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2 AS VOGAIS NO PORTUGUÊS: ASPECTOS FONOLÓGICOS E

3.1 FONOLOGIA PROSÓDICA

Para dar conta de organizar as estruturas prosódicas que constituem um enunciado fonológico, as abordagens propostas por Selkirk (1984) e Nespor e Vogel (1986) não atuam de forma autônoma, uma vez que é necessário acessar outros níveis gramaticais, como a sintaxe, para que seja possível estabelecer uma definição das estruturas fonológicas relevantes. Ainda que as duas propostas supracitadas sejam consagradas, para o seguimento da análise a que esta tese se propõe, é necessário verificar, entre as duas abordagens, qual a mais adequada à metodologia a ser aplicada no decorrer desta tese.

O modelo de Selkirk (1984) propõe que, para a organização da hierarquia prosódica, a relação entre fonologia e sintaxe seja mínima, em que a fonologia apenas recorra à sintaxe para a obtenção de informações sobre as fronteiras estabelecidas por constituintes sintáticos através da direção direita/esquerda. Assim, a interface seria baseada em limites, ou seja, a relação entre a estrutura sintática e a estrutura prosódica acima do pé e abaixo da frase

entonacional é definida em termos das extremidades dos constituintes sintáticos de tipos designados. O modelo é representado conforme apresentado em (19) a seguir.

(19)

Utt (Utterance) Enunciado

IP (Intonational Phrase) Sintagma Entoacional PPh (Phonological Phrase) Sintagma Fonológico PWd (ProsodicWord) Palavra Prosódica

Ft (Foot) Pé σ (Syllable) Sílaba

É importante salientar que o modelo de Selkirk (1984) não apresenta uma proposta referente ao grupo clítico, classificando todas as estruturas do tipo na escola como palavras prosódicas. Ainda que sejam considerados os domínios da frase fonológica e da frase entonacional para a classificação das ocorrências registradas para a presente pesquisa, o grupo clítico é um constituinte relevante para o tratamento do fenômeno em estudo, visto que, sob o domínio de uma mesma frase fonológica, é possível ocorrer uma organização hierárquica entre clítico e seu hospedeiro, a partir da qual pode resultar o apagamento da vogal final em primeira posição. Na proposta de Selkirk (1984) não está, pois, postulada a existência de um constituinte relevante para o fenômeno aqui contemplado.

Diferente de Selkirk (1984), Nespor e Vogel (1986) argumentam que a relação entre sintaxe e fonologia possa ir além das considerações quanto à direção para que seja possível definir a estrutra prosódica de enunciados falados, sejam eles espontâneos ou obtidos a partir de leitura. As autoras consideram o chamado método relation-based, caracterizado pelo acesso à informação sobre a relação núcleo/complemento. Cabe ressaltar que não há, em nenhuma das duas abordagens apresentadas (SELKIRK, 1986; NESPOR e VOGEL, 1986), uma relação isomórfica, em que constituintes sintáticos e prosódicos sejam equivalentes.

O fato de não haver em Selkirk (1986) referência à previsão de estruturas geradas a partir de fala espontânea, somado à falta de uma proposta para a classificação de estruturas com a presença do clítico, contribuiu para a decisão de não se trabalhar com base neste modelo para a previsão da estrutura prosódica das ocorrências que constituíram o corpus desta tese. Assim, após considerações sobre as duas prospostas mais relevantes dentre os estudos de Fonologia Prosódica e a associação ao tema em estudo nesta pesquisa, conclui-se que o modelo mais adequado para o trabalho proposto é o de Nespor e Vogel (1986), em que, a partir de sentenças hipotéticas, as autoras consideram a relação núcleo/complemento para o

agrupamento prósodico das estruturas e admitem a aplicação à fala espontânea. Os pressupostos fundamentais da teoria serão apresentados na subseção a seguir.

3.1.1 Nespor e Vogel (1986): previsão das estruturas prosódicas

Conforme já esclarecido na introdução do capítulo, os estudos que antecedem a presente pesquisa, os quais serão discutidos na Seção 3.1.2, apontam a estrutura prosódica como relevante condicionamento para a ocorrência do apagamento de vogais em fronteira de vocábulos. O encaminhamento da análise variacionista que levará aos resultados da pesquisa prosposta depende, pois, de uma discussão aprofundada não só sobre o modelo teórico considerado como mais adequado ao estudo, como também acerca da aplicação do modelo em ocorrências de fala espontânea. Ainda que construído com base em estruturas sintáticas hipotéticas, o modelo apresentado por Nespor e Vogel (1986) propõe uma estrutura arbórea em que constituintes prosódicos são hierarquicamente organizados em uma relação de cabeça/complemento, sempre possível em ocorrências de fala espontânea.

Considerando a estrutura arbórea já referida, o modelo foi construído com base em uma relação hierárquica que prevê níveis superiores nos quais estão contidas estruturas imediatamente menores. É da organização dos níveis mais baixos da hierarquia para a formação dos níveis mais elevados que resultam as fronteiras prosódicas, sob as quais o processo em estudo revelou sensibilidade em análises propostas pelos estudos anteriores (BISOL, 1996, 2002; FROTA, 1998, TENANI, 2002). A hierarquização dos constituintes prosódicos, assim nomeados os níveis que compõem a hierarquia prosódica prosposta, obedece a quatro principios fundamentais, apresentados em (20).

(20)

P1- XP contém uma ou mais unidades XP ‾¹. P2- XP ‾¹ está contida exaustivamente em XP. P3- Ramificação n-ária dos constituintes.

P4- Proeminência: 1 nó é forte e todos os outros são fracos.

Respeitados os princípios estabelecidos em (20), a representação arbórea da fonologia prosódica, apresentada em (21), tem como base a sílaba (σ), menor constituinte presente na hierarquia, seguida pelo pé (∑), constituinte formado por sílabas, em que uma apresenta maior proeminência ao estabelecer uma relação de dominância sobre a(s) outra(s), considerada(s) mais fraca(s). A seguir está a palavra fonológica (ω), cuja estrutura é formada por um ou mais

pés; caso haja mais de um pé, no português, o domínio está sob o pé mais à direita. É a partir de uma palavra fonológica que se define o constituinte prosódico chamado de grupo clítico (C), caracterizado pela dominância de uma palavra de conteúdo sobre um ou mais clíticos.

Imediatamente acima de (C) na hierarquia representada em (21), a frase fonológica (Φ) é constituída por um ou mais grupos clíticos. Conforme Nespor e Vogel (1986), em línguas como o português, com recursividade à direita, o cabeça da frase fonológica é, também, o mais forte à direita. Por frase entonacional (I) tem-se o constituinte formado por uma ou mais frases fonológicas, cujos finais ocorrem em posições passíveis da inserção de pausas. Já o enunciado (U) é o constituinte mais alto da hierarquia prosódica, formado por uma ou mais frases entonacionais. Sua identificação é mais facilmente relacionada à estrutura sintática, já que tem suas bordas inicial e final diretamente relacionadas ao início e ao fim do constituinte sintático Xⁿ. A estrutura arbórea apresentada em (12), a seguir, adaptada da proposta de Nespor e Vogel (1986), representa a hierarquia prosódica.

(21)

A organização das estruturas a partir de uma relação hierárquica, em que os níveis superiores abrangem estruturas imediatamente menores, e a condição de a relevância para o estudo proposto estar principalmente relacionada à sensibilidade do processo às fronteiras prosódicas foram determinantes para se verificar que não há necessidade de considerar

fronteiras prosódicas estabelecidas abaixo da frase fonológica, pois i) o processo deve ocorrer entre dois itens lexicais, o que desconsidera a ocorrência sob o domínio da sílaba e do pé; ii) ainda que possa ocorrer no interior da palavra fonológica, nos casos em que a estrutura em foco é formada a partir da relação de dominância de uma palavra de conteúdo sobre o grupo clítico, não há indícios de que este domínio seja bloqueador ao processo (BISOL, 1996; FROTA, 1998; TENANI, 2002); iii) ao se considerar estruturas em que o contexto esteja dentro da mesma frase fonológica, em fronteira de frases fonológicas e em fronteiras de frases entonacionais, abrange-se todas as possibilidades de ocorrências do fenômeno no que diz respeito ao domínio prosódico, conforme determinam os quatro princípios fundamentais para a configuração dos constituintes.

Associando, pois, o modelo ao presente estudo, os exemplos apresentados em (22) representam a aplicação da teoria para a classificação dos domínios prosódicos em ocorrências das entrevistas de experiência pessoal. Cabe ressaltar, mais uma vez, que a decisão foi a de considerar as fronteiras prosódicas previstas com base na relação entre sintaxe e fonologia, sobre a qual se constrói a proposta de Nespor e Vogel (1996).

(22)

a) Mesma Frase Fonológica

[O carro elétrico] ϕ [partia cedo]. – Informante 03/PE b) Fronteira de Frases Fonológicas

[Nossa casa] ϕ [era muito pequena]. – Informante 10/PB c) Fronteira de Frases Entonacionais

[Era uma escola rígida] I [onde se aprendia]... – Informante 17/PE

Com base nos exemplos acima expostos, a sentença apresentada em a) representa o tipo de ocorrência em que os dois vocábulos envolvidos foram classificados como pertencentes à mesma frase fonológica. Cabe ressaltar que a cadeia de fala resultante de uma elocução espontânea prevê a consideração de frases fonológicas reestruturadas dentre as ocorrências assim classificadas, bem como a estrutura que a exemplifica em (22). O exemplo apresentado em b) representa as ocorrências em que o contexto para a aplicação do apagamento está em fronteira de frases fonológicas, ou seja, o vocábulo em primeira posição, portador da vogal final candidata ao apagamento, pertence a uma frase fonológica, enquanto o vocábulo em segunda posição pertence à frase fonológica seguinte. Por fim, em c) estão representadas as estruturas em que o contexto para a aplicação do fenômeno em estudo é

formado por um vocábulo em primeira posição ao final de uma frase entonacional, enquanto o segundo vocábulo inicia a frase entonacional imediatamente a seguir. Logo, estão contempladas dentre estas três classificações todos os domínios relevantes para a ocorrência de elisão.

Cabe ressaltar que Nespor e Vogel (1986) consideram o funcionamento da proposta em fala espontânea a partir de uma taxa de elocução normal, ou seja, em que o falante produza sentenças em uma taxa que não seja artificialmente lenta ou artificialmente rápida. Tal proposta teórica embasou as pesquisas de Bisol (1996), Frota (1998) e Tenani (2002), cujos resultados serão abordados em 3.2.