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B IOBIBLIOGRAFIA E FORTUNA CRÍTICA

4. A PERCEPÇÃO TRANSCENDENTE NA LÍRICA HENRIQUETIANA

4.3. Os grandes temas relacionados à transcendência

Em seu poetar, Henriqueta elegeu e explorou, de forma magistral, temas que se ligam ao aspecto transcendente. São, entre eles, a natureza, os sentimentos, a religiosidade, a morte e a transcendência. Todos eles se

manifestam por uma cosmovisão que procura sondar, inquirir, suscitar, decifrar, no âmago do leitor, os sentidos da existência humana. Para tanto, o repertório lexical utilizado pela Artista é rico e multifacetado. As figuras de linguagem estão presentes e lançam luzes nas construções poemáticas.

Lisboa desvela o lugar e o sentido da mediação imaginativa72; descobre que a imaginação humana é mais do que simples mediação; é intuição estética (segundo Schelling), via de acesso às teofanias, anjo do conhecimento e da revelação que torna possível à alma humana o acesso vertical.

4.3.1. Natureza

Desde o Romantismo, a natureza, não só como sistema simbólico totalizante, mas também com a manifestação sígnica de seus elementos, tem sido apresentada na Literatura Brasileira como relacionada à paisagem tropical: muito sol, verde denso, intensa luminosidade, profusão de cores.

Todavia, os elementos da paisagem exterior, desde o Simbolismo, passam a ser admirados e sublimizados, de forma não tão alegre, pelo olhar do poeta. Com o Modernismo, então, a estética laudatória dá lugar a uma análise crítica, permeada de subjetividade, com resquícios de melancolia. Isso ocorre, também e insistentemente, na poética de Henriqueta Lisboa73.

Na Lírica, a natureza está intimamente relacionada a Deus. Ela é dual como o homem, pois revela seu lado de luz e sombra. É personificada e está representada por várias sinestesias e relacionada a aspectos transcendentes, como nos versos: (Natureza, teu equilíbrio / simples, em plano extraordinário / está nas mãos da Providência: / o corpo e o espírito vivem / como os esteios da balança / de uma compensação de forças). Nessa natureza estão presentes

72 É oportuno assinalar que utilizamos as informações de Durand(1997), Bachelard(1993, 1997, 1988)e de Chevalier & Gheerbrant (1995) nas análises poemáticas.

73 Para a análise dos elementos relativos à natureza, presentes nos poemas de Henriqueta Lisboa, constituímos um quadro composto de três colunas. Na primeira coluna aparecem os elementos dos paradigmas da natureza e o número de ocorrência daquele verbete na lírica. Na segunda, sob o título de exemplos, algumas daquelas ocorrências, e, na terceira coluna, a codificação do título dos poemas, de onde foram retirados os fragmentos. Confira o quadro mencionado e os demais na seção de anexos.

elementos não-humanos – sol, lua, noite, mar, rio, seiva, árvore, bosque, flor, chuva, animais – e também os humanos: criança, filho, mãe, pai, irmão.

Na Lírica, o sol (símbolo maior do regime diurno) é uma manifestação da divindade. É fonte de luz, do calor, da vida, percebidas a partir de sinestesias tátil e visual. Seus raios representam as influências celestes, recebidas pela terra; é, também, a luz que manifesta as coisas; corresponde à dimensão do espaço e à dimensão extracósmica por, situado acima da matéria, possibilitar que os seres naturais se manifestem à consciência humana. Simboliza ressurreição e imortalidade, havendo uma identificação entre a árvore da vida e o raio solar. Isso se pode notar em Ao sol que a chuva de ouro espalha / pela terra fragrante, em doidos / galeios de luz e de cor, / as crianças brincam no jardim. Também nos fragmentos Na sua faina de artista / o sol com pincéis de espiga / é o próprio dom do amarelo destaca-se a luminosidade e a cor que vêm do alto metafisicamente.

Os vocábulos lua/luar sublinham a passagem da vida à morte e da morte à vida. Em A alma é um parque sob o luar, reforça-se a existência da alma, conforme Aristóteles já mencionara: há um espaço onde as almas se encontram. E ainda, é possível constatar a dimensão da alma, sua grandeza a partir da ideia implícita de que a alma associada ao parque, espaço do lúdico, onde brincamos e nos expandimos, é o lugar da leveza. Em oposição, o corpo revela-se como o peso, o cárcere, em consonância com Sócrates e Platão. Os excertos exemplificam passagem do começo e do fim da trajetória humana: A lua sem anjo ou demônio, / alheia aos mares que descobre / no caminho da solidão / para lá da vida e da morte. Outros versos dão conta das reflexões do eu lírico, de seu estado de espírito melancólico ante a beleza do astro. É oportuno ressaltar que a lua, em contraparte do sol, é o símbolo maior do regime noturno; ela é fonte de fecundidade. Liga-se às águas primordiais de onde procede a manifestação divina. É o receptáculo dos germes do renascimento cíclico, a taça que contém a bebida da imortalidade: Eu quero a paz, a grande paz / da lua sozinha no céu. Henriqueta Lisboa associa a fria luminosidade lunar com o sentimento humano: aos poucos, uma lua triste / levantava sobre a colina / por

entre pontilhadas jóias / pendentes, prestes a cair / em gotas, como as nossas lágrimas.

O vocábulo “noite,” numericamente de maior recorrência no quadro anexo, ao lado de “luar”, ocorre na maior parte dos poemas de Henriqueta Lisboa com uma conotação de tristeza, de melancolia, de escuridão Eu sou a prisioneira da noite. Em vários poemas, surge acompanhado do verbete luar. O eu poético revela-se prisioneiro noturno e sofre ao exprimir o seu desalento. / A noite envolveu-me nos seus liames, nos seus musgos, / quero fugir dos braços da noite e estou perdida. Confirma-se a predominância de imagens do regime diurno, porque a noite nessa circunstância provoca medo, ansiedade.

Poucos são os versos que revelam a noite com acepção positiva, de conforto, de suavidade, de bálsamo. Fico a esperar-te a toda hora, / como a noite espera a aurora, mergulhada em seu carinho. Ou ainda A noite, suave como um bálsamo dormente... / Tênue perfume de magnólia ungindo o ambiente...

Sabe-se que a noite simboliza o tempo das gestações, das germinações, das conspirações, que vão desabrochar em pleno dia como manifestação de vida. Mas entrar na noite é voltar ao indeterminado, onde se misturam os pesadelos, os medos e as ideias negras. Dentro da noite violenta e negra, / cheia de gritos abafados, / há um navio – esqueleto branco ressurgido do ossário. A noite, imagem do inconsciente, apresenta um duplo aspecto: o das trevas onde fermenta o vir a ser, e o da preparação do dia, de onde brotará a luz da vida: Depois de cada noite amarga / sempre aguardastes o milagre / sem saber que milagre – com a infinita paciência / de quem sempre viveu à espera. Como obscuridade, a noite convém à purificação do intelecto; enquanto vazio e despojamento, diz respeito à purificação da memória; e aridez e secura, à purificação dos desejos e afetos sensíveis, até mesmo das aspirações mais elevadas. É o que se pode constatar em A noite é escura, a noite é escura. / A noite escura os olhos cega, / os pés resvalam – que miséria! Nos versos de Lisboa ficam evidenciados os simbolismos da noite em ambos os regimes da imagem. Porém, a poeta confia que a noite trará o abrandamento de seus temores, o que se constata em A alma se alonga para o fim / já sem desejos e

sem ânsia / como um fantasma em noite aziaga. E a minha alma esmoreceu ao luar dessa noite, / ilha branca da paz, num sonho acordado...

O mar, representando a dinâmica da vida e também um estado transitório entre as possibilidades ainda informes e as realidades configuradas do ser, reveste-se de uma situação de ambivalência, que é a de incerteza, de dúvida, de indecisão. Para o eu lírico, em algumas circunstâncias, a metáfora marítima é sinônimo de alegria em seu viver Sonhei com o mar. / Olhei o mar. / Aproximei- me do mar. / Fui para o mar. / Amei o mar. Contudo, em muitas outras, é símbolo de desencontros, de dor, de esquecimento, de descaminhos; revela-se bravio, beira abismos e aponta a ânsia transcendente, como nos versos Do mar escuso da morte / para moradas mais livres.

Com referência à linguagem figurada em torno do rio e do fluir de suas águas nos versos henriquetianos, constata-se ao mesmo tempo, a temática da possibilidade universal e da fluidez das formas, da morte e da renovação. Com o uso de personificação e de símile, Lisboa reforça tais ideias. Aproxima-se da teoria de Heráclito, quando ele declara Aqueles que entram nos mesmos rios recebem a corrente de muitas e muitas águas, e as almas exalam-se das substâncias úmidas e do pensamento de Platão, para quem, de modo mais sucinto, dizia que não conseguiríamos entrar duas vezes no mesmo rio, pois suas águas são diferentes.

Simbolicamente, Henriqueta sabe que penetrar ou mergulhar em um rio, significa, para a alma, entrar em um corpo. O corpo tem uma existência precária, escoa-se como a água, e cada alma possui seu corpo particular – a parte efêmera de sua existência – seu rio próprio. Eis a ideia que o fragmento reforça: O rio flui desconhecendo o cadáver de suas próprias águas mortas. Mas, nem sempre essas águas correm livremente abençoando a terra: os ventos gemeram, uivaram, soluçaram, abraçados ao tronco das árvores / os campos foram devastados pela seca, / os campos reverdeceram alagados pelo suor da humana esperança.

São as águas doces dos rios que vão germinar a árvore, representação da vida, em perpétua evolução e em ascensão para o céu. Ela carrega todo

simbolismo da verticalidade, todavia reforça o aspecto cíclico da evolução cósmica: morte e regeneração.

A árvore, universalmente considerada também como símbolo das relações que se estabelecem entre a terra e o céu, aparece na poética de Lisboa destacada com a conotação positiva: Árvore, teu fastígio: / Essa beleza gesto transcendente / acima do horizonte pela graça / de atar e desatar as longas tranças. / Essa beleza vinda de teu cerne, / o róseo cerne a veios trabalhado: / seiva de amor em prometida carne. / Árvore, teu mistério a surpreender.

Conjunto harmônico de elementos arbóreos, naturais, na lírica de Lisboa, o bosque se presentifica ora como metáfora de alegria, revelada por meio da dança das folhas e pelos homens ou pelos animais em torno de seu tronco, ora como personificação, dubitação, mistério, suspense a instigar o homem a decifrar os enigmas e segredos que ele oculta: Dancem / com inocência de borboletas / à entrada do bosque. / E ouve o segredo desses bosques / em que se calaram os ventos. E ainda (O bosque, o antigo bosque / cerrado está na sombra de si mesmo / com seus acúleos entre liames).

Relacionada ao reino vegetal, seu licor da vida, sua própria essência, a seiva da planta simboliza o despojamento do invólucro do corpo, da liberação, do surgimento do self fora de sua casa. Análoga à importância do sangue que transporta a alma para o corpo humano, nos poemas de Lisboa, a seiva é essência vital, seja no transcurso existencial do eu poético, em seu labor literário, seja ainda, em suas constatações e dubitações. Esta essência pulsante na natureza é capaz de fecundar a terra negra, palpita às ocultas / o calor da seiva. No entanto, pode surgir como o prenúncio da catástrofe, do sofrimento e da morte. Assim, a seiva ao nutrir os seres vivos e em especial, o homem, faz eclodir neste último o desejo transcendente: Entretanto algures latente / a essência da água permanece: / no tecido humano se instala / à seiva das plantas preside / dá de beber aos seres vivos / à transcendência se dispõe. Esta simbologia também está presente na homenagem que a poeta faz ao amigo Mário de Andrade Poesia com a seiva dos trópicos / e a dolência da imensidade.

Representação do amor e da harmonia que caracterizam a natureza primordial, em muitos poemas de Henriqueta Lisboa, a flor identifica-se à

infância e, de certo modo, ao do estado edênico. Revela-se, em algumas circunstâncias, como saudade; em outras, qual profilaxia catártica. Vale ressaltar que a flor também representa, muitas vezes, a alma dos mortos. É o que se nota nos versos: Vida frágil / corpo de haste / alma de flor / se esfolhou... E também nos excertos Por milagre, a flor mais suave, / não a colheram os ventos. / Ficou na haste toda a noite, / trêmula e alta sob a chuva.

A chuva, universalmente considerada o símbolo das influências celestes recebidas pela terra, é o agente fecundador do solo. Na Lírica henriquetiana, o vocábulo chuva algumas vezes aparece com a conotação mencionada e, em outras, ocorre com a acepção metafórica de pranto, sofrimento Chuva torrencial / carregada de frutos. / Chuva exausta / de longos braços / pendentes. Chuva nos campos da fatalidade / entregando bandeiras. / Chuva, plenitude amarga / de derrota. Evidencia-se nesses versos o aspecto destruidor, desolador da chuva. O mesmo sentimento aparece abrandado em Poças d’água, muita chuva, / rios, lagos, noites úmidas. / Bosques escorrendo orvalho, / frias auroras molhadas. / Cachoeiras vivas do pranto / pelas escarpas rolando. E ainda Sabe que o vento acaricia as plantas / e através do solo desliza a chuva / e as raízes secretamente se unem / para que as flores acordem pela manhã. O lirismo de Henriqueta, todavia surge com dubitação com vistas à transcendência: Lá fora – ao sol, à chuva, ao frio – / rastejarei à flor do chão? / Estarei no ar em clorofila?...

Os animais que, em sua qualidade de arquétipo, representam as camadas profundas do inconsciente e do instinto, nos poemas henriquetianos os animais estão relacionados à religiosidade e à transcendência: Entre os animais, destacam-se os que usam o espaço celeste para viverem: a águia, rainha das aves, conotando encarnação surge como mensageira da mais alta divindade e do fogo celeste – o sol, que só ela ousa fixar sem queimar os olhos. Aparece relacionada ao homem com força, liberdade, mas que se vê tragado pelo infinito. Os fragmentos a seguir, ilustram: Quem asas de águia nos ombros, que rapinas / nos frágeis membros de homem, compusera / a graça contra o cosmos? Vale recordar que os animais compõem os símbolos teriomórficos no regime diurno da imagem.

A pomba, em consonância com os estudos de Durand(1997), na Lírica de Henriqueta Lisboa é símbolo de pureza, de simplicidade e está relacionada ao Espírito Santo. Ela representa ainda a sublimação do instinto e, especificamente, do amor: uma ave eminentemente sociável, com valorização positiva do seu simbolismo: São as asas / do anjo cerradas pela paz. É a pomba / que em palma oferecida pousa.

Passando para a leitura da natureza humana, no grande conjunto dos elementos naturais, os poemas na obra de Lisboa enfatizam as relações familiares e seu cotidiano: a infância, enquanto promessa de alegria, esperança, mas também de medo; os momentos sublimes da maternidade e da paternidade seguidos de dor, de sofrimento pela doença e morte de seus rebentos; e ainda o luto pela ausência do pai e/ou da mãe de família arrebatados pela morte.

Na obra Azul Profundo a poeta explora alguns temas que nos remetem a uma multiplicidade imagética, bem como à sua aguçada compaixão diante das diferenças e anomalias que o ser humano carrega. Pelos títulos apreende-se a preocupação solidária para com os semelhantes: Do Idiota, Do Mutilado, Do Cego, Do Surdo. A sensibilidade de Henriqueta – perante as questões sociais e, sobretudo, no tocante às diferenças humanas, em especial, as deficiências – possibilita ao leitor a reflexão a respeito de que as limitações físicas não devem coincidir com as deficiências psíquicas na forma de olhar o outro.

Cada ser humano deve valorizar as suas potencialidades e perceber as diferenças com respeito, naturalidade e espírito de humanidade. É o que se constata nos excertos: As mãos ignoram que profundas / garras possui a carícia. Como pesaria uma pluma / sobre o espírito! E ainda Quando alta noite insone / pensas na parte de ti mesmo / que a teu corpo já não pertence / – perna que jaz apodrecida / do outro lado do oceano... Ela procura desvelar os sentidos da trajetória humana, seus enigmas, percalços e desafios; revela ao leitor sua cosmovisão acerca das relações que o homem tece em sua existência.

Outros versos mencionam, também, os laços fraternos de um Irmão Maior que iluminou a trajetória dos que o cercaram e que continuará a fazer nos que n’Ele creem. Segundo o eu lírico, dentro do tempo e do espaço e além da vida, nota-se a presença suave dessa fraternidade, em que uma vez mais a

religiosidade e a transcendência se fazem presentes: Eu te saúdo Irmão Maior / pelo que tens sido e serás / dentro do tempo espaço afora / e além da vida: luminar / homem simples da terra / aprisionado no íntimo / para libertador de pássaros / e agenciador de símbolos.

Por fim, é constante o sentimento de religiosidade nos poemas de Henriqueta Lisboa: Nossa Senhora Mãe dos Homens, / a tua igreja está de pé. / a todos vos amo / com esse infinito amor com que o pai nos amou. Que poder obscuro / governa teu povo, ó Deus?

Para fechar estas considerações sobre a natureza humana, vale recordar o poema Alma: Etéreo véu diáfano e solto para a levitação do corpo 4.3.2 Sentimentos dominantes

O ser humano, desde os primórdios de sua passagem pelo planeta Terra até os dias atuais, sempre revelou aptidão para sentir, disposição para se comover, se impressionar, perceber e apreciar algo. Ao longo de sua evolução foi desenvolvendo a sensibilidade, a consciência para atitude mental ou moral, caracterizada por afeição, bem como um estado ou condição psicológica e suas manifestações, originadas das pulsões de afeto ou aversão.

A literatura, enquanto arte da palavra, e a poesia, expressão de uma mundividência, são campos fecundos para a materialização dos sentimentos. As diversas obras dos períodos literários têm confirmado tais afirmativas. Na poética de Henriqueta Lisboa os sentimentos são variados e estão relacionados aos da maioria dos poetas nacionais e universais. Ler os sentimentos é evidenciar para, da forma, extrair a substância dos poemas.

O verbete sentimento(s) na poesia de Henriqueta está associado à névoa, à lágrima, à tristeza Sereno da madrugada / espiando pela neblina. / Uma lágrima entre lágrimas / rompendo através dos cílios. Em outros versos, liga-se à ausência de manifestação emocional: frieza, indiferença, apatia Para os outros

encontro frases suaves, / tons em surdina de violino ao luar. / Para ti tenho apenas ritmos graves, / plangências rudes, a increpar / no mesmo entono bárbaro do mar.

Entre os sentimentos mais frequentes está a esperança (e o verbo cognato) conotando a força-motriz que impulsiona a existência do eu poético, seja no aguardo carinhoso e constante do ser amado, seja na ânsia de libertação dos seus temores e das suas dores noturnas, comparadas às das mães em aflição. Por outro lado, desvelam, uma vez mais, a certeza de outras paragens, de outras caminhadas em que há de alcançar a felicidade almejada: Névoa do alvorecer, perspectiva de viagem / para um lindo país todo azul, todo vago, / onde a felicidade nos espera...

Assim, a busca pela elevação surge qual um símbolo ascensional que aponta para a transcendência. O eu lírico aspira a elevar-se por meio da autoiluminação. Há fortes indícios de religiosidade nesse propósito. Destacam- se, ainda, as personificações que corroboram para a ênfase dos verbetes. Ilustramos com os versos: Quero nas plagas anônimas / deixar marca de meus joelhos, / para subir ao Tabor. / Quero acender minha lâmpada / nas profundezas da terra, / para os céus iluminar.

É de adoração o sentimento demonstrado pelo eu poético diante do ser amado: dedicação, total entrega, afinidade, submissão. É o que os fragmentos revelam: Mas haverá em todo o meu ser / tanto abandono, / tanta adoração nos meus olhos, / tanta afinidade da minha atitude com o teu ambiente, / que sentirás meu coração bater / dentro de tuas mãos.

Algumas vezes o eu lírico constata que as promessas de prazer, de felicidade se mostraram decepcionantes, dolorosas e efêmeras. Mesmo assim, está consciente de que a ilusão insiste e implora um rastro seu, a fim de prosseguir vivendo: Essa ilusão que persiste / e que a si própria se basta / sem matéria, sem futuro.

A procura da felicidade para Henriqueta Lisboa apresenta variadas facetas: no ato de ser amada, nos momentos efêmeros, na calmaria, no perdão aos infelizes, na certeza serena da chegada da morte e na transcendência simbolizada na perspectiva de viagem para um país todo azul. Os versos

confirmam tais afirmativas: Eu sou feliz, Senhor, neste momento, / como nunca imaginei ser feliz na vida. / Cessaram todas as minhas lutas. / Desapareceram aqueles gritos da distância à noite.

No entanto, a saudade é percebida como um sentimento melancólico, devido ao afastamento de uma pessoa, que a morte arrebatou. Tal sentimento cresce, e a lembrança do ente querido parece se materializar, pois o eu lírico