• Nenhum resultado encontrado

1. TREINAMENTO As artes marciais a caminho do teatro

1.3 O caminho de Bodhidharma: pintando o olho do Daruma

Um dos testemunhos mais antigos da existência das artes marciais, a ser levado em conta, é dado por duas peças babilônicas datadas entre 3000 e 2000 a.C. Ambas são representações de dois homens em posição de luta. O braço de um deles está na característica posição de bloqueio que é usada nas artes marciais modernas. A outra peça é uma estatueta na qual dois homens lutam, um segurando o cinto do outro. Trata-se de uma forma de luta reconhecida com o que hoje chamamos de Sumô, uma luta bastante desenvolvida no Japão. O que temos por certo é que a arte marcial que chegou ao Oriente, vinda do Crescente Fértil,7 era primitiva, e só na Índia e

na China é que começou o desenvolvimento que culminou nos sofisticados sistemas de hoje em dia. (REID e CROUCHER, 2004, p.22)

O crescimento e disseminação das artes marciais advêm de histórias transmitidas oralmente. Certos fragmentos de informações, tirados das antigas tradições artísticas e literárias da China e da Índia, indicam que as artes marciais começaram a se desenvolver nessas civilizações, em algum momento entre o século V a.C., quando começou a manufatura de espadas em grande quantidade na China, e o século III d.C., em que os exercícios nos quais se baseiam as artes marciais teriam sido escritos pela primeira vez.

6 Na prática das artes marciais existem duas situações para o aprendizado: o aprendizado entre mestre

e discípulo e entre professor e aluno. Atualmente o que mais prevalece é a relação professor aluno, na qual está implícita uma contratação para transmissão de técnicas. No caso do discípulo, o ensinamento transcende a qualquer questão financeira, ganhando um sentido de compartilhamento íntimo de um aprendizado que deverá ser levado para toda a vida. É essa segunda acepção que devemos ter em mente sempre que for citada a relação do mestre com seu discípulo.

7 O Crescente Fértil é uma região do Oriente Médio compreendendo os atuais Israel, Cisjordânia e

Líbano, bem como partes da Jordânia, da Síria, do Iraque, do Egito e do sudeste da Turquia. O termo “Crescente Fértil” foi criado pelo arqueólogo James Henry Breasted, da Universidade de Chicago, em referência ao fato de o arco formado pelas diferentes zonas assemelhar-se a uma lua crescente. Trata- se de uma região de terra bastante fértil, por ser banhada pelos rios Nilo, Tigre e Eufrates e considerada o berço de antigas civilizações.

A China ocupa, ainda hoje, uma posição de destaque no desenvolvimento das artes marciais. A história mais conhecida que nos remete a essa origem e que é reconhecida como o que nos revelará, mais tarde, o kung fu, é a história de Bodhidharma.

A lenda que chega até nós, relatada por mestres e praticantes de kung fu e encontrada nos livros, é a de que, por volta do ano de 520 da era Cristã, um monge indiano, supostamente nascido na região de Madras, atravessou as fronteiras da China chegando à cidade de Kuang (atual Cantão) através do caminho da seda. Ele era considerado o 28º patriarca do budismo e ficou conhecido pelo nome de Bodhisatva Avalokitesvara Bodhidharma e teria influenciado de maneira marcante a filosofia chinesa e as artes marciais. Seu objetivo com essa viagem era o de difundir o budismo na região. Após breves estadias em Nankin e Loyang, Bodhidharma, ou TaMo, como era conhecido na China, radicou-se no Templo Shao Lin8. Ao chegar nesse templo, entregou-se a um período de meditação que durou nove anos, durante os quais meditou sentado frente a um muro. Após esse período de recolhimento interior, compreendeu que a única maneira de se atingir a “iluminação” era praticando a meditação, e que todos os ensinamentos de Buda transmitiam e incentivavam essa prática. Sua conclusão e ensinamentos produziram um renascimento do budismo denominado método de dhyanna, que

8 O Templo Shao Lin, situado nas planícies da China, imprimiu ao mundo uma marca que poucos

lugares deixaram, podendo ter como seu correspondente no ocidente Atenas, com sua influência no pensamento de várias gerações. Assim como Atenas para o Ocidente, o templo Shao Lin influenciou a filosofia no oriente, especialmente pela criação e disseminação do Budismo Zen.

Figura 3 - Figura pintada por Mestre Hung. Essa imagem representa Bodhidharma acima de uma cadeia de montanhas, rodeando-o estão representados os doze animais que teriam sido observados pelos taoístas e que influenciaram a criação de movimentos marciais. Fonte: (REID e CROUCHER, 2004, p.111)

por razões de fonética os chineses chamam de ch’anna ou ch’an, também conhecido como Budismo Zen no Japão.

Para que os monges do templo conseguissem suportar os rigores da vida religiosa, tais como horas de meditação sentados em uma mesma posição, Bodhidharma ensinou-lhes determinados exercícios e técnicas de respiração que são considerados as bases das artes marciais modernas. Assim, Bodhidharma não foi o criador do kung fu, mas suas experimentações chegam a nós como uma recodificação do que conhecemos como arte marcial. Como a maioria das artes marciais deriva direta ou indiretamente do kung fu, Bodhidharma ou, como o chamam os japoneses, Daruma, ou ainda TaMo, é considerado o “padroeiro” das artes marciais.

A figura do Daruma, até os dias atuais, faz parte de crença folclórica no Japão – representando um dos mais populares talismãs da sorte. Trata-se de bonecos arredondados,

feitos em diversos tamanhos, de madeira ou papel-marchê. O corpo é pintado de vermelho não possuindo braços ou pernas, o rosto é branco com barba e bigode e seus olhos não tem pupila.

No primeiro dia do ano, geralmente, os japoneses fazem um pedido ao Daruma pintando lhe uma das pupilas; ao ter o pedido realizado o outro olho é pintado. O Daruma é símbolo

de perseverança, flexibilidade e determinação.