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CAPÍTULO 2. CLASSE SOCIAL: REFLEXÕES E DEFINIÇÕES

2.3. OS SUJEITOS DA PESQUISA POR CLASSE SOCIAL

Para definir as classes sociais das famílias daqueles que responderam ao questionário, inicialmente, procedeu-se uma tabulação das informações que, conforme os critérios aqui estabelecidos, fossem sugestivas de sua posição social. A primeira questão que apareceu naquele momento se referia ao cálculo da renda média mensal domiciliar per capita. Houve domicílios em que o respondente desconhecia a renda de todos os demais moradores e aqueles nos quais se negou essa informação.

Na primeira situação, enquadrava-se um jovem recém-formado de 29 anos e que estava em busca do primeiro emprego. Ele não tinha qualquer noção da renda dos dois demais moradores da casa. Do mesmo modo, uma mulher de 47 anos e que se designou “do lar”, não sabia o rendimento de todos os moradores de sua casa que trabalhavam fora do domicílio, quatro ao todo.

A segunda situação se verificou, por exemplo, com uma professora universitária aposentada de 72 anos. Rispidamente, disse que só responderia o questionário porque seu vizinho, “uma boa pessoa”, pediu62. Porém, logo advertiu que não iria falar o que achasse indevido. Quanto aos rendimentos disse que essa informação “não se dá assim”. De maneira similar, uma mulher, que respondeu a todas as perguntas por uma pequena abertura no portão de sua casa (falou que não o abriria por ser arriscado), recusou-se e mencionar seu sobrenome ou a renda. Com 50 anos e nível superior, essa taróloga disse que não gostava de participar de pesquisas e não sabia se iria dar todas as informações solicitadas. Avaliaria se não era “perigoso”. Riu quando foi feita a pergunta sobre o tema, “isso não vou dizer”. Já um engenheiro que também se negou a mencionar seu sobrenome, foi rude ao afirmar que “renda não se diz a ninguém”63

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Ainda, existiram situações nas quais a renda indicada aparentava incompatibilidade com o padrão da moradia, os bens possuídos e os custos da escola dos filhos, entre outros. O provento citado parecia ser inferior ao realmente auferido, o que converge

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Havia entrevistado esse vizinho alguns dias antes e ele, morador de um condomínio, prontificou-se a contatar outros moradores a fim de conseguir pessoas dispostas a participar da pesquisa, o que de fato ocorreu.

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Expressões e informações extraídas de levantamentos de campo realizados entre junho e dezembro de 2014.

com a mencionada tendência observada em indivíduos que, por perceberem rendimentos relativamente mais elevados, reduzem seu valor quando precisam informá-lo. Nesses casos, o papel do rendimento na definição da classe dos indivíduos foi ainda menos importante. Aliás, destaca-se que, em relação à população tomada como amostra nesta pesquisa, na maior parte dos casos, a ocupação (o perfil da atividade), seguindo a proposta de Sorokin (1973), foi o critério mais fundamental para se estabelecer a que classe a qual o indivíduo pertencia. Lembra-se que as características do trabalho executado pelo indivíduo, assim como o tipo de vínculo de trabalho que possui, repercutem no modo como vivem, tal como discutido por Marx e Engels (2001) em textos tais como A ideologia alemã. De todo modo, persistindo dúvidas, voltava-se a atenção ao perfil da família e do domicílio.

Ilustra-se esse procedimento com a análise da condição geral de duas famílias. Numa delas, a renda média domiciliar per capita informada era de, aproximadamente, R$ 850,00, o que a colocaria como participante das classes médias (Quadro 1). Porém, entre as características de sua pequena moradia estavam a presença de telha vã e ausência de porta entre os cômodos (a exceção do banheiro), no seu lugar estavam cortinas de tecido colorido. Do portão de entrada do lote, que era fechado por arame trançado (não havia fechadura), até a porta do domicílio, encontrava-se um caminho de terra batida. A família possuía um carro, uma Kombi. No entanto, o veículo estava parado há uns três anos, pois, logo após sua compra, apresentou um defeito, e seu proprietário, conforme disse, não teve meios financeiros para consertá-lo.

Essas condições apontariam para uma família de classe média apenas por conta dos rendimentos? Entendeu-se que não. Afinal o habitus, nos termos de Bourdieu (2011), dessas pessoas era muito mais afeito ao das classes populares. Corrobora- se essa ideia voltando-se a atenção ao perfil da ocupação. Os que auferiam renda na casa eram um motorista aposentado (tinha trabalhado numa prefeitura), sua esposa que, aos 64 anos, ainda exercia a função de diarista (ambos tinham por escolaridade o fundamental I incompleto); uma filha, de 32 anos, e uma sobrinha, de 22. Essas últimas concluíram o ensino médio e estavam em empregos com carteira assinada: uma é caixa de um mercadinho e a outra é embaladora em uma indústria. O salário delas é pouco maior que o salário mínimo por causa de determinados benefícios.

Tais informações sugerem que as jovens avançaram em relação à escolaridade dos mais velhos e têm um emprego com garantias trabalhistas. Todavia, sua ocupação enquadra-se naquelas tipicamente manuais de baixa qualificação e status social, cujas possibilidades de melhorias salariais dificilmente se encaminharão no sentido de prover maior conforto material ou perspectivas de ascensão social (SOROKIN, 1973). Desse modo, entendeu-se que essas pessoas integravam a classes populares64.

Por sua vez, observa-se a situação de um jovem casal. Eles residiam num village cedido sem ônus por um familiar, pois não tinham como arcar os custos de aluguel. A renda familiar per capita informada era de um salário mínimo. Pelos bens que possuíam e nível de renda estariam mais afeitos à classes populares tal como aqui descrita. No entanto, ambos concluíram cursos de pós-graduação e eram sócios numa empresa de designer gráfico. Além disso, um deles ministrava aulas sobre o tema e o outro era responsável por um blog que, entre outros, discutia o papel desse profissional na sociedade. Entendeu-se que esse perfil era mais próximo ao grupo aqui descrito como classes médias, visto que sua ocupação enquadra-se no rol das atividades de cunho intelectual.

Como se disse na introdução, nos 90 domicílios em que se conseguiu aplicar o questionário, obteve-se dados de 298 pessoas. Essas se dividiam em 150 homens, com idades variando entre dois meses e 102 anos, e 148 mulheres, com idades entre dois e 99 anos. É importante pontuar que entre os menores de idade em idade escolar nenhum estava fora da rede ensino formal (embora nalguns casos a distorção idade-série ocorresse).

Em relação ao tipo de domicílio, 35 eram casas individuais e 27 estavam em lotes nos quais se encontravam entre dois e 12 domicílios, sem ter a condição de condomínio65. Nesse último tipo, a maioria dos casos, caracterizava-se por: (a) todas

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Essa situação é ilustrativa de que a renda é insuficiente para refletir sobre a classe social. É interessante que o aumento da escolaridade entre as gerações e do rendimento médio domiciliar não implicou num acesso a bens mais sofisticados que seriam típicos das classes médias. Tampouco os que integram essa família são produtores de bens e serviços valorizados. Assim, nem ao menos apresentam aquelas características que a inseriria naquele grupo que Souza (2012) chama de batalhadores.

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O tamanho desses lotes era bastante variável. Considerando os dados oficiais referentes aos loteamentos de Jardim Ipanema, Morada do Sol e Bosque dos Quiosques, situados em Pitangueiras, eles variavam, em geral, entre 730m² e 1.900m², aproximadamente (DIAS, 2006). Todavia, uma parte

as moradias serem ocupadas por parentes do respondente, (b) o terreno se constituía em herança deixada pelos pais ou avós e era repartido com seus descendentes, e (c) a renda média domiciliar per capita dos moradores era inferior a 2SM. Em quatro fugia-se a esse padrão: em dois os imóveis eram alugados; em outro, dois apartamentos destinavam-se a para aumentar a renda do proprietário que também residia no lote; num terceiro, os níveis de renda dos moradores eram elevados e todos os responsáveis pelos domicílios tinham nível superior. Dos 28 restantes, 22 se encontravam em espaços residenciais fechados; e seis eram chácaras ou sítio. Não se conseguiu acesso a nenhum dos apartamentos dos poucos edifícios da área de pesquisa.

No que tange à distribuição das pessoas sob as quais se obteve informações em classes sociais, seguindo os critérios postos no Quadro 1 e às situações particulares tais como as acima referidas, compreendeu-se que 118 pessoas estavam na classe populares, 147 nas médias e 33 nas (médias) superiores (Tabela 1). Assim, nos bairros de Aracui e Pitangueiras, particularmente na amostra obtida no subespaço em apreciação, o menor contingente constitui as classes (médias) superiores vis a

vis às demais classes; já o maior número de pessoas foi avaliado como pertencente

às classes médias. Dessa maneira, tem-se nessa amostra 39,6% dos indivíduos nas classes populares, 49,3% nas classes médias e 11,1% nas (médias) superiores. Em relação aos domicílios, a participação foi de, respectivamente, 35,6%, 51,3% e 13,3%.

Tendo em consideração que a análise dos fluxos de trabalho se constitui em um dos objetivos desta tese, era necessário verificar aqueles que exerciam alguma atividade profissional. À indagação Trabalha atualmente?, somando-se as categorias trabalha, estuda e trabalha ou estagia, aposentado e trabalha e dona de casa, 191 pessoas (64,1% do total) responderam positivamente. As classes (médias) superiores contaram com menores valores nesse conjunto, tendo, em contrapartida a maior participação relativa entre os aposentados e aposentados que trabalhavam (Tabela 2).

dos domicílios que participaram dessa amostra e que estavam em um lote junto a havia outros, o terreno, em geral, tinha dimensões menores.

Fonte: Pesquisa de campo, jun./dez. de 2014.

Tabela 2. Distribuição dos sujeitos de pesquisa por perfil ocupacional e classes sociais. Pitangueiras e Aracui. 2014

MASC FEM ABS. % ABS. %

Populares 59 59 118 39,6 32 35,6

Médias 75 72 147 49,3 46 51,1

(Médias) Superiores 16 17 33 11,1 12 13,3

Total 150 148 298 100,0 90 100,0

CLASSES SEXO POPULAÇÃO TOTAL DOMICÍLIOS TOTAL

TRABALHA ESTUDA E TRABALHA ESTUDA E ESTAGIA APOSENTADO E TRABALHA DONA DE CASA(1) ESTUDANTE Populares 63 4 0 1 11 18 7 7 3 4 118 Médias 72 2 5 3 10 27 17 2 3 6 147 (Médias) Superiores 14 0 0 5 1 4 6 1 1 1 33 TOTAL 149 6 5 9 22 49 30 10 7 11 298 TRABALHA ESTUDA E TRABALHA ESTUDA E ESTAGIA APOSENTADO E TRABALHA DONA DE CASA(1) ESTUDANTE Populares 53,4 3,4 0,0 0,8 9,3 15,3 5,9 5,9 2,5 3,4 100,0 Médias 49,0 1,4 3,4 2,0 6,8 18,4 11,6 1,4 2,0 4,1 100,0 (Médias) Superiores 42,4 0,0 0,0 15,2 3,0 12,1 18,2 3,0 3,0 3,0 100,0 TOTAL 50,0 2,0 1,7 3,0 7,4 16,4 10,1 3,4 2,3 3,7 100,0

Fonte: Pesquisa de campo, jun./dez. de 2014. Notas:

(1) Considerou-se dona de casa aquelas pessoas assim denominadas pelo respondente.

(2) Considerou-se na categoria não trabalham aqueles que assim foram declarados pelo respondente. (3) Inclui menores de seis anos que frequentam ou não creche ou escola.

OUTROS(3) TOTAL

CLASSES

OCUPADOS (TOTAL RELATIVO)

APOSENTADO DESEMPREGA DO NÃO TRABALHA(2) OUTROS (3) TOTAL CLASSES

OCUPADOS (TOTAL ABSOLUTO)

APOSENTADO DESEMPREGA DO

NÃO TRABALHA(2)

É interessante assinalar que tanto nas classes populares quanto nas médias havia pessoas que trabalhavam e estudavam. No entanto, nessa última, as duas jovens que estavam nessa situação eram universitárias (alunas de faculdades particulares), tinham mais de 18 anos e, na condição de contra própria, realizavam venda de confecções. O valor apurado por elas servia para uso próprio, pouco contribuindo para a manutenção da moradia.

As quatro pessoas que integravam as classes populares e que trabalhavam e estudavam simultaneamente eram menores de 18 anos e a prática profissional destinava-se ou a receber um valor que compusesse a renda familiar ou a “aprender uma profissão”. Também sem vínculo empregatício formal, elas exerciam as seguintes atividades: capinação, auxiliar de pedreiro, auxiliar de mecânico e babá.

Aparecem neste texto indicações às categorias desempregado e não trabalha, tal como dito pelos respondentes. Na literatura sobre o mercado de trabalho, porém, esses grupos não são necessariamente distintos. Nas estatísticas oficiais, entre os ocupados constam os que efetivamente estão trabalhando e os indivíduos sem emprego ou ocupação fixa que estão à procura de trabalho ou exercem algum tipo de atividade eventualmente66. No entanto, conforme o discurso dos que responderam ao questionário, desempregado é quem não trabalha, mas apresenta a preocupação em encontrar trabalho. Não trabalha corresponde a quem não tinha atividade profissional e não demonstrava intenção de alterar essa condição. O mesmo valeu para dona de casa (por vezes designada como “do lar”)67

, essa ocupação só foi registrada quando informada pelo respondente68.

66 Mais especificamente, ocupados são “[...] indivíduos que possuem: a. Trabalho remunerado

exercido regularmente. b. Trabalho remunerado exercido de forma irregular, desde que não estejam procurando trabalho diferente do atual. Excluem-se as pessoas que, não tendo procurado trabalho, exerceram de forma excepcional algum trabalho nos últimos 30 dias. c. Trabalho não remunerado de ajuda em negócios de parentes, ou remunerado em espécie ou benefício, sem procura de trabalho” (PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO NA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR, 2013, p. 9).

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É interessante notar que muitas vezes mulheres que responderam ao questionário e que ficam em casa e que, pelo conteúdo de seu discurso, eram responsáveis pelos cuidados com a casa e seus moradores, disseram que não trabalhavam. Isso sugere que não percebiam as atividades domésticas como trabalho, já que, como se verá adiante, de modo geral, mesmo para elas, trabalho implica necessariamente em remuneração. Mas, igualmente, pode significar que percebem essa ocupação como desvalorizada socialmente e preferem não mencioná-la.

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Ao longo desta tese se procura repetir a fala dos entrevistados e dos respondentes da forma mais fidedigna possível. Embora não se faça uma análise dos discursos com uma perspectiva psicológica, a decisão por manter a construção vocabular dos sujeitos parte da compreensão de que “A linguagem, como produto da coletividade, reproduz através dos significados das palavras em frases

De todo modo, os valores para desempregado e não trabalha foram relativamente pequenos, respectivamente, 10 e 7 casos ou 3,4% e 2,3%. A situação de desemprego foi mais evidenciada entre as pessoas de classes populares. Para não trabalha, os valores absolutos foram equivalentes entre as classes populares e as médias e o número relativo mais importante foi o das (médias) superiores, embora se referisse a apenas um caso.

Salienta-se ainda que a categoria dona de casa foi aqui tomada para avaliação dos fluxos de trabalho visto que se entende que essa é uma atividade que contribui para a reprodução social69. Verifica-se, nesse sentido, que a maior proporção de indivíduos nessa categoria estava nas classes populares e essas mulheres tinham como função “cuidar da filha pequena”, “cuidar da neta” ou da família em geral, o que as impedia, como por elas dito, de voltar a estudar ou trabalhar.

Enfim, em relação ao total de pessoas para as quais se verificam o direcionamento dos fluxos de trabalho, 41,4% participavam das classes populares, 48,2% das médias e 10,5% das (médias) superiores (Gráfico 1).

Gráfico 1. Participação dos ocupados por classe social no total de ocupados. Pitangueiras e Aracui. 2014

Fonte: Pesquisa de campo, jun./dez. de 2014.

os conhecimentos – verdadeiros ou falsos – e os valores associados a práticas sociais que se cristalizaram; ou seja, a linguagem reproduz uma visão de mundo, produto das relações que se desenvolveram a partir do trabalho produtivo para a sobrevivência do grupo social” (LANE, 1985, p.32- 33). Concebe-se que o discurso revela a posição do indivíduo em relação ao outro e como ele e suas relações se inserem no mundo, portanto, remete ainda à seu processo de socialização na âmbito familiar e escolar.

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Essa ideia é retomada no quarto capítulo.

41,4 48,2 10,5 Populares Médias (Médias) Superiores

Ressalta-se que, tal como afirma a teoria e os discursos dos respondentes a corroboraram – de modo geral, a reprodução das condições de vida ocorre de modo particular em cada uma das classes sociais, sendo ensejada, entre as gerações, a transmissão de condições que viabilizam a reprodução da posição social. No entanto, existem situações que diferem da tendência mais comum a uma determinada classe. Nesta pesquisa, verificaram-se casos nos quais as trajetórias familiares denotaram certa ascensão social, o que não indica necessariamente mudança na classe social.

Entre aqueles que estavam na primeira situação, na qual se reproduziam as condições de vida entre as gerações, pode-se citar a família de um senhor, integrante das classes populares. Simpático e sorridente, contou que morava no Aracui há 45 anos. Veio da Praia do Forte, pois, lá era “muito atrasado” e achou que em Lauro de Freitas teria melhores condições para trabalhar. Aos 68 anos, analfabeto, ainda trabalhava. Conforme disse, fez e faz “de tudo um pouco”, “tudo quanto é trabalho”: capinava, “cuidava de bicho”, arrancava e vendia coco na porta de casa. Comentou que embora já tenha “trabalhado de empregado”, “não gostava dessa vida”, pois, nessa condição “[...] nunca tive nada [...] Então disse: - Que nada! Vou trabalhar pra mim”.

Na sua pequena casa, com cinco cômodos, moravam sete pessoas, entre filhos e netos. Mas, não soube dar maiores informações sobre eles: suas idades, se trabalhavam ou estudavam ou onde exerciam suas atividades. Chamou, então, a neta de 13 anos. Foi ela quem disse, com sua concordância ou com algum comentário, algo sobre os demais moradores do domicílio. Essa era, ressalve-se, a única pessoa do sexo feminino entre eles. Cursava 5º ano (série compatível com a idade de 11 anos) numa escola pública próxima. Sobre os demais, citou um rapaz de 16 anos, que frequentava a escola, mas, cuja escolaridade não soube esclarecer. Trabalhava como ajudante de pedreiro, nada certo, quando aparecia algum serviço, ele ia. Além dele e do senhor mencionado, havia mais quatro homens com idades variando entre 18 e 48 anos, entre os quais, o mais escolarizado cursou até a 2ª série.

Dois rapazes que sabiam ler e escrever, porém apenas “uma bobagem”. Eles trabalhavam: um ajudava na descarga de caminhões e o outro era auxiliar de

limpeza, sendo que apenas este tinha carteira assinada. Sobre os outros, “a cachaça não deixa” que eles trabalhem. Quando conseguiam alguma ocupação, era como ajudante de pedreiro ou em qualquer serviço que aparecesse. Ainda havia um filho, de 38 anos, que nunca estudou ou trabalhou: “é doente”. A renda total do domicílio oscila em torno de três salários mínimos, mais a pensão desse último morador que não se soube esclarecer qual é seu valor70.

Noutro domicílio, oriunda de Nova Soure71, uma senhora contou porque se mudara para o Aracui em 2009: “[...] sempre vinha para Salvador e não me adaptei mais no interior”. Desde então, dividia, com sua ex-sogra e o ex-cunhado, uma casa de quatro cômodos que não contava com banheiro no interior do domicílio e, entre os bens duráveis, tinham apenas um fogão e TV – quanto à geladeira, usava-se a da vizinha já que a da família quebrara e não se conseguira comprar outra. Eles a receberam quando veio para Lauro de Freitas junto com seu filho.

Ela estudara até a 3ª série, tinha 38 anos. Disse, com certa alegria, que era a “dona da banca” em que trabalhava, na qual “tirava” mais ou menos R$ 200,00 por mês. Nessa banca, postada próxima a uma escola particular, vendia balas e doces. Estava, na ocasião, preocupada, pois, com as férias do meio do ano, as vendas caiam muito e passava a depender quase que totalmente da bolsa família que recebia em nome do filho, no valor de R$ 216,00. Essa renda era “o certo”. O menino, com 11 anos, estudava num colégio estadual e cursava o 6º ano.

Em relação aos demais moradores da casa, sabiam ler e escrever, mas pouco. O homem estava desempregado e a ex-sogra, “uma batalhadora”, era diarista de uma casa em Ipitanga, “[...] o pessoal gosta muito dela”, serviço pelo qual recebia cerca de R$ 480,00 por mês. Ia andando para o trabalho, saia antes das 6h para chegar no horário e poder voltar cedo7273.

Nessas duas famílias, tomadas aqui como exemplo, o trabalho refere-se à sobrevivência, não permitindo avançar em termos de melhoria nas condições de

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Expressões e informações extraídas de levantamentos de campo realizados entre junho e dezembro de 2014.

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Município do semiárido baiano que, em 2010, registrou cerca de 24 mil residentes.

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Expressões e informações extraídas de levantamentos de campo realizados entre junho e dezembro de 2014.

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Em outubro de 2015, foi aberta uma bomboniere perto da escola mencionada. Desde então, não se encontrou a banca de doces da respondente no bairro ou suas imediações.

existência. Em ambas, três gerações convivem no mesmo domicílio e suas trajetórias não ocasionaram alterações nos modos de agir ou denotam possibilidades de deslocamento ascendente no espaço social.

A situação de outra família encaminha-se no sentido diferente daquelas acima apresentadas. A proprietária da casa mencionou ter comprado o terreno de sua moradia em 1976, para o qual se mudou alguns anos depois. Foi um momento complicado, pois, vinda de uma área central de Salvador, trabalhava vendendo mingau aos passantes, o que era difícil na Lauro de Freitas da época. Mas, em