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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3 Desenvolvimento Rural Sustentável e Agricultura

2.3.1 Aspectos conceituais do desenvolvimento rural sustentável

SUSTENTÁVEL

O Desenvolvimento Rural Sustentável (DRS) é tributário do conceito de Desenvolvimento Sustentável (DS), conceito este surgido a partir da compreensão humana acerca dos efeitos nocivos de suas ações ao meio ambiente, especialmente

no que tange aos impactos provocados pelas atividades produtivas, associada a uma reavaliação da noção do desenvolvimento predominantemente ligada à ideia de crescimento. Freitas (2012) destaca uma série de acontecimentos que ao logo da história serviram de insights para a construção conceitual do DS, entre eles a obra de Pigou “Economia do Bem Estar” (Economics of Welfare), publicada em 1920; o livro “Primavera Silenciosa” (Silent Spring) de Rachel Carson publicada em 1962; a Conferência da Biosfera e a fundação do Clube de Roma em 1968; a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente em 1972; além da publicação de Brown “Construindo uma Sociedade Sustentável” (Building a Sustainable Society) em 1982.

Notadamente, todos esses eventos marcaram a construção do que posteriormente veio a se denominar desenvolvimento sustentável. No entanto, foi apenas no Relatório Brundtland (Commom Future), resultado da Comissão Mundial Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada em 1987, que o termo foi efetivamente estabelecido e a partir dele popularizado como aquele desenvolvimento que atende as necessidades das gerações presentes sem comprometer a possibilidade das gerações atenderem suas próprias necessidades (CMMAD, 1987). Sob a égide do conceito construído no Relatório Brundtland o desenvolvimento sustentável é ainda um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as necessidades atuais e futuras; um desenvolvimento que mantém as opções futuras; uma correção, uma retomada do crescimento, alterando a qualidade do desenvolvimento; menos intensivo em matéria- prima e mais equitativo em seu impacto.

Entretanto, a incorporação definitiva do DS como princípio parece ter ocorrido apenas durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Cúpula da Terra de 1992 (Eco-92), no Rio de Janeiro, momento no qual o tripé ambiental, social e econômico foi aceito e formalizado, passando a compor a base da Agenda 21. Nessa conferência foi apresentado o documento Apelo dos Cientistas do Mundo à Humanidade, produzido por 1.600 cientistas, dentre os quais havia 102 ganhadores do Prêmio Nobel de 70 países, alertando de forma contundente acerca dos limites de suporte do ambiente natural.

Os seres humanos e o mundo natural seguem uma trajetória de colisão. As atividades humanas desprezam violentamente e, às vezes, de forma irreversível o meio ambiente e os recursos vitais. Urgem mudanças

fundamentais se quisermos evitar a colisão a que o atual rumo nos conduz (LOUETTE, 2009, p. 12, tradução nossa).

Essa mensagem impregnada de pessimismo em relação aos padrões de desenvolvimento calcados no crescimento econômico traz implícita a ideia de que o desenvolvimento precisa ser repensado em bases mais amplas, focando outras dimensões que até o momento acreditava-se que seriam atendidas em decorrência do crescimento econômico. Nesse sentido, o evento supramencionado foi decisivo para a incorporação do conceito no campo político, sendo declarado como um objetivo a ser perseguido e alcançado na política nacional e internacional de desenvolvimento e ambiente.

Na visão de Sachs (2004) para abordar o desenvolvimento sustentável é necessário, previamente, definir o substantivo “desenvolvimento” para, apenas posteriormente, cuidar de adjetivá-lo como “sustentável”. O desenvolvimento não se confunde com o crescimento econômico, sendo este apenas uma condição necessária, mas não suficiente ao alcance daquele. Por outro lado, a sustentabilidade pressupõe a capacidade das sociedades humanas de se submeterem aos preceitos da prudência ecológica e fazer bom uso dos recursos naturais, devendo, obrigatoriamente, o adjetivo sustentável desdobrar-se em socialmente includente, ambientalmente sustentável e economicamente sustentado no tempo.

Perceptível se faz que uma das características essenciais do desenvolvimento sustentável é a incorporação das pessoas e suas necessidades, além da proteção do meio ambiente. Pressupõe-se, então, uma mudança de prioridades por parte da sociedade, com a incorporação de uma nova ética centrada na consecução dos interesses coletivos, e da sua estrutura de produção e consumo, como forma de inverter o quadro de degradação ambiental e miséria social por vezes resultante do crescimento econômico.

De certo, o emprego do conceito de desenvolvimento sustentável remete a uma reflexão sobre a durabilidade das atividades produtivas, à capacidade de suporte do ambiente físico enquanto fornecedor de recursos naturais e receptor dos resíduos, a consciência da sociedade sobre os problemas ambientais, a justa distribuição dos benefícios oriundos da exploração dos recursos naturais e a ética relacionada à vida de futuras gerações. Rompe-se com a ideia de que o desenvolvimento se resume à esfera econômica, sendo necessário considerá-lo em sua multidimensionalidade, o que enseja a emergência de inúmeras abordagens teóricas.

A abordagem mais tradicional e amplamente consagrada aborda a sustentabilidade sob a perspectiva de um tripé formado pelas dimensões social, ambiental e econômica. Entretanto, o desenvolvimento sustentável é ainda um conceito em construção, totalmente aberto e, portanto, passível de inúmeras abordagens distintas, tal qual seja o número de atores sociais que se dispõem a interpretá-lo. Dessa forma, referido conceito vem se aperfeiçoando ao longo do tempo e, como resultado desse processo, incorporando outras dimensões e acepções aderentes ao enfoque adotado pelo ator social que o interpreta.

Nesse sentido, uma grande corrente de pesquisadores (VEIGA et al., 2001; GRAZIANO DA SILVA, 2001a; SACHS, 2004; SEPÚLVEDA, 2005; 2008; WAQUIL et al., 2010; VEIGA, 2010) se filia a ideia de que o processo de desenvolvimento para que seja efetivamente sustentável deve contemplar uma visão local em detrimento da global, refletindo, necessariamente, os aspectos da cultura local, respeitando as potencialidades e necessidades de cada localidade, de forma a proporcionar um processo de desenvolvimento endógeno e autônomo. Como resultado, passou-se a abordar o conceito de desenvolvimento sustentável a partir da adição de dimensões outras ao modelo tradicional (tripé da sustentabilidade) como a cultural, a institucional, a política, a demográfica, a geográfica, entre outras, as quais seriam capazes de refletir as particularidades do espaço geográfico analisado.

O conceito de Desenvolvimento Rural Sustentável (DRS) surge como tributário dos princípios instituidores do DS, sobretudo no que tange ao uso racional dos recursos naturais. Isso se deve não apenas pelo fato dos recursos naturais serem um elemento fundamental de qualquer estratégia de desenvolvimento, mas porque esses recursos constituem-se num dos ativos mais importantes do meio rural. Nesse sentido, o DRS é orientado pela visão integral do desenvolvimento sustentável (multidimensional e intertemporal) no tratamento dos problemas que afetam o meio rural, tais como a deterioração dos recursos naturais, a exclusão social, o enfraquecimento das instituições, a relativização da democracia etc., estando, por essa razão, a sustentabilidade desses espaços relacionada a fatores de ordem social, cultural, econômica, ambiental, política e institucional, por exemplo.

De acordo com Sepúlveda,

(...) o desenvolvimento rural sustentável é parte do DS, mas ambos devem ver-se como aproximações complementares no tratamento de problemas como a deterioração dos recursos hídricos, a perda da biodiversidade, a

desertificação, a luta contra a pobreza e a integração de grupos sociais excluídos (mulheres, jovens, migrantes, indígenas e afrodescendentes, entre outros) (SEPÚLVEDA, 2008, p. 3, tradução nossa).

O DRS é norteado por dois enfoques principais: um no campo da economia ambiental e outro associado ao “enfoque das capacidades” de Amartya Sen. O enfoque da economia ambiental enfatiza a ineficiência e a ineficácia do mercado como principais responsáveis pela degradação dos recursos naturais, de modo que o DRS é instado a gerir apropriadamente esses recursos e, ao mesmo tempo, dar a devida importância aos aspectos participativos e distributivos do desenvolvimento, tanto entre gerações, quanto entre os distintos grupos sociais de uma mesma geração. O “enfoque de acesso a possibilidades” toma o desenvolvimento por um estado de bem- estar comum, por isso, não estando associado exclusivamente com indicadores econômicos positivos que, em última análise, são apenas um meio para alcançar um fim maior: a liberdade humana.

E o êxito de uma sociedade deve ser julgado pelas possibilidades reais que as pessoas têm para escolher o nível de vida que desejam ter, pois para o desenvolvimento é tão importante viver satisfatoriamente quanto ter o controle sobre a própria vida (SEPÚLVEDA, 2008, p. 5, tradução nossa). Todavia, como bem ressalta Sepúlveda (2008), esses enfoques remetem a muitos temas e disciplinas que se interfaceiam com o DRS, gerando inúmeros desdobramentos conceituais e metodológicos com vistas à superação dos diversos limites e desafios impostos à sua consecução.