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Fonte: SUCESSAGEMLF (2015).

Esse direcionamento é fortalecido por alguns aspectos. Entre eles o baixo custo da terra e o pouco controle do poder público sobre a ação dos empreendedores. Então, mesmo com uma infraestrutura urbana bastante precária, esse município se torna uma importante alternativa para a população de baixa renda oriunda da metrópole. Assim, aquele local longínquo, que “não tinha nada”, é apresentado como a possibilidade de “morar no que é seu” (DIAS, 2006).

Desse modo, sem muito demorar, as áreas rurais desse município que estavam mais próximas da Paralela – situação que sugeria a acessibilidade aos equipamentos e mercado de trabalho da capital – foram tomadas por loteamentos populares97 e transformadas em área de expansão urbana. O que acontece na ocasião é definido como um “surto de loteamentos” e avaliado como consequência de “[...] uma espécie de corrida pela posse do lote urbano de uma população que já não tem como se fixar em Salvador” (COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR, 1981a, p. 02).

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É dessa maneira que a população laurofreitense se amplia, sobretudo, pelo fluxo de pessoas de baixa renda98 e cresce à taxa de 13,44% ao ano entre 1970 e 1980 (Tabela 3). Nem Camaçari, onde o Copec começara a funcionar, ou Candeias e Simões Filho, com o CIA, alcançaram patamares tão elevados. O mesmo vale para Salvador, que já possuía mais de 1 milhão de residentes99. Lauro de Freitas se destaca também pelo incremento: 25.302 pessoas100.

Nesse mesmo contexto, outra função, igualmente resultante das lógicas engendradas pela industrialização, é atribuída a esse município. Os novos níveis de renda, a estrutura do mercado de trabalho e das relações sociais que, combinados, ocasionam demandas por serviços diferentes das do passado, assim como a difusão de ideologias sobre as formas e possibilidades de perceber e viver a cidade, repercutem no lançamento de importantes empreendimentos residenciais para as classes médias e superiores, ainda na década de 1970.

Gradativamente, integrantes desses grupos sociais são atraídos, via publicidade, pelas “qualidades” da orla ao norte da metrópole. Cria-se uma demanda imobiliária artificial que visa claramente atender os trabalhadores mais qualificados do CIA e do Copec, assim como parcelas dos altos escalões da burocracia estatal baiana (SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA, 2012). Para o sucesso desse intento foi fundamental a BA-099, a citada Estrada do Coco que, inaugurada em 1975, ligava originalmente a Avenida Luiz Viana Filho a Itacimirim, perto da divisa de Camaçari com Mata de São João. Por meio dela Salvador se articula a Lauro de Freitas e à orla de Camaçari (Mapa 5), o que favorece o uso dessas áreas seja para fins de moradia, seja para atividades de turismo e lazer. Desse modo, exemplificando a noção de espaço concebido, essa via tornou-se funcional aos interesses do capital imobiliário, independentemente da faixa de renda que se pretendesse atender, desde seus primórdios.

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Segundo as estatísticas oficiais, em 1970, 87% da sua população economicamente ativa vinculavam-se ao setor informal; 70% dos trabalhadores auferiam até três SM (o mais baixo nível de renda da região); e 77% das habitações eram típicas de favela. Ao mesmo tempo, 78% do conjunto de seus domicílios foi classificado como próprio, número bem superior ao registrado ao total da RMS.

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Evidentemente, com uma base populacional maior, o significado do acréscimo populacional é relativamente menos expressivo.

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Apenas Salvador e Camaçari apresentam números superiores aos seus no mesmo período. Então, em 1980, alcança 35.309 habitantes.

Para a venda dos lotes nos empreendimentos ditos sofisticados que se fincavam na, então, periferia metropolitana – afinal, ainda era considerada uma área longínqua e sem infraestruturas adequadas –, a estratégia de divulgação incluía apresentá-los como uma alternativa para veraneio mais acessível que a Ilha de Itaparica101. Mas, fundamentalmente, o que se realçava era a possibilidade de fuga da cotidianidade, de ter lazer e moradia num mesmo lugar.

Dois deles merecem destaque pelo sucesso na época da comercialização e por conta da importância econômica e simbólica que adquiriram ao longo dos anos. Os loteamentos Parque Encontro das Águas102 e o Vilas do Atlântico. O primeiro, com Termo de Acordo e Compromisso (TAC) datado de 1976, ocupa uma área pouco maior do que 2,5 mil m² e se situa entre os rios Joanes e Ipitanga e a Estrada do Coco. O Vilas do Atlântico, com cerca de 2,9 mil m² divididos em 2.422 lotes, é localizado entre a (então nomeada) praia de Ipitanga e a foz do Rio Joanes e foi lançado, em diferentes etapas, entre 1979 e 1982. Ambos tiveram bastante repercussão e divulgação na mídia e, entre as estratégias voltadas à sua comercialização, estava realização, por exemplo, de coquetéis e eventos esportivos.

Ambos os loteamentos foram entregues com ruas pavimentadas, sistema de drenagem, rede elétrica e de iluminação pública, e uma variada estrutura de lazer concluída ou em execução, tudo, evidentemente, realizado pelas construtoras responsáveis por esses empreendimentos. Ainda, nos primeiros anos de Vilas, sua construtora custeava um ônibus que conduzia os primeiros moradores ao centro de Salvador e abastecia as casas com água potável por meio de carro pipa, já que não havia rede geral de distribuição (DIAS, 2006). Noutros termos, o mercado imobiliário preparou um conjunto de estruturas e condições que agregaram a esses recortes espaciais de Lauro de Freitas um aspecto e um valor simbólico que os distinguia das demais porções desse município.

Cabe observar que, junto às alterações decorrentes do adensamento populacional, pouco a pouco Lauro de Freitas amplia sua oferta de equipamentos comerciais e de serviços públicos. Todavia, ainda não havia sido constituído um mercado de trabalho

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A Ilha de Itaparica era o lugar para onde afluíam tradicionalmente os soteropolitanos em busca de lazer.

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Originário de parte das fazendas Japara e Portão, em 1980, esse loteamento, que conta com 516 lotes, foi transformado em condomínio mediante acordo com a prefeitura.

capaz de absorver parte significativa de seus habitantes. De fato, em meados da década de 1970, sua estrutura produtiva ainda era incipiente, sendo, o setor industrial e o de serviços, em muito vinculado à construção civil, e o comercial, moldado ao perfil da maior parte de sua população, precário103. Sendo assim, a maioria dos residentes de Lauro de Freitas permanecia – como o era antes de para lá mudar-se ─ exercendo suas atividades profissionais em Salvador (COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR, 1977). Noutros termos, reside-se nesse município, mas, usa-se o mercado de trabalho e as estruturas de comércio e de serviços da capital.

Por isso, se consolida entre Lauro de Freitas e Salvador, mas também entre a capital e outros municípios metropolitanos, um fluxo pendular diuturno, envolvendo principalmente os deslocamentos casa-trabalho. Tal movimento torna-se habitual e impacta, evidentemente, as condições gerais dos transportes e das vias de circulação. Porém, a principal questão é que os envolvidos nesses deslocamentos encontram dificuldades para realizar atividades por conta própria e mesmo aquelas fundamentais à sobrevivência familiar, sejam referentes aos cuidados com seus membros, sejam voltadas à conservação da moradia, práticas comuns aos indivíduos de menor renda. Assim, “[...] A rotina doméstica entre estes trabalhadores precisa ser marcada por uma disciplina estrita do uso do tempo [...]” (SOUZA, 1988, p. 8).

As práticas de lazer, aqui tomadas como fundamentais para a vida cotidiana da modernidade (LEFEBVRE, 1991a, 1991b)104, são identificadas com assistir e praticar jogos de futebol, jogar bilhar e dominó, participar de festejos religiosos e festas dançantes que podiam ocorrer na casa de um particular ou nas associações

que já existiam (COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO

METROPOLITANA DE SALVADOR, 1977). Quando havia tempo disponível – afinal boa parte do tempo do não-trabalho era consumido com a construção e cuidados

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No setor industrial contava-se com 13 indústrias de pequeno e médio porte, a maioria das quais era ligada à construção civil e não se vinculava a outros setores econômicos no interior do município. O setor comercial era representado por estabelecimentos tais como quitandas, vendas e similares, geralmente instalados no domicílio de seu proprietário, respondia, basicamente, por alimentos e gêneros de primeira necessidade. O setor de serviços correspondia a imobiliárias e escritórios de firmas de construção civil, além daquelas que lhes prestavam serviços (como as de aluguel de máquinas e caminhões). Inexistiam bancos e financeiras no município (COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR, 1981a).

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para com a casa e atenção à família –, realizavam-se encontros com os amigos, na casa de um ou de outro e organizavam-se festas de bairro, muitas de cunho religioso. As crianças brincavam nos rios, subiam em árvore e “roubavam” frutas105

. Esse conjunto de atividades é muito mais articulado à vida tipicamente rural do que ao movimento que a indústria trazia para municípios tão próximos.

É nesse contexto que a cidade de Lauro de Freitas vai sendo estruturada. Num primeiro momento, pode-se associar essa dinâmica às repercussões, na RMS, das alterações estruturais pelas quais passa a economia baiana. Então, ainda periferia em relação a Salvador, atende à função de cidade dormitório de diferentes grupos sociais sem perder o aspecto de área precária e distante. Porém, o que se passa, então, não é definido por tão somente por aquele evento.

É possível dizer que esse processo expressa uma tendência mais geral de alteração no uso do espaço e na morfologia urbana – e dos conteúdos que eles comportam -, que encaminha a urbanização metropolitana para fora da metrópole. Ademais, a instalação de empreendimentos residenciais nas periferias, tal como Sposito (1999, p. 91) argumenta, repercute num redimensionamento na relação centro-periferia, pois “[...] essas novas lógicas de assentamento urbano e expansão do tecido urbano são produzidas e produzem a acentuação das necessidades de deslocamento no interior das áreas urbanas e entre essas e áreas urbanas”. Assim, na medida em que se intensificam os fluxos que se estabelecem entre Lauro de Freitas, Salvador e Camaçari, aquela cidade tanto se consolida como elo entre elas, como vai se tornando uma centralidade.

3.3. LAURO DE FREITAS, O CAPITAL IMOBILIÁRIO E A METROPOLIZAÇÃO

No início da década dos 2000, Lauro de Freitas em muito se distinguia daquela localidade descrita nos textos de Carvalho (1961) e da Conder (COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR, 1977, 1981a)106. Não que inexistissem áreas com características rurais ou que o acesso aos serviços, de modo geral, fosse eficiente. Tampouco deixou de ser uma cidade

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Informações extraídas dos levantamentos de campo realizados entre junho e dezembro de 2014 e entre fevereiro e junho de 2005.

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Atualmente a sigla Conder corresponde a Companhia e Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia.

na qual a classe popular correspondesse à maioria da população. Mas, ao lado dos loteamentos populares e das invasões, encontravam-se inúmeros empreendimentos que serviam como residência para as classes médias e superiores. Além disso, havia uma diversidade de equipamentos comerciais e de serviços. A cidade cresce demograficamente, se diversifica em termos de equipamentos (particulares, sobretudo) e infraestruturas. Adquire formas e conteúdos indiscutivelmente urbanos. Conurbada com a capital, apresenta uma dinâmica integrada e decorrente da existente na metrópole.

Uma das primeiras evidências dessas transformações está no que ocorre na Estrada do Coco. Essa rodovia, que outrora servia fundamentalmente para ligar Salvador a localidades do seu litoral norte, é ampliada. Em 1993, o governo do Estado inaugura um trecho, conhecido por Linha Verde, que avança de Itacimirim até a divisa da Bahia com Sergipe. Entre primeiros efeitos dessa construção estão a implantação de hotéis, complexos hoteleiros e de condomínios residenciais e empresariais com diferentes níveis de sofisticação no correr da orla da RMS. Nesse contexto, em tal via, especialmente no trecho de 12 km em que atravessa Lauro de Freitas107, foram desenvolvidas outras funções, além da de articular da capital a outros municípios.

Em particular a partir de 2000, há um rápido crescimento de edificações com distintos usos: empreendimentos residenciais destinados a diferentes classes sociais, estabelecimentos ligados à construção civil e à venda de produtos para jardim e piscina; lojas diversas; hipermercados; agências bancárias; unidades de saúde (entre instituições públicas e particulares); shoppings de pequeno e médio portes, postos de gasolina, hotéis, casas de eventos, restaurantes, concessionárias etc.

Para melhor entender essa recente dinâmica, são necessárias algumas ponderações sobre a economia regional e o modo como o capitalismo passa a operar sua reprodução nas décadas mais recentes. Primeiro, nota-se que a inserção da área metropolitana de Salvador no projeto de industrialização nacional, entre os anos de 1960 e 1970, não desencadeou verdadeiramente a industrialização da Bahia, tal como pretendido. Noutros termos, não se constituiu um setor industrial

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A BA-099, no trecho em que atravessa Lauro de Freitas, adquire o topônimo de Avenida Santos Dumont.

próprio ao estado, diversificado e integrado, capaz de ampliar significativamente o emprego no setor secundário, elevar a renda regional e acelerar um processo de urbanização. Tampouco se eliminou a distância (ainda que a tenha reduzido) de sua economia em relação à dos polos nacionais já consolidados (ALMEIDA, 2006). Desse modo, o estado se manteve numa condição periférica em relação ao Centro- Sul do país.

No final do século XX, o governo baiano empreende novas tentativas de dinamizar o setor industrial do estado, ainda avaliando-o como essencial para alavancar seu desenvolvimento. Porém, em escala mundial, ocorriam mudanças nas formas de produção e de reprodução do capital. Aliás, segundo Harvey (2005b), desde os anos 1970, favorecido pelos avanços da técnica e o aumento do uso das tecnologias na produção, o fordismo é sobrepujado pelo regime de acumulação flexível. Nesse contexto, enquanto o capital financeiro assume preponderância no processo de acumulação, se dissemina a ideia de livre circulação ou autonomia dos capitais. Em vista disso, busca-se a flexibilidade geográfica e temporal da acumulação. A ideia é a de que as fronteiras entre os Estado nacionais, assim como o poder de cada um deles, deveriam ser reduzidos frente às necessidades de sua fluidez dos capitais.

Como é de praxe, para sustentar esse novo modelo de acumulação, ideologias são produzidas. Uma delas, fundamental, é a que afirma que qualquer intervenção do Estado é perniciosa ao livre movimento da economia. Na prática, porém, ele adquire grande importância: cabe-lhe manter a disciplina do trabalho e interferir de maneira a favorecer os fluxos financeiros. Também se valorizam, como reforça Sennett (2012), o desenvolvimento e a ampliação no uso das tecnologias para a produção, assim como, a especialização produtiva e agilidade das empresas. Esses fatores concorrem para mudanças nas relações de trabalho108, para a diminuição da participação da mão de obra no processo produtivo, bem como para a separação entre os locais de gestão e produção, o que viabiliza a elaboração de novas espacializações da atividade industrial.

Tais mudanças vão carecer da produção de uma nova estrutura espacial que lhe permita a reprodução. Santos (2013) argumenta que, com o regime de acumulação flexível, o poder decisório sobre as esferas políticas, econômicas e financeiras passa

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a se firmar nas metrópoles que, consequentemente, adquirem conteúdos e papéis diferenciados. Essa situação implica em estruturas igualmente diferenciadas, sempre articuladas aos movimentos globais da sociedade. Em algumas cidades médias e pequenas, do mesmo modo, ocorrem mudanças em termos da estrutura urbana: há redefinição dos usos do solo, das centralidades e das relações tempo- espaço. O que se evidencia é que, na contemporaneidade, mais do que em outros contextos, relações que ocorrem em distintas escalas repercutem na estruturação do espaço intraurbano. Conforme Sposito (2004, p. 307), isso acontece porque existem interesses da ordem distante que intervém na definição dos conteúdos do espaço, também porque “[...] os atores locais redefinem esses conteúdos para estimular as relações, em diferentes escalas, sempre na perspectiva de ampliação de seus mercados e/ou de seus espaços de atuação política”.

Para Fernandes (2013, p. 84), nesse contexto, “[...] as cidades se tornam progressivamente base e elos através dos quais se materializam amplos processos da acumulação capitalista contemporânea” em decorrência da articulação de capitais de diversas origens, sob a coordenação do capital financeiro e do poder público. Sposito (2004) resume bem essas ideias quando afirma que a cidade virou um negócio. Não são mais algumas de suas parcelas que se tornam alvo de especulação, ela é totalmente planejada no sentido de atender, em especial, a interesses e estratégias do capital. Por essa via, realiza-se um descolamento entre o plano e a história da cidade, aquela construída pelas variadas ações individuais e coletivas acumuladas no tempo.

Segundo Daher (2015), progressivamente, ocorre uma convergência entre dos setores imobiliário e financeiro, assim como a concentração do poder político nas metrópoles. Se trata, como diz, da “urbanização da economia”. Perspectiva similar encontra-se nos escritos de Santos (2013, p. 50), para quem, nas últimas décadas, em diferentes cidades, “[...] os capitais comercial e imobiliário, coligados com o capital financeiro e, também o Estado, passaram a elevar sua influência na reprodução do espaço urbano, sem desconsiderar a atuação do capital industrial”. Na verdade, fica evidente que, tal como teoriza Lefebvre (2013), a cidade funciona como condição determinante para o aumento da produtividade e da acumulação do capital, desse modo, constitui-se numa força produtiva.

Nesses termos, o que se evidencia nas regiões metropolitanas resulta de combinações específicas de estratégias de reprodução do capital gestadas no fordismo e no regime da acumulação flexível. Além dessas especificidades mais gerais, em cada cidade, acontece uma combinação peculiar entre as permanências e mudanças e entre o antigo e o novo.

No Brasil, nos anos 1980, esses processos mais gerais começam a se apresentar de modo mais claro. Ocorrem, por exemplo, a internacionalização da economia e o aumento do uso de tecnologias, o que viabiliza alterações nas estratégias das indústrias no que tange às possibilidades de realização da produção. No entanto, no início do século XXI, é que os efeitos da acumulação flexível se fazem mais contundentes.

É nessa conjuntura que na RMS, na década de 2000, a partir de ingerências governamentais, é inaugurado o complexo automobilístico Ford Nordeste, em Camaçari 109, e ocorre um incremento dos complexos químico e petroquímico (PESSOTI; SAMPAIO, 2002 apud CARVALHO; PEREIRA, 2014). Evidentemente que esses eventos interferem na estrutura do mercado de trabalho soteropolitano, na elevação do estoque de empregos formais pari passo à retração das ocupações informais, na elevação do PIB etc. Porém, são incapazes de alterar a distribuição dos papéis entre os municípios da RMS, tal como, em décadas passadas, o CIA e o Copec o fizeram.

Franco (2008), avaliando o caso da Ford, assevera que ele demarca inegavelmente um novo ciclo na industrialização baiana. Entretanto, não acontece uma dinamização dos diversos municípios da RMS110, tal como esperado pelos dirigentes do governo. Ao contrário, reforçam-se os processos anteriores: Camaçari – à exceção da orla – e demais municípios industriais permanecem como espaço de moradia para os trabalhadores menos escolarizados, bem como dos informais que

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Além da montadora, vieram para tal complexo mais 33 sistemistas. Nesse conjunto, criou-se à época cerca de 8000 empregos diretos (CARVALHO; PEREIRA, 2014).

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A questão é que a expectativa do governo baiano era a de que com a implantação do Complexo Ford haveria diminuição do padrão de segregação existente na região e se estimularia o crescimento urbano em suas diferentes porções. No acordo firmado entre o poder público estadual e essa indústria, colocou-se a ela a necessidade priorizar, na contratação da mão de obra, os habitantes de Camaçari e do entorno. Deveria também preferir empresas baianas na realização das obras civis e fornecedores locais na aquisição de peças e componentes, entre outras medidas. Essas imposições contratuais tinham por meta – ingênua, no mínimo – diminuir a diferença entre as estruturas urbanas das cidades da RMS (FRANCO, 2008).

se expandem no bojo desses investimentos; já os funcionários mais bem posicionados na hierarquia daquela indústria, particularmente os que ela trouxe do Sudeste, fixam-se em Salvador ou na orla de Lauro de Freitas e, numa tendência identificada no início dos 2000, na de Camaçari. Além disso, São Francisco do Conde, Vera Cruz, Itaparica, Madre de Deus e Candeias continuam apresentando um urbano frágil, sendo área de residência daqueles inseridos de modo mais