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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3 Desenvolvimento Rural Sustentável e Agricultura

2.3.3 Sustentabilidade da atividade agrícola: caminho indelével para o

A reconhecida complexidade do termo sustentabilidade e o seu uso muitas vezes dirigido para situações inadequadas nos leva a necessidade de discutir e aprofundar os conhecimentos sobre o que podemos realmente considerar sustentável. Dentro desta temática, o termo “agricultura sustentável” emerge em substituição à agricultura alternativa, caracterizada na década de 1970 por diferentes linhas tecnológicas que se opunham à agricultura convencional. Neste período era comum

a adoção do termo agricultura qualificado como biodinâmica, orgânica, biológica, natural ou ainda associado ao termo agroecologia (MARZALL, 1999).

Assim como as controvérsias em torno do termo sustentabilidade, várias definições de agricultura sustentável foram elaboradas, caracterizando pontos de vista distintos. Como bem expressa Ehlers (1994),

[...] a noção de agricultura sustentável permanece cercada de imprecisões e de contradições, permitindo abrigar desde aqueles que se contentam com simples ajustes no atual padrão produtivo, até aqueles que veem nessa noção um objetivo de longo prazo que possibilite mudanças estruturais, não apenas na produção agrícola, mas em toda a sociedade. (EHLERS, 1994, p. 117)

Os grupos que defendem apenas algumas adaptações ao atual padrão, entendem a agricultura sustentável como quase um sinônimo do padrão convencional, porém praticado com maior eficiência e racionalidade. Em contrapartida, há os que entendem que a agricultura sustentável pode ser uma maneira de dar força a transformações mais consistentes em todo o sistema de produção agrícola, em todos seus aspectos: econômicos, políticos, socioculturais e ambientais. Neste sentido, a agricultura sustentável pode ser considerada um objetivo a ser alcançado, uma forma de pensar ou uma filosofia, não se restringindo a práticas agrícolas ou a um método, pois diferentes técnicas podem ser adotadas desde que atendidas algumas exigências, conforme entendem Ehlers (1994) e Hansen (1996).

Não obstante as imprecisões e ambiguidades do conceito, existem alguns aspectos básicos que se impõem para a construção de uma agricultura efetivamente sustentável, quais sejam: a conservação dos recursos naturais (solo, água, biota), a consideração da complexidade de cada sistema (biodiversidade natural, diversificação na produção, integração), o uso indiscriminado de insumos nocivos ao homem e ao seu entorno, a consideração das especificidades de cada realidade, incentivando a busca por soluções locais condizentes com as características físicas e culturais próprias (MARZALL, 1999).

No tocante à situação do agroecossistema, Verona (2010), recorrendo a Masera et al. (1999), cita alguns atributos básicos que são indispensáveis para o estabelecimento de uma situação de agricultura sustentável, quais sejam:

- Produtividade: se refere à propriedade do agroecossistema de gerar o nível requerido de bens e serviços. Representa os ganhos ou rendimentos em

um determinado período de tempo. Em uma avaliação convencional pode ser exemplificado como a produção agrícola em uma safra ou em um ano; - Estabilidade: entendida como a propriedade do agroecossistema de manter os níveis de bens proporcionados ao longo do tempo em uma situação não decrescente. Trata-se de manter constante a produtividade dos agroecossistemas geradas ao longo do tempo;

- Resiliência: é a capacidade que um agroecossistema apresenta de retornar ao seu potencial de produção após sofrer determinadas perturbações. Pode ser citada a capacidade de recuperação de um agroecossistema após um período muito longo de seca;

- Confiabilidade: se refere à capacidade que um agroecossistema possui de manter os benefícios desejados em níveis próximos aos gerados em condições normais. Como por exemplo, as produções agrícolas não são muito alteradas, mesmo com pequenas modificações de fertilidade do solo; - Adaptabilidade, elasticidade ou flexibilidade: é a capacidade do

agroecossistema de encontrar novas situações de estabilidade após uma situação adversa. Trata-se, por exemplo, da capacidade de buscar opções tecnológicas frente a uma determinada situação;

- Equidade: entende-se como a capacidade do agroecossistema de distribuir de forma justa, os benefícios e custos resultantes do manejo dos recursos naturais;

- Autodependência ou autogestão: é a capacidade do agroecossistema de regular e controlar suas relações com a situação exterior. Um exemplo de baixa capacidade de autodependência que pode ser citado é a necessidade de aquisição de produtos agropecuários com a função de manter os níveis de fertilidade do solo de um agroecossistema.

Para Gliessman (2001) a agricultura sustentável é entendida como um processo que reconhece a natureza sistêmica da produção de alimentos, forragens e fibras, equilibrando com equidade preocupações relacionadas à saúde ambiental, justiça social e viabilidade econômica entre os diferentes setores da população, incluindo distintos povos e diferentes gerações. Neste mesmo sentido, Dover e Talbot

(1992) defendem que uma agricultura para que seja sustentável tem que respeitar o meio ambiente e o homem, integrar os marginalizados e gerar emprego e renda no meio rural. Assim, a sustentabilidade da agricultura se converte em um aspecto que deve ser analisado de acordo com o contexto social no qual está inserido, devendo ser levado em consideração o conhecimento local e o que este reconhece como sustentável.

No entanto, embora a sustentabilidade da agricultura seja defendida e almejada por diferentes setores produtivos e por diferentes segmentos sociais, ela ainda se apresenta utópica (SABOURIN, 2000; ASSAD; ALMEIDA, 2004). As alternativas de manejo agrícola sustentável, que permitem a minimização de danos ambientais, esbarram muitas vezes em interesses econômicos distintos. Além disso, mesmo quando se observa uma melhora na relação agricultura e ambiente, por meio de tecnologias consideradas menos agressivas, esta nem sempre está associada a uma sustentabilidade social. Ou seja, a sustentabilidade está se impondo muito mais pelo aporte da questão ambiental do que pelo lado da justiça social. Constata-se, pois, que a atividade agrícola, reconhecidamente essencial para a produção de alimentos e de produtos de primeira necessidade para o bem-estar humano gera inúmeros desafios, colocados tanto para governos e sociedade como para os agricultores (ASSAD; ALMEIDA, 2004). Ainda segundo os mesmos autores, estes desafios podem ser considerados a partir de cinco vertentes básicas:

a) desafio ambiental - considerando que a agricultura é uma atividade que causa impactos ambientais, decorrentes da substituição de uma vegetação naturalmente adaptada por outra que exige a contenção do processo de sucessão natural, visando ganhos econômicos, o desafio consiste em buscar sistemas de produção agrícola adaptados ao ambiente de tal forma que a dependência de insumos externos e de recursos naturais não-renováveis seja mínima;

b) desafio econômico - considerando que a agricultura é uma atividade capaz de gerar, a curto, médio e longo prazos, produtos de valor comercial tanto maior quanto maior for o valor agregado, o desafio consiste em adotar sistemas de produção e de cultivo que minimizem perdas e desperdícios, que apresentem produtividade compatível com os investimentos feitos, e em estabelecer mecanismos que assegurem a competitividade do produto agrícola no mercado interno e/ou externo, garantindo a economicidade da cadeia produtiva e a qualidade do produto;

c) desafio social - considerando a capacidade da agricultura de gerar empregos diretos e indiretos, e de contribuir para a contenção de fluxos migratórios, que favorecem a urbanização acelerada e desorganizada, esse desafio consiste em adotar sistemas de produção que assegurem geração de renda para o trabalhador rural e que este disponha de condições dignas de trabalho com remuneração compatível com sua importância no processo de

produção. Considerando o número de famintos no planeta, e particularmente no Brasil, é necessário que a produção de agrícola contribua para a segurança alimentar e nutricional. Considerando ainda que o contexto social não é uma externalidade de curto prazo do processo produtivo e, portanto, do desenvolvimento, é necessário construir novos padrões de organização social da produção agrícola por meio da implantação de reforma agrária compatível com as necessidades locais e da gestação de novas formas de estruturas produtivas;

d) desafio territorial – considerando que a agricultura é potencialmente uma atividade capaz de integrar-se a outras atividades rurais, esse desafio consiste em buscar a viabilização de uma efetiva integração agrícola com o espaço rural, por meio da pluriatividade e da multifuncionalidade desses espaços;

e) desafio tecnológico – considerando que a agricultura é fortemente dependente de tecnologias para o aumento da produção e da produtividade, e que muitas das tecnologias, sobretudo aquelas intensivas em capital, são causadoras de impactos ao ambiente, urge que se desenvolvam novos processos produtivos onde as tecnologias sejam menos agressivas ambientalmente, mantendo uma adequada relação produção/produtividade. (ASSAD; ALMEIDA, 2004, p. 7)

Esses desafios são tanto maiores e mais complexos quanto maior o número de limitações impostas pelo ambiente e, para superá-los, é necessário um profundo conhecimento sobre o meio, tanto em seus aspectos físicos e biológicos quanto em seus aspectos humanos. É necessária uma nova (agri)cultura que concilie processos biológicos (base do crescimento de plantas e animais) e processos geoquímicos e físicos (base do funcionamento de solos que sustentam a produção agrícola) com os processos produtivos, que envolvem componentes sociais, políticos, econômicos e culturais. Essa abordagem deve se basear no conhecimento que se tem hoje do funcionamento dos ecossistemas terrestres: i) o equilíbrio da natureza é extremamente delicado (e instável) e o homem pode modificá-lo de maneira irreversível, pelo menos em termos de escala de vida humana; ii) a Terra não é um reservatório ilimitado de recursos; iii) no longo prazo, a sociedade jamais é indenizada pelos danos ambientais e pelos desperdícios de recursos naturais, nem em termos econômicos, nem em termos sociais; e iv) o fictício bem-estar de alguns segmentos sociais se dá à custa da exploração real e atual de excluídos, que não usufruem vantagens econômicas e sociais mínimas, e pelo comprometimento das novas gerações, que tendem a se deparar com problemas sociais e econômicos cada vez mais complexos (ASSAD; ALMEIDA, 2004).

Evidencia-se a necessidade de consideração da dimensão tecnológica para a construção de uma agricultura efetivamente sustentável, pois as tecnologias, como

bem afirma Thomas (2009, p. 25), “determinam posições e condutas dos atores; condicionam estruturas de distribuição social, custos de produção, acesso a bens e serviços; geram problemas sociais e ambientais; facilitam ou dificultam a sua resolução”. Assim, entende-se que para que se possa construir um novo modelo de desenvolvimento rural baseado na sustentabilidade se faz necessária a consideração de um modelo tecnológico que incorpore os valores das demais dimensões relacionadas à vida humana, buscando atender às reais demandas e necessidades das pessoas e determinando uma nova relação entre ciência, tecnologia e sociedade, como se propõem as tecnologias sociais.

Não obstante, o conceito de tecnologia social é relativamente novo, ainda pouco explorado pela academia e impregnado de uma fragilidade analítica e conceitual que dificulta a sua operacionalização. Por conseguinte, o estabelecimento de um instrumento que possibilite a realização de diagnóstico, monitoramento e avaliação desse tipo de tecnologia representaria um avanço considerável para o campo analítico, ao tempo em que geraria o substrato qualitativo para as avaliações de projetos baseados em tecnologias sociais. A proposição de um sistema de indicadores através do qual se possa realizar uma análise holística que abranja desde o processo de construção e difusão até os resultados e impactos gerados por uma determinada experiência de tecnologia social, possibilitando identificar uma tecnologia social em meio a diversas experiências tecnológicas, distinguir as tecnologias sociais entre si, indicar o nível de sucesso da experiência e monitorar e avaliar os resultados e impactos gerados a partir da sua adoção, representaria um avanço considerável para o tema, ao tempo em que possibilitaria uma análise mais consistente das contribuições geradas pela adoção de tecnologias sociais para a sustentabilidade da atividade agrícola.

Assim, no capítulo 3 a seguir apresenta-se o principal produto deste trabalho de tese, o Sistema de Indicadores para Diagnóstico, Monitoramento e Avaliação de Tecnologias Sociais (SIDMATECS), proposto a partir da consolidação de toda a base teórica levantada e apresentada acerca da tecnologia social no presente capítulo.

3 SISTEMA DE INDICADORES PARA DIAGNÓSTICO, MONITORAMENTO E