• Nenhum resultado encontrado

A PUBLICIDADE NO CENTRO DA CONTROVÉRSIA: ANÁLISE DO FILME CASAIS PELA ÓTICA DA TEORIA ATOR-REDE

OS CASOS DA PLAYBOY

Em agosto de 2008, foi lançada a edição de aniversário da Playboy – um ensaio do fotógrafo Bob Wolfenson com Carol Castro. As fotos realizadas em pontos históricos de Salvador, como o Pelourinho e a escadaria da Igreja do Paço, traziam como personagens Dona Flor, Tieta e Gabriela, as musas de Jorge Amado.

Em pouco tempo, a foto em que a atriz aparece vestida com um corpete, com os seios à mostra e um terço nas mãos causou polêmica. O padre Juarez de Castro, Secretário de Comunicação da Arquidiocese de São Paulo, disse à época:

Isso é um desrespeito. Não só com a Igreja Católica, mas com a fé de um povo. É absurdo usar um objeto de devoção das pessoas para fazer uma coisa como essa. Está na moda falar que essas fotos são um ensaio fotográfico. Mas, na verdade, não passam de um erotismo vulgar. Usar qualquer peça de devoção, nesse contexto, é desrespeitoso”, (BABADO IG, 2008)

Rodrigues lembra que os conceitos de "decente" e "indecente" são socialmente aprendidos e todas as culturas têm o conceito de decência. “Todavia, não é verdadeiro que esteja sempre associado primordialmente com a indumentária e com a cobertura dos órgãos sexuais” (1979, p.73).

“O corpo significa ao mesmo tempo a Vida e a Morte, o Normal e o Patológico, o Sagrado e o Profano, o Puro e o Impuro” (RODRIGUES, 1979, p.131). E essas

dicotomias levaram o juiz Oswaldo Freixinho, da 29ª Vara Cível do Rio de Janeiro, no

dia 25 de agosto de 2008, a proibir que a imagem polêmica fosse veiculada em novas edições da revista. A Censura foi pedida em ação conjunta do Instituto Juventude Pela Vida, do Rio de Janeiro, e por um padre de Goiás. No site do jornal Zero Hora, podemos ler alguns comentários de leitores, publicados no dia 26 de agosto, a respeito da decisão do juiz.

Cadê a liberdade de expressão? Será q um símbolo ofende tanto assim? A Igreja deveria se preocupar em orientar melhor seu clero para que não tenha problemas como tem acontecido... pedofilia entre outros! Que hiprocrisia! Como sempre vindo da Igreja Católica... CRISTINA

Correta a decisão do Juiz. A nudez é condenada pela igeja católica e a maior parte das religiões cristãs. Usar símbolos religiosos para aumentar a venda de publicações que atentam aos bons costumes é altamente condenável e não encontra guarida nas pessoas que estão comprometidas com a sua fé e crenças. PAULO NICOLAU ELY

O colunista Ancelmo Gois, no dia 26 de agosto de 2008, reproduz no Extra a fala da atriz Carol Castro a respeito da polêmica sobre as fotos:

Já pedi desculpas se ofendi alguém. Óbvio que não era a minha intenção magoar ou desrespeitar ninguém! Mas enfim, a foto fazia parte do contexto do ensaio: Mulheres de Jorge Amado. Elas sempre foram sensuais e religiosas. E na "tal" foto, tratava-se de Dona Flor, viúva, sofrendo pela morte de Vadinho, rezando sua falta.

No dia 1.º de julho de 2010, o ensaio de capa da Playboy que chegou às bancas de Portugal conseguiu, ao mesmo tempo, reunir críticas e elogios tanto de fãs do autor quanto daqueles que condenavam seu ateísmo.

Raquel Cozer, no O Estado de S. Paulo, 8 de julho de 2010, fala da publicação:

Numa espécie de Pietá com papéis invertidos, um homem representando Cristo apoia uma mulher seminua e tatuada no colo, sobre uma cama em cuja cabeceira lê-se a inscrição “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” - nome do livro de 1991 que acirrou a briga entre Saramago e a Igreja Católica. A chamada principal da revista é para entrevista com o escritor, a mesma que foi publicada em 1995 pela Playboy brasileira. A conversa vem acompanhada por ensaio no qual o personagem aparece cercado de mulheres seminuas em situações variadas: num "flagrante" de prostituição; numa cozinha, perto de uma mulher armada; observando uma cena de lesbianismo, etc.

Para uma jornalista do Departamento de Comunicação da Playboy as pessoas não entenderam bem o conceito da revista. “O que fizemos foi usar uma produção para falar da obra de José Saramago. Não falamos mal de Jesus, falamos bem, porque Jesus defendia as mulheres". (COZER, 2010)

O lusitano Jornal de Notícias, também datado de 8 de julho de 2010, publica a matéria intitulada “Jesus na Playboy portuguesa provoca ira da empresa-mãe”, informando que a Playboy Enterprises Internacional poderia fechar a revista em Portugal porque a homenagem ao livro “Evangelho Segundo Jesus Cristo", de José Saramago, “não foi aprovada” pela empresa norte-americana, como estaria acordado.

Efetivamente, em agosto de 2010, deu-se o fechamento da franquia da Playboy portuguesa pela matriz americana um mês após a veiculação a edição polêmica. A vice- presidente de relações públicas internacionais da organização, Theresa Hennessy, explicou a decisão em um e-mail enviado para o jornal britânico Daily Mail: “Nós não vimos nem aprovamos a capa e o editorial da edição de julho da ‘Playboy’ de Portugal. É uma violação chocante de nossas normas e não teríamos autorizado caso nos tivesse sido informado com antecedência”.

Cabe ressaltar que a presença da Playboy em Portugal era muito recente. Enquanto a Playboy brasileira teve início na segunda metade dos anos 1970, a primeira edição portuguesa se deu apenas em abril de 2009, publicada pela Frestacom. A primeira fase da franquia lusitana durou até agosto de 2010 – um mês depois da capa em homenagem a Saramago. Consolidou-se, assim a ideia de que a revista foi fechada por conta do conteúdo.

No SAPONotícias, do dia 24 de agosto de 2010, encontramos, contudo, outra informação: A Playboy Enterprises Internacional interpôs um processo judicial contra a Frestacom – editora responsável – no Tribunal de Illinois, Chicago, EUA, em 12 de Agosto de 2010, pois houve falha em três pagamentos, acarretando uma dívida superior a 150 mil euros. O contrato entre a Playboy e a Fresta terminou em 26 de Julho de 2010. A partir dessa data a Fresta perdeu a licença para publicar a Playboy em Portugal, tendo ainda lançado o número de agosto.

A Playboy portuguesa voltou às bancas pela editora Mediapage pelo período de um ano – de maio de 2012 a agosto de 2013. A revista só voltou a circular novamente em junho de 2015, editada pela Black Rabbit, e até hoje continua existindo.

CONSIDERAÇÕES

A exposição do corpo nu aliado à religião há muito tempo é motivo de tabu. O Papa Pio V, coroado em 1566, escondeu ou enviou para o Capitólio as estátuas greco- romanas desconsideradas como ídolos, e, em 1559, mandou Daniel de Volterra cobrir as “vergonhas” dos corpos do Juízo Final de Michelangelo. Não é de se estranhar que haja um questionamento por parte de uma parcela da sociedade sobre a exposição de corpos femininos nus apresentados junto de terços ou da imagem de Cristo.

É de se supor também que haja autocensura imposta pelas revistas que veiculam esse tipo de conteúdo. Não parece à toa que os ensaios estejam vinculados às obras de dois escritores consagrados em seus respectivos países. Podemos nos questionar se o corpo nu e a religião seriam colocados em conjunto em outra situação. De certa forma, as obras ficcionais de Jorge Amado e de José Saramago dão respaldo às propostas apresentadas. Mesmo assim, em ambos os casos houve sanções. No Brasil, ficou determinado pela Justiça que a imagem com o terço não fosse veiculada em novas edições da revista; em Portugal, a Playboy Enterprises Internacional usou o ensaio de Saramago como pretexto para encerrar a publicação.

Este artigo procura demonstrar que a ressonância dos aspectos discursivos presentes nas revistas – tanto a brasileira, como a portuguesa – se encontra em um território cheio de tabus e preconceitos, mesmo no século XXI. Para além desse estudo de casos, as reflexões sobre a liberdade de expressão estão ainda em andamento e encontram-se muito longe de terminar em um consenso. Há ainda um longo caminho a ser percorrido e esta pesquisa espera contribuir para o debate.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, P. A Opinião Pública Não Existe. In: Questões de Sociologia. São Paulo: Marco Zero, 1983. P. 137-151.

CHARAUDEAU, P. Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2006.

FOUCAULT, M. História da Sexualidade. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1988. FREUD. S. Totem e tabu e outros trabalhos. Lisboa: Plano Nacional de Leitura, 1950. Disponível em: <http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt/clubedeleituras/upload/ e_livros/clle000164.pdf>. Acesso: 16 out. 2016.

GOIS, A. Juiz proíbe nova tiragem da 'Playboy' deste mês com polêmica foto de Carol Castro. In: Extra, Rio de Janeiro, 26 de agosto de 2008. Disponível em:

<http://extra.globo.com/tv-e-lazer/ancelmo-gois-juiz-proibe-nova-tiragem-da-playboy- deste-mes-com-polemica-foto-de-carol-castro-565521.html#ixzz4NIl31576>. Acesso: 16 out. 2016.

GOOGLE. Transparency Report. 2016. Disponível em: https://www.google.com/ transparencyreport/removals/government/data/?hl=pt-BR, Acesso: 18 ago. 2016. IGREJA católica protesta contra foto de Carol Castro na Playboy. In: BABADO IG, São Paulo, 14 de Agosto de 2008. Disponível em:

http://babado.ig.com.br/noticias/2008/08/13/

igreja_catolica_protesta_contra_foto_de_carol_castro_na_playboy_atriz_se_defende_15 55020.html. 16 out. 2016.

JESUS na "Playboy" portuguesa provoca ira da empresa-mãe In: Jornal de Notícias, Porto, 8 de julho de 2010. Disponível em: <http://www.jn.pt/media/interior/jesus-na- playboy-portuguesa-provoca-ira-da-empresamae-1613731.html#ixzz4NIst5VfC>.

Acesso: 16 out. 2016.

MENDONÇA, R. Justiça proíbe veiculação da foto de Carol Castro com terço para a 'Playboy'. Rio de Janeiro: EGO/G1, 2008. Disponível em:

<http://ego.globo.com/Gente/Noticias/0,,MUL736990-9798,00-

JUSTICA+PROIBE+VEICULACAO+DA+FOTO+DE+CAROL+CASTRO+COM+TE RCO+PARA+A+PLAYBOY.html>. Acesso: 16 out. 2016.

MELLO, R. O Quadro do Contrato Comunicacional de Patrick Charaudeau e o Texto Literário. In: Caligrama, Belo Horizonte, 8:41-54, Novembro 2003. Disponível em: <http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/caligrama/article/viewFile/370/325>. Acesso: 02 jul. 2016.

PLAYBOY processa edição portuguesa da revista. IN: SAPONotícias, Lisboa, 24 de Agosto de 2010. Disponível em: <http://noticias.sapo.cv/info/artigo/1088111.html/>. Acesso: 16 out. 2016.