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2 REFLEXÕES CONCEITUAIS

2.2 Tempo vs Espaço

O tempo costuma ser definido como a sucessão dos anos, dos dias, das horas e minutos que envolve, para o homem, a noção de presente, passado e futuro. Momento ou ocasião apropriada para que uma coisa se realize, simboliza um limite na duração do ser humano na terra. Por definição, o tempo humano é finito e o tempo divino infinito ou, melhor ainda, é a negação do tempo, o ilimitado. A unidade de medida do tempo humano é o século; a do tempo divino, a eternidade. Não há entre eles nenhuma medida comum possível. Santo Agostinho afirmou que o tempo é a imagem móvel da imóvel eternidade 49

De conformidade com os estudos de Gilbert Durand50, ao analisar a imaginação, ela aparece, na maior parte das vezes, no seu próprio movimento, como resultado de um acordo entre os desejos do ambiente social e natural, configurando-se como origem de uma libertação. Dessa feita, a arquetipologia antropológica esforça-se por distinguir, por meio de todas as manifestações humanas da imaginação, os conjuntos, as constelações em que as imagens vêm convergir em torno de núcleos organizadores.

Tais núcleos constituem os regimes diurno e noturno da imagem, nos quais o tempo é tema preponderante.

2.2.1 O regime diurno da imagem

Este regime é definido como o trajeto representativo que implica os reflexos posturais, bem como a argumentação de uma lógica da antítese e do

49 Essa afirmação foi extraída de CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain in Dicionário de símbolos. Tradução de Vera da Costa e Silva. Rio de Janeiro, José Olympio, 1995, p.876.

50 Gilbert Durand foi professor de Antropologia Cultural e de Sociologia na Universidade de Grenoble, na França; junto com Léon Cellier e Paul Deschamps, fundou o Centro de Pesquisas sobre o Imaginário na década de 1960. A sua principal tese encontra-se na obra As estruturas

“fugir daqui” platônico. Assim, a tendência do homem em se manter ereto vai-se configurar em esquemas ascensionais na busca da elevação, do cume, da luz, em oposição à queda que remete às trevas, à escuridão.

Em termos gerais, as constelações imagéticas que representam esse regime são luz vs trevas, ar vs miasma, arma heroica vs laço, batismo vs mancha, cume vs abismo, céu vs inferno, chefe vs inferior, herói vs monstro, anjo vs animal, asa vs réptil, puro vs sujo, claro vs escuro, alto vs baixo. E os esquemas verbais são separar vs misturar, subir vs cair.

Há, nesse regime, um tema preponderante que é o medo diante da fuga do tempo, simbolizado pela mudança e pelo ruído, nos quais os símbolos teriomórficos, nictomórficos e catamórficos estão estruturados. Em oposição aos três símbolos mencionados, configuram-se os símbolos ascensionais, espetaculares e diairéticos. Esses temas não só se constituem os homólogos antitéticos das faces do tempo, como também estabelecem uma estrutura profunda da consciência, esboço de uma atitude metafísica e moral.

Assim, podemos esquematizar:

REGIME DIURNO DA IMAGEM

medo diante da fuga do tempo evidenciado pelos símbolos teriomórficos

TAMBÉM PELOS SÍMBOLOS

ascensionais

nictomórficos espetaculares

catamórficos diairéticos

Símbolos teriomórficos

Os símbolos teriomórficos dizem respeito às imagens de animais, representações comuns desde a infância. A representação imagética dos animais procura estabelecer primeiro o sentido do abstrato espontâneo que o arquétipo animal representa em geral. Assim, algumas de suas características são sobredeterminadas e não se ligam diretamente à animalidade, o que faz associar, por exemplo, o voo do pássaro com a flecha.

Símbolos nictomórficos

Os símbolos nictomórficos evidenciam toda a angústia humana perante a passagem do temporal. As trevas são associadas ao caos e ao ranger de dentes. As trevas noturnas constituem o primeiro símbolo do tempo. O simbolismo da noite (mesmo no regime diurno da imagem) liga-se ao simbolismo do animal, devido ao fato de a noite recolher em sua substância “maléfica” todas as valorizações negativas precedentes.

Símbolos catamórficos

Quanto aos símbolos catamórficos, estes residem nas imagens dinâmicas da queda. A imagem da queda é reforçada desde a primeira infância pela prova da gravidade que a criança experimenta quando da aprendizagem penosa do andar. Ela poderá vir a ser a experiência dolorosa fundamental que constitua para a consciência a componente dinâmica de qualquer representação do movimento e da temporalidade.

A queda resume e condensa os aspectos temíveis do tempo, dá-nos a conhecer o tempo que fulmina. Ela é simbolizada pela carne quer seja digestiva ou sexual, unificadas pelo grande tabu do sangue. Há um deslize especulativo para o moral. A carne, essa parte animal que vive em nós, conduz sempre à meditação do tempo.

Em oposição aos três símbolos mencionados, relativos ao regime diurno da imagem, ainda segundo Durand, configuram-se os símbolos ascensionais, espetaculares e diairéticos.

Símbolos ascensionais

Os símbolos ascensionais marcam a preocupação fundamental da simbolização verticalizante ascendente, acima de tudo assemelhando-se à escada levantada contra o tempo e a morte. A ascensão repousa no contraponto negativo da queda. Assim, as imagens que gravitam nesses símbolos são as

morais, que reforçam o sentido de retidão, elevação e todas que remetem à verticalidade, tais como a asa, a águia, a pomba, a flecha, a cabeça e o anjo.

Símbolos espetaculares

Já os símbolos espetaculares, em complementação ao isomorfismo ascensional, ligam-se diretamente ao que conduz o ser humano a tudo que remete à luz. Desse modo, as cores frias como o azul, o branco e, em algumas acepções, o dourado remetem-nos à figura solar que significa, antes de tudo, luz suprema.

Símbolos diairéticos

Estes remetem ao aspecto dialético da transcendência, em que a intenção profunda que os guia é a polêmica que os põe em confronto com os seus contrários. Assim, a luz tem tendência de se tornar raio ou gládio, e a ascensão pode espezinhar um adversário vencido. Esses símbolos envolvem ainda os rituais de purificação em que o herói, na busca da transcendência, purifica-se pelo batismo na água ou no fogo e pelo corte de lâmina.

Todos os símbolos anteriormente mencionados integram o regime diurno da imagem. A seguir, apresentamos os símbolos que fazem parte do regime noturno.

2.2.2 O regime noturno da imagem

Ao contrário do regime diurno, o noturno não antagoniza com o tempo, mas, sim, procura conciliar-se com ele. O regime noturno da imagem está constantemente sob o signo da conversão e do eufemismo. Em torno desse regime gravitam os símbolos que remetem a imagens de inversão, de intimidade, bem como aos símbolos cíclicos.

Em termos gerais, as constelações imagéticas que representam esse regime são o fogo (a chama já não queima, mas ilumina), o microcosmo, a criança, a cor (clara, suave, amenizadora), a noite (que já não provoca medo,

mas que traz a lua, benfazeja), a mãe, o recipiente, a moradia, o centro, a flor, a mulher, o alimento, a substância. E os esquemas verbais associados ao regime noturno são amadurecer, progredir, voltar, enumerar, descer, possuir, penetrar.

A noite que, ao contrário da simbologia do regime anterior, é símbolo do inconsciente; permite às recordações perdidas subir ao coração, semelhante às névoas noturnas. A noite introduz uma valorização positiva do luto e do túmulo. O eufemismo que as cores noturnas constituem em relação às trevas é similar ao da melodia em relação ao ruído. Enquanto o pensamento solar nomeia, a melodia noturna contenta-se com penetrar e dissolver.

O regime noturno da imagem compreende símbolos que podem ser distribuídos em três grupos.

Símbolos de intimidade e da inversão

Em relação aos símbolos da intimidade, a valorização da própria morte e do sepulcro é invertida e sobredeterminada pelo complexo do regresso à mãe. Essa inversão permite o isomorfismo sepulcro = berço. A terra torna-se o berço mágico e benfazejo porque é o lugar do último repouso. O sepulcro e o ventre materno são dois marcos da representação que agregam ainda o simbolismo da gruta como matriz universal que se apresenta aos grandes símbolos da maturação e da intimidade tais como a crisálida, a casa, a caverna, a floresta.

Símbolos cíclicos

Os símbolos cíclicos giram em torno da procura e da descoberta de um fator de constância no próprio seio da fluidez temporal e esforçam-se por sintetizar as aspirações da transcendência ao além e as intuições imanentes do devir. Desse modo, a lua aparece como a primeira medida do tempo; é o arquétipo da mensuração, pois ela sugere sempre um processo de repetição. O simbolismo lunar liga-se à obsessão do tempo e da morte. A lição dialética do

simbolismo lunar é sintética, uma vez que a lua é ao mesmo tempo morte e renovação, obscuridade e clareza, promessa através e pelas trevas.

Com relação ao tempo, consideramos suficientes as concepções apontadas. Com respeito ao espaço, devemos considerar que ele se liga a uma área ou volume entre limites determinados. O espaço transcendente tem dimensão indefinida. Segundo Houaiss, diz respeito à extensão ideal, sem limites, que comporta todas as extensões finitas e todos os corpos existentes ou possíveis. Pode ser considerado também um período ou intervalo de tempo; campo abrangido idealmente por determinada área de conhecimento e fazeres humanos. O filósofo francês Gaston Bachelard (1884-1962) em sua obra A Poética do Espaço, ao proceder a uma específica análise de espaços e lugares, cria uma reflexão singular a que denomina “Poética do Espaço”. É nesse caminho que seguiremos.Este autor revela a intenção de dar à palavra a missão de elevar o objeto de sua análise, os lugares e os espaços, em nível poético do devaneio. Bachelard mostra que há poesia nos principais espaços prediletos do homem: casa, sótão, porão, gaveta, cofre, armário, ninho, concha e miniaturas. Ele tem a capacidade de mostrar- nos a fenomenologia do homem e sua relação com o mundo por meio de análises de textos que revelam que há poesia dentro do homem e ao seu redor.

A imaginação, faculdade humana por vezes esquecida, é capaz de fazer nascer, renascer e criar novos modos de vida e de interioridade, concedendo às coisas o lastro humano que elas não ostentam quando ficam pensando em sua material solidão. Há poesia nos principais espaços preferidos pelo homem. Há poesia dentro do homem e à sua volta. Poesia profunda de sentido metafísico e psicológico. Poesia que pode e deve ser partilhada pelos seres humanos atentos, sensíveis, imaginativos e abertos ao devaneio.

O ser humano, em sua experiência cotidiana, conhece a materialidade e a resistência do solo em que pisa. É capaz de sentir a fluidez do ar que respira em um determinado ambiente. Identifica, também, os muros da casa que habita. Na condição de ser inteligente, escolhe e frequenta espaços para habitar, se divertir. Por meio de sua sensibilidade e interesses, busca, viaja, conquista os espaços. Em muitas ocasiões, compra espaços. Neste sentido, o espaço é como uma

vertente de seu movimento. Nasce e cresce nele o desejo e a volúpia de ter e de possuir espaços.

Transparece na filosofia de Bachelard a evidência de que o homem solitário pode descobrir a qualquer momento a voz do acolhimento em espaços próximos, assim como o sentido da vida em símbolos que ele manipula no dia a dia, uma vez que a poeticidade, o devaneio e o cogito do sonhador elevam a consciência e a alegria do viver.