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Aspectos da problemática da autonomia universitária

2 BASE TEÓRICO-CONCEITUAL

2.2 HISTÓRICO E PROBLEMÁTICA DA AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA

2.2.2 Aspectos da problemática da autonomia universitária

Um aspecto da problemática da autonomia universitária que pode ser imediatamente identificado é justamente o feto de ela ser claramente declarada em leis, decretos e na própria Constituição Federal e, no entanto, paradoxalmente e incongruentemente, é negada, limitada e esvaziada por esses e outros dispositovos legais.

Para Martins (1996), o caminho da autonomia está recheado de barreiras que, desnecessariamente, a limitam. No que tange à autonomia didática-científica, ele identifica as que seguem: a IES seleciona o aluno, dá-lhe formação dentro de cursos reconhecidos, confere-lhe grau, expede-lhe diploma, mas não pode registrar o diploma; a DES é responsável pela formação do aluno, mas leis e portarias do MEC/CFE estabelecem até o percentual de freqüência aceitável por disciplina; a necessidade absoluta dos currículos mínimos e a obrigação dos cursos da área de saúde e jurídica deverem ser aprovados pelos seus respectivos conselhos; o modo de revalidação de diplomas estrangeiros, o aproveitamento de estudos, a definição do número de vagas de seus cursos, transferência, etc. No que concerne à autonomia administrativa: os conselhos superiores das IES, de acordo com parecer do CFE, não são competentes para aprovar seus estatutos e regimentos; a estrutura departamental continua obrigatória para as IES, qualquer que seja seu tamanho, sua região, quaisquer que sejam os avanços da ciência administrativa e das técnicas gerenciais. Mas, as barreiras referentes à autonomia de gestão financeira são as piores, porque além de contradizer o Artigo 207, opõem-se também ao parágrafo 3o do Artigo 173 da Constituição Federal. Assim, só com muita “ascética e mística” pode-se afirmar que as universidades gozam de autonomia, quer seja didático-científica, administrativa ou de gestão financeira.

Segundo Oliveira (1996), há três dimensões da autonomia na educação que se interpenetram: (1) a autonomia para se estabelecer; (2) a autonomia para operar; e (3) a autonomia para o aluno entrar e sair do sistema. A autonomia para se estabelecer, no caso do ensino superior, é limitada por uma série de mecanismos. Primeiro, há um confusão entre liberdade acadêmica e controles burocráticos. “A liberdade acadêmica de pesquisar e ensinar é direito consagrado, conquista da sociedade moderna, que não pode ser objeto de outorga ou concessão”. Assim entendida, não cabe qualquer regulação à autonomia. Segundo, o processo que disciplina a abertura de cursos e instituições é obsoleto. “São os próprios mecanismos institucionais e os critérios adotados que viciam e condenam ao fracasso as tentativas de

controle eartorial e burocrático com que se amarra o desenvolvimento do ensino superior no país”. Terceiro, há um confusão entre o conceito de autonomia e tutela. “Na verdade, o governo se propõe a tutelar a sociedade. É como se o Ministério da Educação fosse a grande FUNAI do ensino superior” (Oliveira, 1996, p. 32).

Com relação a autonomia para operar, de acordo com Oliveira (1996), é um problema que está longe de ser resolvido ou equacionado. No Brasil, segundo o autor, a capacidade de interferência governamental é enorme, pois, sempre que pode, o governo interfere. “E, quando o faz, o fez indevidamente, e interfere mal”. Quanto à autonomia dos alunos entrarem e saírem do sistema, a grande violação desse princípio reside na forma de financiamento do ensino superior. “No Brasil, optou-se por financiar as instituições - e não os alunos. Mas somente um tipo de instituição recebe financiamento - as instituições públicas. Desta forma, o aluno carente que não encontra acesso nas instituições públicas - por qualquer razão - fica penalizado” (Oliveira, 1996, p. 33). Sobre esse aspecto, o autor sugere um mecanismo de financiamento através de bolsas de estudo, que tenha como critérios a carência financeira do aluno e um patamar mínimo de mérito. Só o Crédito Educativo não resolve, é necessário repensar a própria estrutura e forma de financiamento do ensino superior.

Por isso, para Oliveira (1996), uma agenda mínima de luta pela autonomia poderia se concentrar em tomo da eliminação das barreiras de entrada e à expansão do ensino superior; da eliminação de interferências na gestão financeira das IES e nas suas relações com seus alunos; da real autonomia para as IES estabelecerem seus próprios critérios de aceitação de alunos; da limitação de carreiras profissionais que exijam habilitação legal, com a conseqüente desregulamentação dos currículos; da revisão dos critérios para a criação de cursos de mestrado profissionalizante; do reconhecimento da liberdade de escolha de métodos pedagógicos; do estabelecimento de um sistema de crédito educativo reembolsável, para alunos que comprovem condições de aproveitamento e carência; e da revisão das funções do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Abordando aspectos da problemática da autonomia universitária no Brasil, Coelho (1998) identifica duas diferentes visões do problema. A primeira, denominada de posição sindicalista, defende a reformulação da Constituição e considera a diversidade e o pluralismo de IES, porém, reivindica princípios gerais de organização iguais para todas, como a autonomia e a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. O princípio da autonomia, embora deva ser extensivo ao conjunto das IES, é diferente quanto à autonomia financeira, no

caso da instituição pública, as quais devem ser mantidas pelo Estado, mas com liberdade de gestão dos recursos; ou seja, a vinculação de recursos é obrigatória, e sua gestão é autônoma. Essa posição também discorda da avaliação externa feita pelo MEC, defendendo uma avaliação permanente e com a participação da comunidade interna (auto-avaliação). Resumindo, as características do ensino superior nessa visão são a autonomia, o padrão unitário comum de qualidade e a gestão democrática. A segunda, chamada posição govemista, propõe emendas à Constituição, amplia o princípio da autonomia a outras IES, além das universidades, e flexibiliza a legislação em função da competência e da avaliação das instituições. Além disso, estabelece relação entre autonomia e avaliação, e defende a substituição do tradicional mecanismo do MEC de controle e supervisão das instituições, pelo critério de avaliação pública.

Do ponto de vista da privatização, conforme Maar (1985), é possível pensar, desde 1979, em três fases da autonomia. A primeira, autonomia financeira, é a fase da implementação do regime jurídico fundacional para as autarquias: ensino pago, desobrigação financeira e centralização de poder pelo Estado. A segunda, autonomia gerencial, é a fase do fortalecimento do papel gerencial e fiscalizador da estrutura de poder vigente na universidade (reitorias), congelamento e otimização do ensino público; culto à eficiência da instituição, orientação dos investimentos, clientelismo. A terceira, autonomia de mercado, é a fase da privatização interna das universidades públicas. A fase 1 poderia estar representada basicamente no CFE; a fase 2 no CRUB; e a fase 3, entre uma corrente que tende a ser hegemônica na atual Comissão de Alto Nível do MEC.

No processo de autonomia, Vergara (1988) distingue dois aspectos básicos: o estrutural e o contingencial. O estrutural revela que a autonomia plena é praticamente impossível de ser alcançada, já que a autonomia está intimamente ligada ao poder, isto é, a uma relação de forças. O contingencial revela que a autonomia relativa será maior ou menor, conforme as forças em jogo. No caso da universidade, ela será tanto mais autônoma, quanto mais conseguir exercer poder, quanto mais conseguir livrar-se de interferências externas. Ainda segundo esta autora, sob o argumento de que a autonomia é condição fundamental da existência da universidade, são muitas as divergências entre os autores quanto à sua operacionalização e, principalmente, quanto à própria percepção de autonomia. Isso demonstra a complexidade do tema. Primeiro, porque a autonomia está associada a inúmeras outras questões, tais como funções da universidade, avaliação do desempenho, gestão,

organização e o próprio conceito de universidade. Segundo, porque a autonomia é uma questão de poder.

No jogo de forças do poder, a universidade busca ocupar espaços, o que não é tarefa das mais fáceis, condicionada pela própria liberdade intelectual desejada. Alterações significativas na parcela de poder implicam associação, coesão, convergência de esforços, direcionamento, mecanismos adequados aos fins pretendidos. Todavia, liberdade intelectual toma o poder difuso, já que ela traz em seu bojo pluralidade de idéias diferenciação ideológica, implicando desde opiniões divergentes quanto aos fins da universidade, a quem ela deve produzir, até as formas pelas quais realizará sua missão (Vergara, 1988, p. 88).