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1. TREINAMENTO As artes marciais a caminho do teatro

1.9 Aspectos filosóficos

Aristóteles em sua metafísica, afirma que Tales de Mileto e seus discípulos foram os primeiros filósofos. Isso não significa que antes de Tales ninguém refletisse ou ponderasse, e não significa que não houvesse uma literatura rica em mensagens de sabedoria antes dos gregos. Obras clássicas e muito Figura 6 - Imagem de um louva-a-deus. Fonte:

mais antigas do que a bíblia, como os Vedas (livro sagrado da Índia) estão repletas de mensagens de sabedoria às quais muitos se referem como sendo “filosofia oriental” [...]. (DODSWORTH, 2009, p.20)

Inicio esse momento atendo-me a aspectos filosóficos, e não filosofia, como comumente se expressam as pessoas premidas pelo senso comum, ao se remeterem às questões que fundamentam o kung fu. Apesar das discussões suscitadas com relação ao fato de a filosofia ser atribuída aos gregos e somente a eles, é importante lembrar que Arthur Shopenhauer foi o primeiro filósofo ocidental a admitir abertamente ter sido influenciado pela sabedoria oriental referindo-se inclusive às ideias da espiritualidade, além de diversos estudiosos defenderem que a filosofia grega bebeu diretamente da fonte do pensamento oriental. (DODSWORTH, 2009, p.24)

Assumindo postura reflexiva e crítica com relação à contenda evidenciada no que diz respeito ao desenvolvimento de um pensamento criterioso, que constitui o procedimento filosófico, é importante ponderar que imaginar os gregos como simples copistas da sabedoria oriental pode ser um erro do mesmo modo que considerar a cultura e pensamentos orientais supersticiosos, como muitos o fazem. Unir a tradição filosófica ocidental com a sabedoria oriental se revela importante forma de produção de conhecimento.

Durante esta pesquisa, diversos relatos foram colhidos, com instrutores, praticantes e mestre de kung fu, e com os jovens atores que vivenciaram na prática as experimentações propostas.

Roberto Mac Fadden – instrutor de kung fu e capoeira, professor universitário graduado em Psicologia e Mestre em Psicologia Social, ao ser indagado em entrevista sobre a filosofia que está por trás dessa arte, e o modo como ela se aplica na prática das aulas, afirma não crer que haja filosofia nas artes marciais, fazendo uma explanação do sentido que atribui ao termo utilizado:

Não há filosofia em artes marciais. O que existe são fenômenos constituídos, a menos que se utilize um conceito extenso de filosofia. Esse conceito extenso atendo-se aos modelos, primeiro da filosofia grega, que tem a ver com a construção do espanto e do indagar-se a respeito da realidade. A filosofia é um ato de pensamento, um ato da construção de um cenário que indaga o porquê da origem das coisas, a partir de algo que é dado e que acontece.

O kung fu é uma disciplina, ele encerra tradições culturais, que são carregadas de ensinamentos, de pedagogias várias, de cada uma dessas disciplinas em momentos históricos que atravessam gerações. [...] O kung fu é uma sabedoria, não uma filosofia.

Afirmo isso, porque quando se fala do kung fu e da filosofia que o alicerça, quero diferenciá-lo da filosofia que em geral apresenta as artes marciais,

espécie de explicação meio budista, meio taoísta a respeito dessa movimentação, mas que eu acho que tira um pouco do contexto, e constrói uma espécie de mitologia, não de filosofia propriamente dita.

Já mestre Amaral (2008, p.18), afirma no material do curso de formação de instrutores que:

A filosofia é um belíssimo estudo que constitui a base da arte, é a parte equilibrante entre o corpo físico, o espírito e o saber viver. É o questionamento, a busca, a compreensão de si próprio e de todas as coisas, é o aprendizado incessante, que nunca termina, dando ao homem serenidade, paciência, perseverança, sabedoria e longevidade.

É importante esclarecer que, ao tratar de questões filosóficas, não pretendo trazer o conceito de filosofia no sentido de uma investigação crítica e racional dos princípios fundamentais do kung fu, mas fazer menção a alguns aspectos que influenciaram a origem e regem sua essência.

Por ser a filosofia caracterizada em uma área do conhecimento de extensa abrangência, que remete à construção do pensamento desenvolvido desde os gregos da antiguidade, e que não será aqui abordada, utilizarei o termo bases ou aspectos filosóficos.

A manifestação fundamental do Tao é a energia ou chi. Segundo o raciocínio dos sábios, quando o chi passou a existir, o universo se dividiu em luz e trevas, calor e frio, rigidez e maleabilidade, e todas essas complementaridades resumiram-se nas duas polaridades cósmicas chamadas

yin e yang. Além disso, uma vez operada essa separação, as infinitas

separações que passaram a ocorrer entre o yin e o yang produziram essa grande maravilha que é o universo em existência ou em ato.

Quando os taoístas voltaram sua atenção para as características mais exteriores do cosmos e para os seres que o povoam, fizeram uso de concepções muito semelhantes para determinar quais os elementos básicos da vida e do ser neste mundo. (REID e CROUCHER, 2004, p.111)

Criado e desenvolvido a partir de bases filosóficas que contribuíram de maneira contundente para o desenvolvimento da cultura e do pensamento chineses - o Taoísmo, o Budismo (Zen), e o Confucionismo - o kung fu traz em seu escopo uma riqueza singular, tanto no que diz respeito à elaboração e execução dos movimentos, quanto aos pensamentos que estão por trás desse corpo epistêmico em permanente movimento. Abordo as mencionadas bases filosóficas de modo simplificado, a fim de esboçar a essência de cada pensamento, para que se tenha a compreensão tanto do caminho seguido na formação de um kungfuísta, quanto

dos elementos que puderam ser utilizados no trabalho de preparação de atores no processo de criação.

O taoísmo nos chega por meio da obra de Lao-Tsé chamada Tao Te Ching, livro escrito por volta de 600 a.C., que influenciou o budismo Zen, constituindo a essência filosófica religiosa do taoísmo, na qual tao significa caminho ou vida. O taoísmo prega que o homem viva em harmonia com a natureza e descubra “[...] a observação atenta e a assimilação íntima dos seres e acontecimentos do mundo natural” (REID e CROUCHER, 2004, p.110), aspecto que se aproxima do kung fu, já que a maior parte de seus movimentos surgiu da observação dos animais.

Lao-Tsé foi contemporâneo de outro filósofo chinês, Kong-Fu-Tse ou Kung-Fu-Tsé (latinizado: Confúcius), conhecido como Confúcio, elaborou uma filosofia moral/social, conhecida como confucionismo. Entre as preocupações do confucionismo estão a moral, a política, a pedagogia e a religião.

Mestre Amaral, ao abordar a questão do caminho (Tao), relacionado à prática dos treinos traz a meditação como um meio eficaz de acalmar a mente, acreditando que, por meio dela, é possível revelar uma compreensão para os grandes questionamentos e problemas da vida. Comenta sobre um dos ensinamentos de Buda, denominado “caminho do meio”. Esse caminho é ilustrado pela figura que representa o yin e o yang, na qual esses dois pólos aparentemente opostos devem estar em equilíbrio, nenhum prevalecendo sobre o outro, mostrando ao praticante a importância da harmonia e da ordem natural das coisas. Ta-Mo, em seu caminho, incentivou a meditação para acalmar a mente, pois acreditava que somente com a mente calma era possível ter uma verdadeira compreensão sobre as questões da vida e do próprio ser no mundo.

Dessa forma propõe, em alguns treinos, uma meditação que deve seguir dez recomendações básicas:

1. Sem objetivo – não tenha objetivo ou qualquer expectativa de ganhar algo com a prática