• Nenhum resultado encontrado

B IOBIBLIOGRAFIA E FORTUNA CRÍTICA

3.1 Aspectos biográficos

Cronologia

Henriqueta Lisboa nasceu em Lambari, no dia 15 de julho de 190151, no sul de Minas, quando a cidade ainda era conhecida como “Águas Virtuosas”. Era uma dos nove filhos de Maria Vilhena (conhecida como dona Sinhá), de prendas domésticas, autodidata, nascida em Campanha – Minas Gerais e de João de Almeida Lisboa, natural de Macaé, no Estado do Rio de Janeiro, farmacêutico que se tornou deputado federal e político de expressão na primeira república. Ambos eram de descendência espanhola e portuguesa. Constata-se que Henriqueta cresceu no seio de uma família que soube educar os seus filhos de forma integral, levando-os a prezar as artes, a ciência, a política e a religião. Suave, discreta, elegante, quase etérea, assim é lembrada por muitos amigos.

No lar e na escola o ambiente era propício ao desenvolvimento harmônico de Henriqueta e dos irmãos, que desempenhariam, na idade adulta, papéis sociais relevantes, cada um no caminho que escolhera – fosse a medicina, o

51 No início do ano de 2001, Abigail de Oliveira Carvalho, professora aposentada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), recebeu de um cartório de Lambari, no sul de Minas, uma certidão de nascimento que eliminou de vez uma dúvida gerada por um erro de registro em um outro documento. Sua ilustre tia, a poeta mineira Henriqueta Lisboa, nascera em 15 de julho de 1901 e não em 1904 como se pensara durante muito tempo.

direito, o magistério superior, a educação em geral, ou as letras. A poeta passou a infância no sul de Minas, fez o curso primário no Grupo Escolar “Dr. João Bráulio Júnior”, em Lambari, diplomando-se, mais tarde, normalista no tradicional Colégio Sion, de Campanha, onde estudou os clássicos de língua portuguesa e francesa. Nesse colégio se cultivava a leitura com grande ênfase.

Ângela Vaz Leão (2004) informa que, devido ao prestígio e ao bem-estar de que desfrutava a família Lisboa na região, a carreira política do pai, como deputado federal e depois como membro da Constituinte Mineira, levou-os a transferências: primeiro para o Rio de Janeiro, em 1924, em seguida para Belo Horizonte. No Rio de Janeiro, a poeta pode, além de usufruir das belezas naturais da cidade, sedimentar sua vida intelectual. Foi também nessa cidade que Henriqueta Lisboa conheceu e se tornou amiga da poeta chilena, Prêmio Nobel de Literatura, Gabriela Mistral.

Blanca Lobo Filho (1966) declara que a poeta descobriu o mundo da arte no Rio de Janeiro. Começou a visitar museus, galerias de arte e a frequentar concertos, bem como assistir a peças teatrais nacionais e estrangeiras.

Na capital mineira, a família fixou residência a partir de 1935, quando então Henriqueta foi nomeada inspetora federal de ensino secundário. Nessa época, ela passou a frequentar a Academia Mineira de Letras, em Belo Horizonte, onde se relacionou com conceituados escritores da época, como Olegário Mariano e Adelmar Tavares. De Belo Horizonte, Henriqueta não mais se afastaria, a não ser para breves passeios. Vale ressaltar que em 4 de julho de 1963, tornou-se Henriqueta Lisboa, assim, a primeira mulher a entrar para uma Academia de Letras em Minas Gerais.

Pela época da mudança para Belo Horizonte, a poesia de Henriqueta Lisboa já era conhecida. Seu livro de estreia, Fogo fátuo, fora publicado em 1925. Seguiu-se, em 1929, Enternecimento, com o qual obteve o prêmio Olavo Bilac da Academia Mineira de Letras, conferido em 1931. Vieram depois outras coletâneas de poemas: Velário, em 1936; Prisioneira da noite, em 1941; O menino poeta, em 1943; A face lívida, em 1945. Em 1949, publicou Flor da morte, que mereceu o Prêmio Othon Lynch Bezerra de Melo, da Academia Mineira de Letras. Em 1956, veio à luz Azul profundo; em 1959, Montanha viva –

Caraça, que foi objeto de tradução latina. Seguiram-se Além da imagem, em 1963; Belo Horizonte bem-querer, em 1972; O alvo humano, em 1973; Reverberações, em 1976; Miradouro e outros poemas, também em 1976; Celebração dos elementos: água ar fogo terra, em 1977. E finalmente, em 1982, editou o seu último livro de poemas, Pousada do ser, pelo qual obteve o “Prêmio de Poesia” do Pen Clube do Brasil.

A criação poética, faceta mais importante de toda a sua obra, surge ao lado das inúmeras traduções de grandes mestres da literatura; por exemplo, Dante Alighieri e Gabriela Mistral. Também se credita a Henriqueta a organização de uma antologia poética para a infância e juventude, publicada em 1961 pelo Instituto Nacional do Livro, com quase três centenas de poemas traduzidos, selecionados com bom gosto da obra de artistas em língua portuguesa e em outros idiomas. Pela frequência com que alguns nomes comparecem nessa antologia, feita somente de poesia alheia52, pode-se deduzir a preferência da Autora.

Dos próprios poemas publicou três antologias: Lírica, em 1958; Nova lírica, 1976; e Casa de pedra, em 1979. Também publicou, em 1968, uma antologia em prosa de caráter didático, intitulada Literatura oral para a infância e a juventude, sendo composta de lendas, contos e fábulas populares do Brasil.

A obra de Henriqueta não se limita à poesia. Compreende também alguns ensaios, como o a respeito de Alphonsus de Guimaraens, de 1945;e outras reflexões em Convívio poético, de 55; Vigília poética, de 68; e Vivência poética, de 79. Nesses livros, Henriqueta Lisboa reúne trabalhos teóricos referentes à poesia, bem como faz a análise crítica da obra de vários poetas nacionais e estrangeiros, incluindo também estudos da prosa poética de Guimarães Rosa.

Outros ensaios críticos de Henriqueta Lisboa apareceram em periódicos especializados ou em livros editados em co-autoria. O alto nível dessa obra

52 Carlos Drummond de Andrade, Ribeiro Couto, Alphonsus de Guimaraens, Augusto Frederico Schmidt, Fernando Pessoa e Gabriela Mistral são, pela ordem, seus poetas prediletos. Infere-se que a modéstia de Henriqueta a impedira de incluir poemas seus entre os de seus ídolos.

teórica explica o fato de Henriqueta ter sido convidada para ministrar aulas de literatura em nível superior, o que fez no antigo Curso de Letras Neolatinas, da Universidade Católica de Minas Gerais (atual PUC Minas), onde lecionou Literatura Brasileira e Literatura Hispano-americana e no Curso de Biblioteconomia, da Universidade Federal de Minas Gerais, onde ensinou História Geral da Literatura.

Constata-se que as tendências gerais subordinam-se às especificidades do poetar da escritora e ao refinamento de sua linguagem. A expressão simbolista, num primeiro momento é, de certa maneira, contaminada pela relativa “desordem” modernista. Por isso, os versos longos, confessionais, que ocorrem em Velário. E ainda os versos brancos predominantes, em oposição à métrica e à rima.

Na obra Prisioneira da Noite a poeta aprofunda as temáticas do amor irrealizado e os mitos da infância destruída. Verifica-se, então, a combinação do lirismo e do drama em sua obra poética. Já em O Menino Poeta (1943), o tema da infância é retomado de modo feliz, visto que é uma obra de memória e contemplação, representação do evanescente.

Dois núcleos temáticos se destacam na produção poética desta escritora, em que Eros e Thanatos lutam, dialeticamente. A presença da morte, algo que a relaciona aos simbolistas, surge como um desafio, um enigma a ser decifrado. As obras A Face Lívida (1945) e Flor da Morte (1949) são exemplos interessantes. O outro núcleo diz respeito ao relacionamento da artista com o mundo exterior, uma vez que ela exalta heróis literários, civis e religiosos. Seus versos desvelam um canto de liberdade com um tom polêmico, ao inserir interditos psicossociais, revestidos de mitos e símbolos com uma índole metafísica ou ontológica. Exemplificamos com as obras Azul Profundo (1969), Além da Imagem (1963), O Alvo Humano (1973) e Miradouro (1976).

Vale ressaltar que, no livro Além da Imagem, a poeta busca um possível paralelismo entre a evolução humana e o desenvolvimento dos três reinos ou processos naturais, para, em conclusão, “prenunciar o surgimento de um quarto reino – o do puro espírito”, como ela própria afirma na conferência Poesia: Minha Profissão de Fé inserida em Vivência Poética (1979).

Ante o exposto, é possível identificar a qualidade da produção de Henriqueta quanto à intensidade da sua obra poética e da sua crítica. Constata- se, a seu favor, o reconhecimento nacional, representado pelo “Prêmio Machado de Assis” que lhe conferiu a Academia Brasileira de Letras em 1984 pelo conjunto de sua obra. Recebeu-o por ela sua sobrinha, a escritora Ana Elisa Lisboa Gregori, em julho desse mesmo ano. Quinze meses depois, em outubro de 1985, faleceu Henriqueta Lisboa, calando-se uma das mais altas vozes da poesia de Minas e do Brasil.

3.2. Personalidade

Yeda Prates Bernis (1992), amiga e ex-aluna, apresenta Henriqueta Lisboa com afetividade; ressalta alguns valores morais de sua mestra, entre os quais destaca a grandeza de sua personalidade que contrastava com sua frágil aparência física. Assídua em sua arte de ensinar, comparecia Henriqueta às aulas carregada de textos datilografados, com inúmeras informações acerca de escritores latino-americanos, suprindo o difícil acesso à bibliografia naquela época.

Lendo os vários estudos referentes à Henriqueta Lisboa, deduz-se que ela era exemplo nítido de mineiridade, no que isto significa de melhor, ou seja, falava pouco, observava muito. Aristocrata por berço e vocação, sua poesia é perpassada pelo espírito de Minas. Seu amor à terra mineira, à sua gente e à sua história estão inscritos poeticamente em sua obra.

Outra característica é o comedimento com que sempre viveu. Em sua residência recebia a todos com simplicidade, trajava-se sem ostentação – embora elegantemente. Sabia ouvir; e preferia usar o silêncio à voz. Expressava em voz amena, buscava a sabedoria de quem viveu em profundidade e em equilíbrio, conhecendo a fugacidade de tudo e colocando o amor e a prudência como norteadores de sua fala. A serenidade era sua meta de vida e a exercitava mesmo nos momentos de maior desafio. Quando sofria, fazia-o em silêncio.

Henriqueta sempre demonstrou exercitar o autodomínio, a meticulosidade, a ordem e o espírito disciplinado; foi uma cristã devotada. Ligava-se também aos aspectos do cotidiano: gostava de Chico Buarque, torcia pelo Cruzeiro Sport Clube e admirava homens bonitos.

Maledicências ou conversas frívolas jamais as admitia. Era discreta em relação a algum escândalo, qualquer que fosse o acontecimento nele envolvido. Era fiel às suas amizades, não permitindo qualquer censura a quem quer que fosse, mesmo que merecidas.

Yeda Prates Bernis ressalta que Henriqueta

Era apaixonada pela poesia. Tinha respeito pelos poetas, mesmo aqueles ingênuos ou iniciantes. É que via neles o desejo de reverenciar a arte que foi o leitmotiv de sua vida. Também a literatura infantil foi alvo de seu desvelo, tanto no trabalho pessoal como no incentivo aos escritores deste ofício. E deixava claro que esta literatura deve conter, sempre que possível, a poesia e a linguagem depuradas, reivindicando para a criança a capacidade de apreensão da beleza. Assim, incentivou escritores infanto-juvenis, como é o caso de Bartolomeu Campos Queiroz, a construir textos poéticos de alto nível literário, instigando a sensibilidade e a inteligência da criança (1992:13).

Bernis informa, ainda, que a poeta era tímida, temia assaltos. Seu temor tinha justificativa. Nos últimos anos de sua vida, Henriqueta pouco saía de casa, uma vez que acompanhava as notícias violentas por meio dos jornais e da televisão. Assistia, com entusiasmo, a algumas novelas, quando estas mereciam sua aprovação crítica.

Henriqueta tinha consciência de que sua obra não era acessível ao grande público, mas não fazia concessões nesse sentido. Buscando e enaltecendo a qualidade em vez da popularidade, afirmava preferir ser compreendida por poucos, a ter que simplificar o conteúdo de suas emoções53.

A poeta manteve de 1940 a 1945 uma intensa correspondência com Mário de Andrade, cujas cartas foram reunidas pela editora José Olympio, em 1990, no livro “Querida Henriqueta”. Amigo da escritora mineira e frequentador do

53 Esta afirmativa encontra-se na obra Presença de Henriqueta, organizada por CARVALHO, SOUZA e MIRANDA.

apartamento da Rua Pernambuco, no horário entre 3 e 6 da tarde, o escritor José Moreira Afrânio Duarte (1996) em Henriqueta Lisboa – Poesia Plena lembra que havia um “afeto profundo, mas platônico” entre Henriqueta e Mário de Andrade. E observa que, por um desses desígnios da poesia – ou do amor – ela não se casou nem teve filhos. Faleceu no dia 9 de outubro de 1985, data de aniversário do grande amigo Mário de Andrade.