sua conduta é desafiada e desvelada por essa contradição, pois alguém que se

considera diferente do outro por distintas razões e méritos são iguais aos seus semelhantes. Ao questionarmos o comportamento do brasileiro pelo viés da ética, observamos atitudes e ações que se desviam da retidão do caminho que ele propõe para os outros e para si. O ex-governador é um desses casos.

De acordo com o Jornal On-line Folha de São Paulo, do início de sua carreira até os dias atuais, vemos a evolução pública do ex-governador e as mudanças éticas em sua atuação. Em sua primeira campanha política seu slogan foi “meus valores são outros”, sendo a ética e a moral a base de sua plataforma eleitoreira. Ao perder sua primeira candidatura ao Executivo, ganhou a alcunha de paladino da moralidade lapidada ao longo de três mandatos na Assembleia legislativa, por meio de uma série de ações marqueteiras, que fazia questão de deixar a mídia a par. O mesmo homem que, como governador, só ia ao trabalho de helicóptero, nesta época abriu mão do seu carro oficial e era figura frequente dos bailes de terceira idade – categoria que ele privilegiou com diversos projetos. Já foi presidente de CPI de corrupção no futebol, sendo até ameaçado pelos investigados. Como presidente da Assembleia debruçou seus discursos sobre a moralidade e criou um teto antissupersalários. Era considerado um jovem político de vanguarda nessa sua primeira fase política.

Alguns filósofos argumentam que o conceito de ética pode ser interpretado, assimilado e aplicado de distintas maneiras e de acordo com interesses pessoais; dessa maneira, o que se entende ser falta de ética é relativo a uma determinada da situação. Alguns autores, inclusive, apontam que os meios podem até justificar os fins; contudo, o mínimo que se espera de quem escolhe representar o povo por meio de uma carreira pública é que tenha um sólido e complexo entendimento da dimensão da ética. Parece lógico que esse conceito varia de pessoa para pessoa, mas temos que reconhecer que o ex-governador tem um conceito distinto sobre o tema, como já podemos analisar adiante.

Segundo a BBC News (2016), a escalada do ex-governador Sérgio Cabral aponta dados importantes sobre a Corrupção no Estado do Rio de Janeiro. Podemos observar nos momentos ao longo da sua trajetória, como a primeira eleição, aproximação com rivais políticos, apoio do Partido dos Trabalhadores, Olimpíadas do Rio, luxos, escândalos, presentes milionários, uso indevido do erário público até a sua prisão.

Ainda segundo a reportagem da BBC News (2016), Sérgio Cabral foi eleito pela primeira vez em 1990, como deputado estadual pelo PMDB, devido ao apoio de idosos, como citamos anteriormente, sendo reeleito duas vezes, isso por conta de se aproximar do eleitor recusando mordomias inerentes ao seu cargo. Em 2002, Cabral foi eleito senador com o apoio do ex-governador Anthony Garotinho, chegando ao poder devido coalização de partidos de esquerdas. Garotinho também foi preso na mesma operação, ajudando Cabral a se eleger governador no ano de 2006. Considerados inimigos políticos, foi Garotinho quem tornou pública a famosa foto que retratou a farra dos guardanapos, como veremos.

Em 2009, junto com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (que posteriormente também foi condenado em uma operação), o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, e o então prefeito do Rio, Eduardo Paes, assinou o contrato que oficializou o Rio como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Em 2010, Cabral recebeu o apoio do PT – e do ex-presidente, promovendo-lhe campanhas. Cabral foi eleito no primeiro turno com boa parte dos votos válidos. A aprovação da população em relação às UPP’s (Unidades de Polícia Pacificadora) nas favelas na época colaborou para sua popularidade (BBC NEWS, 2016). Ainda, de acordo com o site:

O jogo virou em 2011, quando foi revelada sua amizade com empresário Fernando Cavendish, da Delta Construções, após a queda de um helicóptero a caminho da Bahia, onde o empresário comemoraria seu aniversário. Na época, Cavendish, o mesmo que o entregou à Polícia Federal em sua delação, era acusado de tráfico de influência no governo federal - sua empresa faturou R$11 bilhões de erário nas obras feitas entre 2007 e 2012. Somente em 2011, a Delta havia faturado R$ 1,4 bilhão em obras públicas no Rio. (BBC NEWS, 2016).

A situação piorou em 2012, quando Garotinho, seu ex-aliado político, publicou fotos de Cabral e seus secretários dançando em um jantar luxuoso em Paris com Cavendish. Uma das fotos mostrava os secretários de Cabral dançando com guardanapos na cabeça, o episódio ficou conhecido como “a farra dos guardanapos” (BBC NEWS, 2016).

No ano de 2013 recai sobre o ex-governador o peso do Caso Amarildo, o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza em julho do mesmo ano, logo após prestar depoimento na UPP da Rocinha. O caso ganhou ampla repercussão popular e midiática, em que 25 policiais militares denunciados pelo

desaparecimento e morte de Amarildo foram condenados (BBC NEWS, 2016). Ainda no ano de 2013, a revista VEJA revelou que Cabral gastava R$ 312 mil mensais em helicópteros que levavam sua família para passear. Diante desses fatos houve uma verdadeira revolta da população, e sua popularidade despencou de 45% para 12%, segundo medição do Ibope. Protestos eram constantes e ele era frequentemente vaiado em solenidades. Embora tentasse reverter a situação ao devolver aos cofres públicos o valor referente às suas diárias de hotel em uma viagem privada que fez à França, em 2008, sua popularidade nunca foi recuperada (BBC NEWS, 2016).

Em 2014, seu vice Luiz Fernando Pezão foi eleito governador do Rio, mas Cabral voltou aos holofotes, quando Cavendish afirmou em sua delação premiada que, em 2009, pagou por um anel de R$ 800 mil para que Cabral presenteasse sua mulher, Adriana Ancelmo, em seu aniversário. Em nota, o governador confirmou o presente, mas disse não saber o valor do anel na época. Ele também disse ter devolvido o presente após as denúncias contra a Delta Construções. (BBC NEWS, 2016).

No dia 17 de novembro de 2016 Cabral é preso no Rio. Ele recebeu dois mandados de prisão preventiva, um expedido pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, e outro pelo juiz Sergio Moro, em Curitiba. Os mandados dizem respeito a duas operações diferentes - a Calicute, tida como um braço da Lava Jato no Rio, com base na delação premiada do empresário Fernando Cavendish, e a própria Lava Jato, baseada na delação da Andrade Gutierrez e da Carioca Engenharia. A operação “Calicute”, responsável pelo mandado de prisão de Cabral, investigava o desvio de recursos públicos federais em obras realizadas pelo Governo do Rio de Janeiro, um prejuízo estimado em mais de R$ 220 milhões. O nome da operação é uma referência à cidade na Índia onde Pedro Álvares Cabral, descobridor do Brasil, envolveu-se em uma sangrenta disputa com comerciantes locais, em um episódio conhecido como "Tormenta de Calicute” (BBC NEWS, 2016).

Até 28 de agosto de 2019, as penas impostas a Cabral já ultrapassavam 233 anos de prisão, segundo fontes dos principais jornais cariocas. Como relatado acima, é importante ressaltar que o ex-governador começou a ser investigado na “Operação Calicute” homônima à batalha na Índia que vitimou Pero Vaz Caminha,

ator do primeiro ato de corrupção realizado no Brasil como apontamos no início deste capítulo. Também é importante ressaltar que Sérgio Cabral é o ator principal de nosso estudo, dada a repercussão de seu caso em relação à temática da tese e à sua conduta em torno da prática e suas controversas declarações públicas acerca de seu comportamento.

Concluímos que o avanço e a consolidação da democracia produziram linhas de pensamento que parecem impor gradativamente, constituindo uma tendência a resolver esses conflitos cada vez mais em favor da ética. No aspecto político, as promessas não cumpridas e a corrupção sob todas suas formas, crescem as exigências da chamada "transparência" nas ações públicas, políticas e governamentais, sendo condição necessária à efetivação da liberdade e o direito a verdade, como reza a Constituição. Vários filósofos discorreram sobre a ética; contudo, de uma forma prática, a ética se apresenta como uma exigência do convívio social, estando além da educação, que não se confunde com a instrução, nem com as chamadas boas maneiras, mas o que se exige dos homens no relacionamento social, posto que pensar no outro é uma maneira de garantir a harmonia social.

Nos próximos capítulos analisaremos a dimensão ética da corrupção e sua relação com o poder usando exemplos os discursos públicos do ex-governador associada a diferentes abordagens.

CAPÍTULO 2:

POLÍTICA, PODER E SUAS RELAÇÕES COM A