• Nenhum resultado encontrado

2 AS VOGAIS NO PORTUGUÊS: ASPECTOS FONOLÓGICOS E

2.2 ASPECTOS FONÉTICOS

2.2.1 Distinções fonéticas entre PB e PE em posição acentuada

Conforme apresentado na Seção 2.1, assim como proposto por Câmara Jr. (1970, p. 33), para Mateus e Andrade (2000, p.17), o vocalismo tônico do português considera a existência de sete vogais no nível fonológico, a saber: /a/, /e/, /o/, /Ԑ/, /ᴐ/, /i/, /u/. Em PE há, entretanto, a possibilidade de encontrarmos, no nível fonético, a vogal acentuada [ ], afirmação corroborada pelo resultado da análise de espectrogramas obtidos a partir da fala de informantes adultos falantes do português de Lisboa, realizada por Delgado-Martins (2002, p. 50). Conforme a autora, com base nos valores médios de vogais orais tônicas, o PE conta, no nível fonético, com oito vogais que podem ocupar a posição acentuada, a saber: [i, e, ɛ, a, , ɔ, o, u]. A Figura 1 representa a classificação acústica apresentada pela autora.

Figura 1 – Triângulo Acústico das Vogais Orais Tônicas do PE

Fonte: Delgado-Martins (1973, p.101)

Conforme Matos e Silva (2006), a principal diferença entre português europeu e brasileiro com relação às vogais acentuadas está, exatamente, na oposição entre [a] e [ ], isto é, entre a vogal central e a vogal central média, respectivamente. Um exemplo claro do português europeu é, segundo a autora, a produção de p[a]ra, verbo, opondo-se a p[ ]ra, preposição, fato não registrado na literatura em linguística sobre o PB.

2.2.2 Distinções fonéticas entre PB e PE em posições átonas

O sistema vocálico não acentuado é o que apresenta as maiores diferenças entre os falares das duas variedades em estudo. Tal fato não é novidade, visto o conhecimento de que são as vogais átonas mais suscetíveis a alterações, enquanto as vogais portadoras de acento tendem a ser preservadas.

Segundo Matos e Silva (2006), em breve síntese sobre as divergências no sistema vocálico de PB e PE, as vogais pretônicas ([i], [e], [Ԑ], [a], [ᴐ], [o], [u]) e postônicas ([i], [e], [a], [o], [u]) do português brasileiro são mais perceptíveis, enquanto no português europeu são suscetíveis ɲ processos de “enfrɲquecimento”, como o desvozeɲmento, ou de ɲpɲgɲmento. Entre as vogais relacionadas por Mattos e Silva como possíveis em posições não acentuadas, as vogais [Ԑ] e [ᴐ], que aparecem apenas em posição pretônica, são variantes encontradas em alguns dialetos do português brasileiro, em que se pode registrar produções como p[ɛ]dido e p[ɔ]ssível.

Enquanto o PB tende à produção “mɲis perceptivɲ” dɲs vogɲis átonɲs, os fɲlɲntes do PE aplicam, segundo Mattos e Silva (2006), regras de centralização e alçamento, tornando-as praticamente imperceptíveis ao falante de outra variedade ou outra língua. Conforme a autora, são vogais recorrentes em posições átonas no PE [i], [ɨ], [ ] e [u].

Ao encontro do que foi proposto por Mattos e Silva (2006), Mateus e Andrade (2000, p. 39) afirmam que as vogais átonas podem ser neutralizadas, reduzidas ou ainda não realizadas foneticamente, mas apontam esse último fenômeno como uma particularidade do PE, visto que em PB apenas ocorrem a neutralização e a redução. Seguindo a mesma proposta com relação às posições não acentuadas, Mateus e Bacelar (2005) afirmam que, no nível fonético em PE, torna-se evidente a redução das vogais átonas e a existência da vogal central alta não-arredondada [ɨ]. A vogal mencionada é, também, uma especificidade do PE e, conforme as autoras, frequente alvo de regras de apagamento.

Mateus e Andrade (2000, p. 18) apresentam as vogais possíveis em cada uma das posições não acentuadas no português, ressaltando as distinções entre a variedade brasileira e a variedade europeia. Assim, tem-se que, na pauta pretônica, é possível registrar as vogais [i, o, u, a, e] em PB e [i, u, ə, ɨ] em PE, conforme representado em (13) a seguir.

(13)

PB PE

[i] – mirar [mi’ɾaɾ] [i] [mi’ɾaɾ] [o] – morar [mo’ɾaɾ] [u] [um’ɾaɾ]

[u] – murar [um’ɾaɾ] [u] [um’ɾaɾ] [a] – pagar [pa’gaɾ] [ ] [p ’gaɾ] [e] – pegar [pe’gaɾ] [ɨ] [pɨ’gaɾ]

Com relação à postônica não final, Mateus e Andrade afirmam existir em PB as vogais [i, u, a, e], enquanto para PE apresentam as vogais [i, u, , ɨ], conforme exemplificado em (14) a seguir.

(14)

PB PE

[i] – dúvida [ duvid ] [i] [ duvid ] [u] – pérola [ pɛɾul ] [u] [ pɛɾul ] [u] – báculo [ bakulu] [u] [ bakulu]

[a] – ágape [ agapi] [ ] [ ag pɨ] [e] – cérebro [ sɛɾebɾu] [ɨ] [ sɛɾɨbɾu]

Finalmente, Mateus e Andrade (2000, p. 18) atribuem à posição postônica final as vogais [i, u, ], para a variedade brasileira, e [i, ɨ, u, ], para a variedade europeia do português. Os exemplos apresentados em (15), a seguir, representam as ocorrências das vogais supracitadas na posição átona final em cada uma das variedades em estudo.

(15)

PB PE

[i] júri – [ ʒuɾi] [i] – [ ʒuɾi] [i] jure – [ ʒuɾi] [ɨ] – [ ʒuɾɨ] [u] juro – [ ʒuɾu] [u] – [ ʒuɾu] [ ] jura – [ ʒur ] [ ] – [ ʒuɾ ]

Conforme salientado na Seção 2.1 deste capítulo, a ausência de [o] na posição postônica não-final e de [e] e [o] na postônica final, segundo proposta de Câmara Jr. (1970) corroborada por Mateus e Andrade (2000), não pode ser tomada como generalidade do PB, visto que o estudo de Vieira (2002), sobre o português falado no estado do Rio Grande do Sul, registra a ocorrência de produções como pér[o]la para pérola, jur[o] para juro e jur[e] para

jure. Assim, ressalta-se que, em termos gerais, o PB apresenta as vogais [i, e] e [u, o] nas duas

Embora, como generalidade, seja apontada a ausência das vogais [e] e [o] em posição átona na variedade europeia da língua em estudo, Mateus (2003, p.1014) revela que a produção da redução das vogais supracitadas poderá ser variável em inícios absolutos de palavras, como nos itens lexicais obreiro, olhar, ermida, elefante. Tal posição é corroborada pelo levantamento de ocorrências apresentado pelo Centro de Linguística da Universidade do Porto (CLUP), a partir de coleta em entrevistas de experiência pessoal do Arquivo Dialetal do CLUP (2012, p. 03), em que, além das exceções de início absoluto apontadas por Mateus (2003), foram registrados outros casos em que não há a redução da vogal átona, como no item lexical pequeno → pe’ enu]. O registro de produção das vogais átonas [e] e [o] em variedades do PE é relevante para a identificação dos contextos vocálicos possíveis na segunda posição considerada para o estudo do fenômeno que será tratado nesta pesquisa. Espera-se, pois, verificar, na amostra representativa do Porto, ocorrências em que a vogal em posição inicial do segundo vocábulo envolvido no processo de elisão não tenha sofrido a redução apresentada como regra geral.

Considerada uma das principais divergências entre as pautas vocálicas das variedades brasileira e europeia da língua portuguesa, a vogal [ɨ] merece atenção nesta seção, visto que, além de não ser recorrente em produções da variedade brasileira da língua, é frequentemente apagada em PE quando em posição átona final, contexto foco desse estudo. Conforme Delgado-Martins (2002) a partir de referências acústicas, a vogal [ɨ], cuja intensidade e duração variam de acordo com o grau de abertura e tonicidade, sempre poderá ocorrer em posição átona em PE. É o status não fonológico que, segundo Andrade (1987), condiciona as suas características acústicas, estando entre as mais interessantes a tendência ao desvozeamento ou mesmo à elisão. O pesquisador afirma ainda, que os dados existentes indicam que as vogais altas recuadas [ɨ] e [u] tendem ao desvozeamento com maior frequência do que a vogal alta [i]. Delgado-Martins (1983) corrobora a afirmação de Andrade (1987), propondo que vogais em posição átona final, principalmente [ɨ] e [u], tendem a ensurdecer. A autora acrescenta ainda que a precedência de uma consoante oclusiva à vogal é contexto favorecedor à aplicação do referido ensurdecimento.

Abordados os principais aspectos do vocalismo no português, a seção 2.3, a seguir, trata dos aspectos fonológicos do fenômeno em foco neste estudo: o processo de elisão. Além do funcionamento da regra, discutem-se as principais restrições e condicionamentos para a aplicação da regra.