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O mal da atualidade: O olhar da Psicanálise no fenômeno do poder e da corrupção

A CORRUPÇÃO NO BRASIL: DO DESCOBRIMENTO À ATUALIDADE

2.6 O mal da atualidade: O olhar da Psicanálise no fenômeno do poder e da corrupção

Como podemos refletir até aqui, a corrupção faz parte da história do Estado brasileiro, ultrapassando todos os limites da razoabilidade, passando a ser surreal. Nesse sentido, a sociedade anseia por mudança e iniciam-se as tentativas de combatê-la. Podemos, inclusive, afirmar que a queda do ex-governador se dá

quando “sua taxa de corrupção” se exacerba, tornando-se insustentável. Assim, nesta seção, pensaremos este mal da atualidade a partir da obra de Sigmund Freud e das suas reflexões de amplitude social e cultural, e complementaremos a fundamentação teórica do fenômeno perpassando ainda por autores que suplementarão o estudo a partir da sua contribuição para história social e política da corrupção e sua relação com o poder pela ótica da Psicanálise.

Um assunto que perturba a sociedade é a questão da felicidade para o homem, sendo um tema recorrente entre vários autores que se debruçaram sobre a temática no decorrer da história. Sigmund Freud foi um desses que dedicou uma parte da sua obra ao estudo deste tema. Levantando uma nova compreensão do ser humano, o autor enxergava no indivíduo um ser dotado de uma razão imperfeita, influenciada por impulsos, desejos e sentimentos, constantemente contraditórios face à condição própria de ser biopsicossocial que qualifica nossa espécie.

Segundo o psicanalista e autor espanhol Saúl Peña K. (2003), é neste sentido que a Psicanálise, com sua técnica de análise e com a teoria da interpretação do inconsciente, permite uma percepção mais aprofundada dos desejos não manifestados, contudo decisivos na tomada de decisão. É difícil antever a quem se destina um voto, mas a mudança pode se tratar de pôr em evidência as crenças latentes, como o imaginário, que persuadem nas opções políticas e, assim, não nos surpreendemos pelas que parecem irracionais e ilógicas em um dado momento. A Psicanálise é um campo capacitado para dar conta destas variantes com rigor, ainda que não se saiba com exatidão das tendências ocultas que se traduzem na tomada de decisão.

Peña K. (2003) explica que o objetivo é identificar os imaginários ou crenças populares, os ideais compartilhados mais generalizados e que valor se concede a eles em um grupo social determinado. Precisar quem é o outro na relação intersubjetiva político-indivíduo, que significa o que representa o um para o outro, que lugares ocupam, ou que acreditam que ocupam ou desejam ocupar. Desvendar as características atribuídas e almejadas de um líder político e a valorização que se dá a seu discurso. O autor ainda afirma que esta teoria, como campo de saber, lida tanto com questões que envolvem os impasses do sujeito moderno quanto com questões que dizem respeito à constituição desse sujeito na Modernidade, e esse sujeito só se constitui inserido na sua cultura. A Psicanálise

surge na Modernidade, estando intimamente relacionada aos impasses desse sujeito dentro seu contexto social e histórico. Para tal, julga possível estabelecer um diálogo entre a teoria psicanalítica freudiana e no nosso estudo, com a corrupção na administração pública no Brasil.

Birman (2009) um estudioso da Psicanálise Freudiana, que relaciona suas pesquisas ao poder, afirma que é ilusório pensar no sujeito freudiano fora dos dilemas realizados para ele pelo seu contexto cultural. As variantes de subjetivação e de constituição do sujeito estão precisamente ligadas às formas de sociabilidade e de poder exercidas pelo e sobre o sujeito moderno. Muitas das argumentações do autor são inspiradas na genealogia de Foucault, e é nesse sentido que as nuances desse mal-estar coletivo são abordadas. Observamos, em sua obra, a relevância dada por Freud à questão do mal-estar na Modernidade, por meio de sua análise, na qual é possível apontar essa articulação conflituosa no sujeito entre a urbe interior e exterior.

O poder cria uma estratégia ao dar a entender que a corrupção é menos danosa, corrosiva do que outros crimes violentos, como o homicídio, pois sempre é abordada de forma amena. Podemos, então, afirmar que a corrupção é um crime sem face e, assim, aparenta possuir um potencial menor, um problema menor. Contudo, ela é um crime que prejudica a vida das pessoas e da nação, posto que os corruptos não matam, teoricamente, uma ou outra pessoa; suas vítimas são anônimas. Essa descaracterização, essa falta de personificação da vítima, faz com que a corrupção seja menos grave do que outros delitos, como o assassinato ou tráfico de entorpecentes. Nesse sentido, os políticos fazem várias vítimas anônimas que, por exemplo, morrem sem ter acesso a saúde pública, propagando a ideia de que seus delitos são menores que outros.

Sigmund Freud (1974) em seu texto “O Mal-estar na Civilização” produz uma reflexão sobre a Modernidade por meio do seu discurso sobre o processo civilizatório. A análise freudiana é marcada por sua inovação, ao instaurar o uso de uma linguagem psicanalítica, para abordar tais questões da Modernidade. Nesse sentido, o fundamento da reflexão freudiana sobre este período é amparado na constituição do sujeito moderno e nos impasses instaurados por esse período histórico para o sujeito. Assim, ao identificar os polos conflituosamente que constituem o sujeito (pulsão versus civilização) Freud retoma uma oposição presente nas análises das Ciências Humanas sobre a

Modernidade e a polarização entre natureza e liberdade. Observamos que se a natureza é o que marca a tradição ou o mundo pré-moderno, a liberdade representa a condição de passagem para a civilização, sendo, para tanto, por meio da liberdade e da razão científica que o sujeito moderno pode desafiar o discurso religioso e o tradicional. Desse modo, o sujeito, para Freud (1974), constitui-se num jogo de forças entre as exigências da cultura e as exigências das pulsões. Por conseguinte, torna-se oportuno e até desejável um diálogo entre a Psicanálise e outras Ciências Humanas e, neste estudo, como apontamos, entre poder, ética e a política. Assim sendo, o sujeito freudiano é marcado, desde seus primórdios, por um conflito de forças, e o discurso psicanalítico se constitui direcionando seus interesses para os conflitos que envolvem o sujeito na modernidade, desde sua origem, e ao mundo Ocidental.

Freud oferece uma investigação antropológica e psicológica do homem em sua incessante busca pela felicidade, ora dada pela ausência de grandes sofrimentos, ora pela vivência de fortes prazeres. O autor evidencia três fontes de sofrimento que perturbam, ameaçam o homem: a ameaça de deterioração e decadência oriunda do nosso próprio corpo, o poder devastador e implacável das forças da natureza e o sofrimento proveniente das relações sociais. O princípio de prazer, neste sentido, mostra-se utópico; no entanto, Freud sinaliza que não podemos e nem devemos abdicar às nossas demandas de felicidade (FREUD,1974).

Freud (1974) ainda reflete sobre a Modernidade atravessando um sujeito constituído no conflito e pelo conflito de forças. É que a administração ou a gestão desses conflitos se torna um tema importante para a Psicanálise, questão que perpassa toda a obra freudiana e que toma diferentes rumos nas duas fases de seu pensamento. O autor substitui a palavra poder por algo mais categórico: força, e manifesta que o direito e a força são antagônicos, retrocedendo até origens arcaicas da humanidade, e que os conflitos de interesses entre os homens são solucionados mediante os recursos da força, que, neste caso, são as pulsões. Em Freud, o nosso processo civilizatório inibe as satisfações pulsionais.

Dessa forma, aponta Elias (1993) que

Nenhum tipo de sociedade pode sobreviver sem canalizar as pulsões e emoções do indivíduo, sem um controle específico de seu comportamento. Nenhum controle desse tipo é possível sem que as

pessoas anteponham limitações umas às outras, e todas as limitações são convertidas na pessoa a quem são impostas, em medo de um tipo ou de outro tipo.

Segundo Birman (2009), o poder não é o tema central das preocupações freudianas no desenvolver da sua obra; contudo, os quesitos que são abordados, em sua teoria, tem relação muito próxima com essa temática, sendo relevante mostrar de que tipo de poder falamos, ou a que noção de poder nos aludimos ao apresentar neste estudo essa questão, pois é importante, ao pensar nas relações de poder, analisar de que maneira a psicanálise freudiana dialoga e se relaciona com esse poder. O autor afirma que a questão do poder, para Freud, está atrelada à questão da autoridade e, por essa razão, a preocupação com a figura do pai esteve sempre em ênfase nas suas análises, como uma figura que, subjetivamente e historicamente, representa a autoridade e o poder.

Agejas (2010) afirma que Freud não dedicou um espaço a esta temática do poder em sua obra; no entanto, ele aportou elementos precisos para que a Psicanálise contribuísse para esta questão em muitas das suas dimensões, posto que é uma teoria interdisciplinar. Podemos observar, inclusive, aquilo que poderíamos chamar de expressões implícitas de poder, inconscientes, diferentemente das que poderíamos chamar “explícitas”. Não tenhamos dúvidas de que estas manifestações explícitas de poder têm sua sustentação no inconsciente, e essas contribuições freudianas deram luz aos aspectos inconscientes da questão, que são as formas implícitas de poder, que são da ordem do inconsciente. Nesse sentido, podemos considerar que o conjunto da obra freudiana que revela o poder do inconsciente para a totalidade dos atos do sujeito e que nos aporta entendimentos metapsicológicos que são valorosos para o aprofundamento da questão do poder.

Segundo Freud (1974), o ponto crucial para a civilização constitui-se pelo poder que uma sociedade exerce sobre o poder do indivíduo, encontrando sua essência na restrição das possibilidades de satisfação por meio da justiça sob o aspecto de um estatuto legal que sobreponha a vontade da maioria sobre o ser individual. Deste modo, Freud inaugura o conceito de civilização fundamentada numa renúncia à satisfação pulsional, em que, para conviverem em sociedade, os indivíduos reprimem suas pulsões, resultando numa economia libidinal. Esse sofrimento nos explicita como mais penoso que qualquer outro. Assim, não

existiria uma regra comum no que se refere à busca da felicidade, incumbindo a cada um de nós de descobrirmos por si mesmo a maneira mais particular de ser feliz.

Para Birman (2009), figuras como Deus, o Rei, o Estado e o Pai estão na mesma linhagem de poder por representarem uma autoridade em diferentes esferas e contextos. E é nessa linha de raciocínio que, por exemplo, julgamos oportuno pensar o abandono da primeira teoria do trauma freudiana em favor da teoria da fantasia, pois a preocupação de Freud com o poder não está presente apenas nos textos ditos sociais, mas, desde o início de seu pensamento, na esfera micro das relações de forças, entre os sujeitos e a autoridade entre o sujeito.

Para Peña K. (2003), se somarmos uma história de abandono a um passado traumático de uma sociedade, marcada pela marginalização, descuido, violência humana, associados à privação cultural, afetiva, econômica, aos conflitos raciais e às diferenças de classes vividas ao interior de uma realidade sinistra e ameaçadora, podemos explicar o ocorrido no Brasil nos últimos anos. Políticos corruptos, candidatos questionáveis, partidos com ideologias contraditórias aos quais não se constituem opção de alternativa popular. A sociedade frente à ausência de identificação com um pai confiável e consistente escolhe uma pessoa que, aparece representando o desconhecido, o inexistente, o marginal; acompanhamos isso há anos no Brasil no período eleitoral. Erroneamente, grande parte do país se identifica com ele, sem perceber de que se trata do representante de um engano maior, projetando uma confiança idealizada a favor do governo, ao qual atribuem boas intenções. Na realidade, os que compartilharam do banquete da corrupção pretendiam a perpetuação de seu poder para satisfazer uma ambição exacerbada, sustentada somente na ideia de que o poder faz o homem, e não o homem o poder. Podemos observar claramente no caso Sérgio Cabral, que usurpou dos cofres públicos do estado do Rio de Janeiro valores que ele próprio não teria como gastar nesta vida. É o que o autor denomina como filosofia torta, ou seja, da repartição. Lamentavelmente, em determinados momentos, alguns setores da oposição se viram seduzidos, consciente ou inconscientemente, a igualar certas atitudes antidemocráticas do governo que correspondem à lógica perversa de comumente conhecida em nosso país de que “o fim justifica os meios”. Devemos nos perguntar sobre os efeitos que um governo desta natureza tem no psiquismo e na cultura de um país.

Quando Freud (1996) escreveu inicialmente sobre histeria, acreditava que as histéricas sofriam abusos sexuais na infância; mais tarde essa teoria foi modificada. Porém, a etiologia da histeria coloca por terra a hipótese da hereditariedade como sua causa fundamental. O autor acreditava que, fazendo com que o paciente relembrasse a cena em que o sintoma apareceu primeiramente, seria possível corrigir o curso dos eventos posteriores. Freud intuía que o trajeto dos sintomas até a sua causa deveria ser mais complexo e longo. Nesse sentido, o trauma perpassaria por duas premissas: a de ser adequado como determinante e a de produzir força traumática suficiente e proporcional, pois as cenas lembradas pelas histéricas como originárias dos sintomas apenas estabeleciam uma conexão com a verdadeira cena traumática anterior, sendo essa mais difícil de ser rememorada. Assim, o trauma sofrido advinha de um precoce abuso sexual na fase pré-sexual; na puberdade ou adolescência alguma cena também de caráter sexual ativaria traços do abuso vivido, possibilitando a atribuição de um sentido erótico à primeira cena. O indivíduo oscilava à vitimização e à culpabilização pelo abuso. Acontecia uma divisão psíquica que recalcava traços de um evento traumático. Contudo, o que era excluído da consciência persistia em revelar-se, propiciando os sintomas histéricos, ou seja, o conflito psíquico era transposto para o registro sensorial, corporal e o motor.

Birman (2007) afirma que Freud considerou que seria viável a cura legítima da histeria quando se desvelasse por inteiro a cena traumática etiológica de um caso – dessa forma, todos os sintomas sumiriam para sempre. Quando não se conseguisse chegar a essa cena originária, ainda que os sintomas tivessem sido eliminados, esse desaparecimento corria o risco de ser temporário. Nessa primeira teoria do trauma freudiano, a dignidade da figura da autoridade é posta em questão, isso porque, segundo o autor, os adultos que infligiam a sedução sexual às crianças eram, na maior parte das vezes, pessoas próximas, de seu convívio, e nas quais elas confiavam e dedicavam afeto e que, mantinham com a criança uma relação amorosa regular. Muitas vezes, o próprio pai era o abusador.

Para Freud (1996), as compulsões, os sintomas, os rituais obsessivos, a conversão histérica e os delírios se caracterizavam por conter uma dimensão representativa, um sentido. Desta maneira, é por meio da decifração desses sintomas que o autor acreditava poder chegar à cura definitiva. Supor a realidade material desses abusos foi possível para Freud na família extensa, na qual o pai,

enquanto representante de um poder absoluto (o pátrio poder) exercia esse poder na esfera familiar. O pensamento de Freud, anterior à Modernidade, é que a infância não era diferenciada da vida adulta; a diferenciação que havia era apenas física, sendo a criança considerada um ser mais fraco. Assim, as crianças participavam com os adultos de qualquer evento social e assunto, inclusive os de ordem sexual. Nesse sentido, era um problema para a hipótese de estabelecimento da cultura e sua manutenção, na qual Freud acreditava que houvesse abusos sexuais praticados incestuosamente pelo próprio pai. O autor percebeu que por conta da sua experiência com as histéricas, o incesto estava inerente à cultura, e assim o articulou em sua teoria. Entretanto, essa hipótese não se sustentaria por muito tempo, mesmo porque, enquanto iluminista e crente na perspectiva de sucesso do projeto civilizatório por meio da ciência, Freud não podia acreditar tão facilmente no fracasso desse projeto. É claro que a presença do sofrimento psíquico já indicava problemas na cultura, mas o psicanalista acreditava que a ciência na qual estaria incluída a psicanálise pudesse reparar esses equívocos produzidos (BIRMAN, 2007).

Foi assim que Freud (1996) começou a questionar se a sedução sexual efetivamente acontecia no plano da realidade material ou se apenas no plano da realidade psíquica. Para Birman (2007), quando Freud se deu conta de que ocorria apenas na fantasia, ele abandona a teoria traumática das psiconeuroses. A sedução passou a ser um acontecimento ficcional, mas não uma mentira, porque o indivíduo realmente acreditava que ela havia ocorrido. Ao passar da teoria da sedução, tendo o pai como abusador, agindo conforme seus desejos e não em função da proteção dos filhos para a teoria da fantasia, Freud permite um reparo da dignidade da figura paterna. No entanto, a visão do autor acerca da autoridade muda após a Primeira Guerra Mundial, deixando de considerar a figura paterna como ente protetor da vida. Freud também constatou que um mundo civilizado era capaz de solucionar seus conflitos de maneira, terrível, cruel, bárbara. Nesse sentido, o autor aponta que a aptidão para a cultura seria composta por duas partes, uma inata e outra adquirida na vida. Segundo ele, a capacidade de aculturar-se foi superestimada, ignorando a premissa da pulsão que estaria em estado primitivo, essa tendência levou a ilusão de que os humanos eram mais civilizados do que realmente eram.

A visão Freudiana da constituição do poder na Modernidade está baseada no seu estudo sobre as pulsões. Assim, o que podemos chamar nesta compreensão de questão do poder, neste contexto, propõe uma problemática que nos leva tanto ao sujeito como à intersubjetividade e à transubjetividade. É um tema de interesse de muitas disciplinas e questão de debate habitual no conjunto social, não apenas atualmente, como desde a antiguidade. Nesse sentido, Freud se vê levado a estudar as questões sociais que envolvem a constituição do poder e que caracterizam a Modernidade, justamente porque os impasses desta também constituem o sujeito, mas não apenas ou preponderantemente. Na realidade, o sujeito é constituído entre o polo da cultura e da alteridade e o polo pulsional e narcísico, numa relação dialética permanente e inacabada. Nesse sentido, a Psicanálise foi capaz de levar em conta tanto os registros da alteridade quanto os registros do poder por meio da problemática do mal-estar do sujeito moderno.

Freud (2006) em seu texto “Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna” faz uma alusão de que as doenças nervosas ou as neuroses e as psiconeuroses seriam causadas pelo fator sexual. Nesse sentido, o ideal de cura seria alcançável pela erradicação desse mal-estar pela Psicanálise e por uma reforma política e moral. Por outro lado, identificar um mal-estar nessa época significava identificar também um fracasso da promessa de felicidade iluminista; no entanto, essa falha poderia ser corrigida por meio de uma maior liberação sexual. O problema, portanto, estava do lado da moralidade moderna que reprimia excessivamente a sexualidade.

Em seus estudos, Freud (2006) compreende que a civilização moderna teria construído suas bases na repressão da sexualidade, pois cada renúncia individual de onipotência ou agressividade se traduzia numa contribuição para o acervo cultural coletivo. Essas renúncias pulsionais seriam possibilitadas pela capacidade individual de sublimação, a qual poderia modificar o objetivo sexual da pulsão por outro não sexual, sem que, para isso, a pulsão necessitasse abdicar de grande parte de sua intensidade. Mas como essa capacidade de sublimação variava de sujeito para sujeito, aos que não fossem capazes de sublimar eficientemente suas pulsões sexuais, restaria submeter-se às doenças nervosas - que se manifestavam assustadoramente em sua época.

Para Birman (1994), o conceito de sublimação para Freud, não obstante as torções que sofreria ao longo da obra, seria uma forma de deserotização da

pulsão sexual que manteria o mesmo objeto da pulsão, mas este deixaria de ser erótico para tornar-se sublime, ou seja, um objeto valorizado pela cultura. No entanto, a obrigatoriedade imposta ao sujeito de sublimar impediria a expansão do erotismo no psiquismo, o que geraria mais mal-estar. A moral sexual moderna apenas permitia, como meta da sexualidade, a reprodução.