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O papel da fronteira prosódica para a aplicação da regra de elisão

2 AS VOGAIS NO PORTUGUÊS: ASPECTOS FONOLÓGICOS E

3.2 CONSIDERAÇÕES PROSÓDICAS SOBRE A ELISÃO

3.2.1 O papel da fronteira prosódica para a aplicação da regra de elisão

Além de considerações rítmicas que dizem respeito ao acento das vogais envolvidas no processo de elisão, conforme a revisão apresentada no Capítulo 2, Bisol (1996) atenta para a relevância da estrutura prosódica em que estão inseridos os vocábulos em foco, apresentando uma questão que conduz à discussão proposta no estudo, ɲ sɲɳer: “Quɲl o domínio prosódico de sândi?”. Tomɲndo o grupo clítico como o nível mɲis ɳɲixo dɲ hierarquia proposta por Nespor e Vogel (1986) em que podem ocorrer fenômenos de sândi, como a elisão, a autora afirma que “as regras de sândi externo encontram no grupo clítico

um contexto favorável de aplicação, como se o clítico fosse uma palavra independente”(BISOL, 1996, p. 69). Para tanto, o clítico tem de ser interpretado como uma

palavra fonológica que, quando submetida à reestruturação silábica provocada pelos fenômenos em questão, perde a sua independência, tornando-se parte da palavra lexical adjacente.

Também na frase fonológica (Φ), segundo Bisol (1996, p. 71), os fenômenos de ressilabificação, como a elisão, encontram seu contexto. Por ser uma unidade prosódica constituída por um cabeça lexical, em cujo lado recursivo podem ser congregados elementos como palavras fonológicas e grupos clíticos, a reestruturação é um recurso disponível neste constiuinte. O ambiente é, conforme a autora, contexto para a aplicação de fenômenos de sândi. Assim como na frase fonológica, a frase entonacional (I), nível subsequente, é reconhecida por Bisol (1996, p.72) como área de atuação de fenômenos de sândi.

Ainda foi considerada por Bisol (1996, p.73) a ocorrência de fenômenos de sândi diante da reestruturação de enunciados (Us). Para tanto, dois tipos de condições têm de ser,

obrigatoriamente, atendidas, a saber: condições pragmáticas e condições fonológicas. Conforme Nespor e Vogel (1986, p.240), as condições pragmáticas das quais dependem a reestruturação de Us determinam que: a) as duas sentenças sejam produzidas pelo mesmo falante; b) as duas sentenças sejam proferidas ao mesmo interlocutor. Já as condições fonológicas apontadas determinam que: a) as duas sentenças devem ser relativamente curtas; b) não pode haver pausa entre as duas sentenças.

A fim de ilustrar as possibilidades de reestruturação e a ocorrência de sândi entre tais estruturas, Bisol (1996, p.73) ofereceu os exemplos apresentados em (23) a seguir.

(23)

a. Sem sândi

[Sim, passar passa] U [Agora ocupa a estrada inteira]U b. Com sândi

[Sim, passar passa agora ocupa a estrada inteira]U [Sim, passar pa sa gɔ ro ku pays tra din tey ra]U

Após a verificação em todos os níveis, desde C até U, a conclusão do estudo de Bisol (1996), a respeito do domínio prosódico de sândi, é de que, satisfeitas as condições acentuais, apresentadas no Capítulo 2, e as condições de reestruturação supracitadas, as regras podem ocorrer no interior dos constituintes ou entre eles, em todos os níveis da hierarquia prosódica em que haja uma sequência de palavras fonológicas.

Em seu estudo de 2002, entretanto, ao considerar a variação do processo de elisão em Porto Alegre – RS, a autora admite que, embora os exemplos sejam possíveis em todos os níveis da hierarquia prosódica, ϕ é o contexto relativamente mais acessível ao processo, se comparado ao domínio de C. Cabe ressaltar que, como ϕ, Bisol (2002, p.243) considerou todos os constituintes hierarquicamente superiores a C. Tal metodologia se difere do que propõe o presente estudo, pois o objetivo aqui é investigar a ocorrência do processo quando o contexto é estabelecido em fronteiras de frase fonológica e de frase entonacional, em comparação à ocorrência no interior da ϕ.

Embora à luz de metodologia distinta, a da Fonologia Laboratorial, Tenani (2002) também investigou o domínio prosódico de sândi no português do Brasil. Conforme a autora, a construção das sentenças, posteriormente lidas por informantes orientados a seguir uma

produção mais próxima ao que considerassem uma fala espontânea e fluente, foi baseada na proposta teórica da Fonologia Prosódica (NESPOR e VOGEL, 1986).

Ainda que o estudo de Tenani (2002) tenha contemplado a análise referente ao domínio de outros fenômenos de sândi, como a haplologia e a degeminação, para o presente estudo interessa retomar a abordagem referente aos contextos em que há a possibilidade de aplicação da elisão.

O sândi entre vogais de qualidade distinta foi atestado por Tenani (2002) em todas as fronteiras prosódicas já previstas pelo estudo de Bisol (1996) e considerou dois contextos, a saber: /a+o/ e /o+a/. Os resultados da análise para o primeiro contexto, /a+o/, apontam, conforme a autora, maior tendência à aplicação da elisão, em detrimento da ditongação, menos frequente na amostra. A análise do segundo contexto, /o+a/, entretanto, revelou tendência à aplicação da ditongação. Tais resultados não surpreendem, se considerada a afirmação de Bisol (1996) referente ao fato de que a elisão é mais recorrente em PB quando a vogal candidata ao apagamento é /a/ e a vogal subsequente [+posterior]. Os exemplos em (24) i) e ii) ilustram os contextos considerados por Tenani (2002, p. 178) para as sequências /a+o/ e /o+a/ em todos os níveis prosódicos atestados.

(24) i) /a+o/

a) Mesma frase fonológica – [A laranja holandesa] ϕ ... b) Fronteira de frases fonológicas – [A laranja] ϕ [obteve]...

c) Fronteira de frases entonacionais – [Somente dando laranja,] I [obtiveram resultados na campanha.]

d) Fronteira de enunciado – [Fábio chupou laranja.] U [Osvaldo tomou sorvete.] ii) /o+a/

a) Mesma frase fonológica – [O pêssego amarelo] ϕ...

b) Fronteira de frases fonológicas – [O pêssego] ϕ [apresentou] boa produtividade. c) Fronteira de frases entonacionais – [Somente dando pêssego,] I [apresentaram

bons resultados na campanha.]

d) Fronteira de enunciados – [O Pedro comprou pêssego.] U [Alegaram falta de provas.]

Ainda que o resultado referente à frequência da regra na amostra seja relevante para discussões posteriores, a relação da aplicação com a fronteira prosódica é o que mais interessa para o seguimento do presente estudo. Conforme Tenani (2002, p. 178), o sândi, neste caso,

elisão ou ditongação, ocorreu em todas as fronteiras previstas, sendo bloqueado apenas diante de pausas, as quais foram registradas somente quando o contexto estava em fronteiras de I ou de U. Tal resultado também não surpreende, visto que a pausa destrói o contexto prosódico para aplicação de processos de sândi, e as fronteiras de I e de U apresentam como características, conforme Nespor e Vogel (1986), o fato de serem ambientes em que pausas podem ser introduzidas.

Após as considerações sobre os dois estudos que tratam do domínio prosódico de sândi no PB, cabe refletir sobre a condição de relevância das fronteiras previstas para a realização de sândi na fala espontânea. O primeiro estudo, de Bisol (2002), não distingue fronteiras prosódicas acima da frase fonológica, ou seja, não há como discutir, a partir dos resultados obtidos, a relevância das fronteiras de Is e Us. Além disso, ao se apontar o domínio da ϕ como preferencial em comparação apenas ao domínio de C, pode-se estar sujeito ao viés causado pela influência de outro condicionamento do fenômeno discutido por Bisol (1996) e Veloso (2003), conforme apresentado no Capítulo 2, a saber, o bloqueio à elisão quando a primeira posição é ocupada por um monomorfema. Tal influência é possível porque parte dos dados considerados como ocorrência de C é constituída por contextos em que a primeira posição é ocupada por um monomorfema.

Com relação ao estudo de Tenani (2002), a reflexão diz respeito ao fato de não se estar tratando de ocorrências obtidas a partir de fala espontânea. Na amostra resultante do instrumento aplicado pela autora através de leitura de sentenças, todas as pausas reconhecidas coincidem com fronteiras de Is e Us e, ainda que os informantes tenham sido orientados a realizarem uma leitura mais próxima ao que consideram uma fala natural, todas as fronteiras de Is e Us previstas pela autora (TENANI, 2002, p. 178) foram marcadas por vírgulas ou pontos finais. Assim, o sinal gráfico poderia exercer influência sobre o falante em situação de leitura ao marcar a fronteira existente e ocasionar a pausa.

No presente estudo, será tomada a hipótese de que seja a pausa, apenas a pausa, responsável pela ruptura do contexto prosódico para a aplicação da elisão, visto que, na fala espontânea, ela pode estar associada a fronteiras de Is e Us, assim como poderá ocorrer em fronteiras de ϕ. O modelo teórico de Nespor e Vogel (1986) seria, de fato, aplicável à fala espontânea? É a fronteira prosódica prevista ou a pausa que determina o ritmo e a aplicação de processos em uma dada língua?

Após as considerações sobre a relação entre o domínio prosódico de sândi em PE, em 3.2.2, as questões acima serão retomadas com base no estudo de Serra (2009).

3.2.1.2 Considerações a partir do PE

Bem como ocorre com relação à pesquisa de Bisol (1996) e Tenani (2002) no que diz respeito ao português brasileiro, o português europeu tem como referência de estudo sobre a relação entre prosódia e fenômenos de sândi a pesquisa de Frota (1998). Em busca de um argumento a favor da gramaticalização fonológica do foco, a autora analisa evidências relacionadas a regras fonológicas que tomam os constituintes prosódicos como domínio de aplicação, dentre as quais está o sândi. Para tanto, conforme Frota (1998, p.05), o estudo que propõe a autora cumpre fundamentalmente dois objetivos, a saber: i) o exame detalhado dos

domínios prosódicos que caracterizam o nível “frásico” no PE; e ii) a descrição dos meios fonológicos na expressão do foco nessa língua. Tais objetivos foram alcançados através de

análise à luz da Fonologia Prosódica (NESPOR e VOGEL, 1986) e de procedimentos de investigação elaborados de acordo com a Fonologia Laboratorial, tal como replicado mais tarde pelo estudo de Tenani (2002) sobre o PB.

Após analisar ocorrências de fenômenos rítmicos, como alongamentos finais de constituintes, presenças de pausa e fenômenos entonacionais, além de regras de sândi, a autora concluiu que a estrutura prosódica que regula o domínio de regras fonológicas no PE é a mesma para i) fenômenos de sândi, ii) fenômenos rítmicos de antagonismo acentual entre palavras, agrupamento resultante de alongamentos finais, distribuição de pausas gramaticais e distribuição de eventos entoacionais. A hierarquia prosódica do PE seria, pois, determinada por uma organização em ϕs e em Is, dentre as quais a autora ressalta I como a principal organizadora, visto que os resultados revelam que o domínio da frase entonacional delimita a aplicação de fenômenos de sândi, enquanto a frase fonológica não atua da mesma maneira. Pode-se, portanto, relacionar este resultado ao apresentado por Bisol (1996) e por Tenani (2002), em que as autoras afirmam que o fenômeno de sândi não é sensível a fronteiras de frases fonológicas, enquanto as fronteiras de frases entonacionais, ou as pausas a elas associadas, e, consequentemente, as fronteiras de enunciados, são os únicos níveis em que o fenômeno encontra bloqueio.

Diferente do atestado em PB por Bisol (2002) e Tenani (2002), o estudo de Frota (1998) considerou o apagamento da vogal /a/ e da posterior [u] em fronteira de vocábulos com resultados que revelam tendência à elisão em comparação à ditongação em ambos os contextos. Segundo a autora, assim como atestado para as sequências em que /a/ está em primeira posição, com relação à vogal posterior, ɲ sequênciɲ V’V só é preservɲdɲ quɲndo em fronteiras de Is, fato ao qual se pode relacionar a incidência de pausa, bem como sugere o

resultado encontrado por Tenani (2002). Assim, também cabe, com relação ao PE, replicar a reflexão realizada ao final da subseção anterior, em que é proposto o questionamento sobre os elementos da prosódia que realmente atuam sobre os processos de sândi. A subseção a seguir, 3.2.3, tem por objetivo discutir as questões propostas a partir dos resultados do estudo de Serra (2009) sobre a realização e a percepção das fronteiras prosódicas previstas.