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ASPECTOS DA ATIVIDADE ARTÍSTICA DE VIEIRA DA SILVA NO BRASIL

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ASPECTOS DA ATIVIDADE ARTÍSTICA DE VIEIRA DA SILVA NO BRASIL

Maria Isabel Azevedo da Silva55

RESUMO

O tema desse artigo localiza-se temporalmente no período em que a artista Vieira da Silva, nascida em Portugal, está presente no Brasil (1940 a 1947). Desde o início do século a questão da abstração acompanha o cenário artístico internacional. A arte, incluindo a arte abstrata realizada no contexto daquela época, proporciona o intercâmbio entre ideias divergentes. Os elementos centrais desse trabalho são os materiais e as técnicas, bem como os peculiares procedimentos no período brasileiro da artista. Pretendemos abordar no contexto da época as questões da abstração e da figuração, bem como suportes e técnicas utilizados. O nosso estudo abrange algumas obras da artista nesse período brasileiro, detendo-se em particular em dois de seus trabalhos: 1) A Floresta dos Errantes (1941) e 2) História trágico-marítima (1944).

Palavras-chaves: Vieira da Silva no Brasil. Abstração. Figuração. Modernismo.

A mostra “Portugal Portugueses” de arte moderna contemporânea, no Museu Afro Brasil, que destaca o papel das artistas mulheres para a história, apresenta no momento a artista Vieira da Silva. A exposição acontece no período de 8 de setembro deste ano até 8 de janeiro de 2017. É importante ressaltar que Vieira da Silva tornou-se uma artista importante a nível internacional.

Segundo Lamego (2007), a história desse período é pouco registrada. "Sentíamos tudo muito frágil, por sorte não tivemos nenhum desastre nem tivemos nenhuma doença tropical - eu tive apenas uma hepatite. Vivíamos assim como uma borboleta" disse Maria Helena Vieira da Silva em entrevista a Scliar (LAMEGO 2007, p.55). Segundo Lamego, O Rio de Janeiro apresenta-se nessa época de guerra, quando o casal chega, como um centro de refugiados de todas as partes do mundo. Eles se encontram para sobreviver e dividir experiências. Vieira da Silva chega ao Brasil em junho de 1940, aos 32 anos. Deixa o Rio de Janeiro em fevereiro de 1947. Vieira da Silva e Arpad Szenes percebem logo que o país dificilmente conseguiria absorver sua arte, sobretudo porque naquela época ninguém compra obras de arte; além disso, uma linguagem artística diferente da convencional certamente tinha menores chances de dar retorno financeiro. Todavia, não faltam propostas de trabalho e atividades. O ambiente de tensão é enorme devido às continuas notícias tristes do conflito. E a guerra interrompe também por cinco anos as exposições públicas de Vieira da Silva; só volta a

55 Doutora em Artes Plásticas. Professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

expor em 7 de julho de 1942, no Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro. Lá estão Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes, Cecília Meireles, Jorge de Lima, Murilo Mendes, entre outras personalidades famosas das Letras e das Artes daquele tempo (Lamego, 2007). A mostra é largamente anunciada na imprensa. A partir de 1943, a colaboração entre escritores e o casal Vieira da Silva se intensifica. Interessante assinalar a maneira como Vieira da Silva assina sua obra, com o sobrenome masculino, o que chama a atenção da escritora Cecília Meireles (Lamego, 2007). Em entrevista à Revista Arte Hoje (Garcia sd) Vieira da Silva declara que quando pinta não sabe se é um homem ou mulher. Segundo AGUILAR (2007, p.42): "A própria Maria Helena adquiria obras daquele período. Tenho a impressão de que vislumbrava essa fase como pertencendo a uma outra vida, e, ao mesmo tempo, se surpreendendo pela própria resistência em enfrentá-la. Os anos brasileiros foram difíceis."

O site da Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silvarefere-se também ao período brasileiro como uma fase de sofrimento para a artista e sua obra. Segundo site da Enciclopédia Itaú Cultural, a artista traz ao Brasil a abstração que, no caso de Vieira da Silva, apresenta novas relações na composição entre cores, texturas, ritmos e intervalos. Durante sua permanência no Brasil, Vieira da Silva e seu esposo Arpad Szenes criam o Ateliê Silvestre, que se transforma em centro de discussões artísticas.

Existem na obra de Vieira processos de construção com materiais de desenho ou a pintura desenhada – gestual abstrata, sobretudo observando-se os seus trabalhos artísticos que se fundam no gesto, e transformam uma superfície em matéria colorida. Uma pintura/desenho.

No artigo de Nelson AGUILAR (2007, p. 34) Encontros e desencontros, ele escreve: "Arpad Szenes afirma que os cursos de anatomia que sua mulher seguira na Escola de Medicina aberto aos alunos de Belas-Artes em Lisboa, proporcionou-lhe um desenho 'forte e estruturado'". Estes traços puderam ser observados na obra Vieira da Silva em sua exposição do MAM.

Foram observados os trabalhos presentes no livro de Nelson Aguilar que foram expostos no MAM naquela exposição, e a partir daí podemos repensar as questões levantadas pela autora Lehmkuhl. Em relação às questões de origem temática, verifica- se que sua linguagem poética (desenhos, pinturas) transforma-se consideravelmente, movimentando-se em torno da figuração. Independente da temática, consideramos que a abstração está presente a partir do processo de elaboração dos trabalhos, já que existe a procura de uma arte que se distancia daquela já assimilada. Porém, no nosso entender, a

origem temática não determina se um trabalho artístico é figurativo ou abstrato. Um ponto de partida de uma observação, ou memória pode se desenvolver num caminho que se distancia desse ponto inicial, elaborando outras possibilidades através do desenvolvimento de sugestões gráficas e pictóricas que vão se tornado visíveis e que vão se articulando à técnica. Os trabalhos desenvolvidos com Vieira da Silva no Brasil estão em grande parte nas categorias "desenho" e "pintura", inclusive abrangendo, num mesmo trabalho, as duas possibilidades. Isso porque as fronteiras entre o desenho e pintura, principalmente no caso do papel, são particulares. No meu entender, não existem as fronteiras que definem desenhos enquanto procedimentos secos e pinturas como procedimentos úmidos.

Segundo Lehmkuhl (sd), em relação às técnicas, os seus esboços em papel, desenhos e guaches aumentam consideravelmente em número. As obras do período brasileiro foram executadas com materiais e suportes disponíveis em circunstâncias complicadas, repletas de indefinições. Acreditamos que, também por essas razões, os trabalhos apresentam pequenas dimensões.

Segundo Lehmkuhl (sd), são poucos os trabalhos de dimensões superiores a um metro de altura ou de largura. Prossegue Lehmkuhl, colocando que Vieira utiliza vários materiais e suportes, principalmente aqueles mais fáceis de armazenar como: os vários tipos de papel e cartão, lápis e tinta da China, guache, incluindo também o óleo sobre cartão ou sobre tela. Salienta Lehmkuhl que os temas da intimidade do casal, do convívio familiar aparecem com grande frequência: Arpad pinta Maria Helena e Maria Helena pinta Arpad. Cenas Urbanas e os amigos são temáticas muito frequentes para Vieira da Silva. A artista dedica-se também com frequência à temática da Guerra.

A partir da exposição e do catálogo (naturalmente essas obras representam pequena parte de sua produção brasileira, como ressalta Aguilar), observamos que o conjunto da sua obra demonstra uma ampla variedade de temas, técnicas e soluções plásticas. Temos no catálogo um grande número de trabalhos no suporte papel. A autora Lehmkuhl (sd) discorda de colocações que dizem que Vieira da Silva conformou sua obra ao gosto predominante do Brasil, ou seja, representando o motivo em detrimento de questões formais. Nessa perspectiva, o período no Brasil é colocado como sendo um interregno na produção da artista, que foi acusada de abandonar a abstração por causa do ambiente desfavorável encontrado no Brasil; prossegue Lehmkuhl (sd) apontando para a importância do período brasileiro que atualmente é reconhecida. A autora ainda demonstra como a artista desenvolve seus trabalhos em sentido contrário,

desenvolvendo sua poética de forma perspicaz, em comentários relativos a algumas obras por ela realizadas.

Segundo Lehmkuhl (sd), artistas estrangeiros presentes no Brasil, entre eles Arpad e Vieira da Silva, estão relacionados à difusão da arte abstrata no país.

Escreve AGUILAR (2007, p. 34): "Quando comecei a pesquisar sistematicamente a obra de Vieira da Silva havia dúvidas a respeito de seu percurso. Antônio Bento sustentava que a pintora se converte à figuração no Brasil e Mário Schemberg, que teria atingido a abstração entre nós. Ambos participam da verdade." Prossegue Aguilar, colocando que embora praticante da abstração, a permanência no Brasil a leva para o naturalismo e possibilita um novo ponto de partida para uma nova etapa fértil na sua volta à Europa. Segundo AGUILAR (2007, p. 258): "A pintura não busca o assunto como se ele fosse entidade autônoma, independente; o espaço pictórico realizado pela pintora o incorpora, o submete de acordo com suas próprias dimensionalidades."

Segundo AGUILAR (2007, p. 258), Mário de Andrade opinava, a respeito da exposição de Vieira da Silva, realizada Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro em 1942, que ela "tratava muito mais de bordado do que outra coisa". Prossegue AGUILAR (2007, p. 258), considerando essa postura de Mário demasiado naturalista, e ainda "comprometida com o ideário nacionalista da época simbolizada por Cândido Portinari e Emiliano Di Cavalcanti e caucionada até as últimas consequências pela escola muralista mexicana". Geraldo Ferraz também apresenta críticas severas a Vieira da Silva, muitas apresentadas no texto de Aguilar (2007).

De acordo com Aguilar (2007), Vieira da Silva está atenta também a uma outra poética latino-americana: a do universalismo construtivo do artista uruguaio Joaquín Torres-García, com quem virá a trocar ideias. Torres Garcia publica artigo no periódico "Alfar" com duas fotos parciais do quadro da artista "A Guerra" e ressalta a abstração e a estrutura do quadro. Essa troca de experiências com Torres Garcia é positiva, segundo Vieira da Silva, para o seu trabalho artístico.

Segundo Aguilar (2007), quando Vieira da Silva e Arpad desembarcam no Brasil, a arte abstrata já havia sido exposta nos Salões de Maio realizados em São Paulo; no entanto, no seu entender, a crítica local assimilou mal as novas possibilidades visuais.

Segundo Lamego (2007) em dezembro de 1944, Vieira da Silva realiza uma segunda exposição no Brasil, na pequena Galeria Askanasy (que é um importante

espaço para artistas exilados na época), criada por um imigrante polonês que tinha chegado ao Rio de Janeiro no início dos anos 40. A exposição foi amplamente divulgada.

Esses pontos de vista conflitantes nos convidam à observação das obras de Vieira da Silva. Não dispomos das obras originais, mas as reproduções nos proporcionam possibilidades de questionamentos relativos às estruturas consolidadas que gravitam em torno dos conceitos de desenho e pintura e nos convidam ao estudo da especificidade de cada técnica e suporte. Materiais, gestos, energia ao elaborar o trabalho, meticulosidade na construção da composição e de cada detalhe são elementos de pesquisa de um artista. O conjunto da sua obra do momento brasileiro da artista atesta uma grande diversidade temática bem como uma grande variedade em aspectos técnicos e em soluções plásticas, conquistados neste momento por ela considerado como pouco propício à sua arte. Consideramos que a questão da abstração está presente de muitas maneiras na realização figurativa que Vieira da Silva executa. Consideramos também que ainda hoje persistem as ideias relacionadas à desvalorização de trabalhos de desenho e pintura realizados sobre papel.

As alterações pictóricas das cores, da iluminação das linhas e da composição podem ser percebidas na apreciação das obras. Em Vieira da Silva, a questão da construção do espaço no suporte, papel, tela, tem uma significação muito especial. Sabemos da nova construção espacial que marca o advento da arte moderna. Dentro desse marco, a arte abstrata vai conquistando todo um novo significado, inclusive com novas experiências com materiais, suportes, técnicas não utilizados anteriormente. Essa é a experiência brasileira de Vieira da Silva. Aguilar (2007) coloca que Vieira da Silva milita pela recuperação do bordado (que se origina no Brasil nos primeiros tempos de colonização portuguesa). No nosso entender, o bordado tem estreita conexão com o desenho e a pintura, ganhando diferenciações em cada técnica, material, suporte.

Segundo COUTO (2011, p. 195), Vieira da Silva seduz o espectador através de possibilidades visuais exuberantes, aprofundando sua temática de modificações do espaço pictórico, "criando jogos perspectivos, ritmos e tensões formais cada vez mais refinados".

Segundo COUTO (2011, p. 201), Nelson Aguilar, autor de vários estudos sobre a pintora portuguesa Vieira da Silva, afirma que ela "conheceu a crítica mais desfavorável de sua carreira no Brasil". Couto salienta que, no entender de Aguilar, as carreiras da Vieira da Silva e de Arpad Szenes não evoluíram mais significativamente

no Brasil devido à grande ligação do meio intelectual brasileiro a favor de uma arte figurativa especificamente nacional. Prossegue COUTO (2011, p. 201) com a afirmação de Aguilar: “Havia um ar de autonomia em seu fazer (de Vieira da Silva) que desgostava os intrépidos defensores do modernismo brasileiro, partidários ferrenhos da pintura figurativa, da música narrativa, peças de terror épico, aptas a celebrarem as façanhas dos povos do Novo Mundo". Por outro lado, segundo Aguilar (2007), temos desde agosto de 1941 a crítica favorável de Rubem Navarra à artista.

Vieira da Silva, em entrevista à Revista Arte Hoje (Garcia, sd) assinala que a escolha pela abstração resulta em dificuldades para os artistas naquela época, e o caso dela e de Arpad não poderia ser diferente.

O nosso estudo abrange algumas obras da artista nesse período brasileiro, detendo-se em particular em dois de seus trabalhos: 1- A Floresta dos Errantes. (1941) e 2- História trágico marítima (1944).

Em 1941, Vieira da Silva pinta "A Floresta dos Errantes" (óleo sobre tela, medindo 81.00X100.00 cm), quadro que apresenta uma aparência abstrata, com linhas curvas, retas em sentidos diversos, que se aproximam juntas ou se distanciam. Essa diversidade entre linhas curvas e retas proporcionam regiões de tensões e ritmos, em contraposição com áreas mais vazias ou com intensidade cromática menos intensa. As cores são predominantemente claras, contendo entre outras laranjas, azuis, verdes. Em algumas passagens as cores ganham intensidade; em outras as linhas retas e curvas se movimentam colocando contrastes acentuados em formas também de ritmos.

Segundo Aguilar (2007) existe uma influência local na obra "História Trágico- Marítima", em que Vieira da Silva continua a iniciativa de Lasar Segall na “Nau dos Imigrantes”. A artista mostra uma história dramática, onde uma pequena embarcação cheia de pessoas aparece inclinada, prestes a ficar coberta pela água, se encontrando cercada por náufragos envoltos em uma onda gigante. O céu e o restante do mar apresentam-se em cores sombrias. O quadro apresenta forte contraste claro /escuro, o que aumenta a dramaticidade. As figuras de homens, mulheres e crianças, bem como as ondas apresentam-se inclinadas, dando sensação de instabilidade. Além do contraste claro /escuro, encontramos contrastes entre cores complementares, mais marcantes entre o laranja e o azul. Os tons vermelhos e avermelhados também se encontram bastante presentes, aumentando o efeito de inquietude.

Segundo LEHMKUHL (sd:8): "vê-se uma miríade de formas que entrelaçam figuras humanas com figuras geométricas, estabelecendo uma solução pictórica cujo

impacto visual se dá pelo conjunto confuso e denso advindo das linhas e cores, mais do que pelas expressões fisionômicas ou posturas corporais das figuras retratadas".

REFERÊNCIAS

AGUILAR, Nelson. Vieira da Silva no Brasil. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 2007.

COUTO, MARIA DE FÁTIMA MORETHY. Antonio Bandeira, Vieira da Silva e a Arte Abstrata no Brasil e na França. Concinnitas, ano 2011, volume 02, número 19, dezembro de 2011. Disponível em http://www.e-

publicacoes.uerj.br/index.php/concinnitas/article/view/15261/11563, acesso em 30.10.2016.

LAMEGO, Valéria. Dois Mil Dias no Deserto: Maria Helena Vieira da Silva no Rio de Janeiro, 1940-1947. In AGUILAR, Nelson. Vieira da Silva no Brasil. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 2007.

LEHMKUHL, Luciene. Imagens do Exílio: Vieira da Silva no Brasil. Simpósio - MS/MIG3 - Representaciones de lá diáspora latinoamericana: trayectórias del exílio (literatura-arte-cine-história). Disponível em http://www.reseau-amerique-

latine.fr/ceisal-bruxelles/MS-MIG/MS-MIG-3-LEHMKUL.pdf, acesso em 30.10.2016. GARCIA, Gardenia. Vieira da Silva, um encontro. Mistérios Vivos de Madame Vieira. P.35. In Arte hoje. Revista mensal da Rio Gráfica Editora. Rio de Janeiro: Rio Gráfica Editora.

IMAGENS

Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9819/vieira-da-silva, acesso em 31.10.2016. A Floresta dos errantes, 1941 | Vieira da Silva. Óleo sobre tela. Dimensões: 81.00x100.00 cm.

Fonte: http://ondda.com/noticias/2016/09/mostra-no-museu-afro-brasil-destaca-importancia-da- mulher-para-historia-da-arte, acesso em 31.10.2016.

História trágico-marítima,1944. Óleo sobre tela, 81,5x100 cm. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.