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3 A INTENCIONALIDADE EM SEARLE COMO ASPECTO

5.5 Aspectos Gerais das Teorias

No decorrer de nossas discussões, pudemos perceber que Searle faz algo que Austin não se propôs a fazer que seria colocar simbolismos lógicos nos atos de fala. Ele não buscou formalizar logicamente os atos de fala por duas razões: (i) porque ele achava que ainda precisava ser elucidada e desenvolvida a teoria dos atos de fala e (ii) em virtude da primeira, porque ele achava que devia adequar uma teoria às práticas linguísticas e não adequar a linguagem a teorias formais, isto é, em virtude de uma praxiologia.

Preciso mencionar que existe uma outra interpretação sobre a concepção pragmática de Austin distinta da nossa que diz que há uma junção entre sujeito e predicado na exposição de Austin, temos como exemplo Ottoni (2002). Queríamos destacar que, em nossa visão, no que se refere à interpretação de Ottoni, alguns pontos são pertinentes e outros não, mas queríamos destacar um deles. Apesar de ser bastante interessante e poética a interpretação de Ottoni sobre a concepção austiniana da linguagem, não achamos que seja correta. Principalmente por ele falar que “Podemos dizer que, na visão performativa, há inevitavelmente uma fusão do sujeito e do seu objeto, a fala...” (OTTONI, 2002, p.10), isso soa bem aos ouvidos, mas não temos ideia do que seria um sujeito se mesclar ao objeto no momento da fala. O que seria mesclar “Batizo este navio com o nome de Rainha Elizabeth”? Defendemos que Austin separa e muito explicitamente o sujeito do objeto, inclusive, o sujeito do próprio verbo. As principais marcas da distinção dos proferimentos de Austin são por diversas vezes bem explicitadas, como foi exposto no decorrer do nosso trabalho (o modo, o

tempo, a intenção, a crença, as pressuposições, a implicação, a implicação lógica...) e também no decorrer de nossa exposição sobre os aspectos dos atos de fala em si (ilocuções, locuções, perlocuções, força ilocucionária, entre outras).

Embora ache que a interpretação de Ottoni não seja o caso, acredito veementemente que ainda há muito o que ser discutido na concepção da linguagem dos atos de fala. Isso envolve discussões em diversas áreas do conhecimento e esse campo de análise ainda não foi esgotado e nem suficientemente elucidada a vastidão de questões que podem ser investigadas no âmbito dos atos de fala. A seguir, veremos algumas conclusões sobre a nossa pesquisa, trazendo alguns autores para reforçar o nosso ponto de vista.

Defendemos a concepção de Denis Vernant (1948 - ) sobre a falta de uma análise do caráter dialógico da linguagem, tendo em vista que, nas práticas linguísticas, locutor e interlocutor são agentes ativos na comunicação. Em um momento, o falante A será o locutor e o falante B será o interlocutor, ao mesmo tempo em que o falante B será o locutor e o falante A será o interlocutor, isto é, há uma interação no contexto de fala e esse aspecto carece de uma maior explanação para podermos entender a complexidade dessa relação. Primeiramente, Vernant chama a atenção para as características dos atos de fala expostas por Searle. Ele fala também dos critérios searleanos, tais como objetivo ilocucionário, estado psicológico expresso, direção de ajuste e condições preparatórias. Posteriormente, ele fala um pouco sobre esses critérios e a importância de cada um (bem superficialmente) na taxonomia dos atos ilocucionários. Em seguida, expõe a limitação da análise monológica, levando em consideração esses critérios de Searle. Enfatiza que a classificação tem que considerar a inclusão do destinatário do ato para cada tipo de ato ilocucionário, isto é, a dimensão dialógica. Vernant (2008, p.3) afirma o seguinte:

I will show that, in addition to consideration of the speaker, a classification of speech acts has to include consideration of the addressee as an explicit criterion for each type of speech act. Furthermore, I will underline the need to account for the dialogical dimension of communicational interaction, beyond the simple analysis of discourse.

Por último, o que queremos mencionar da exposição de Vernant são os dois critérios de análise (i) interacional e (ii) transacional, afirma Vernant que “...we will conceive of

interaction as an interlocutive relationship such that the speaker and addressee are co-actors

in a dialogical process.”91 Em sua visão, a interação comunicativa é uma conexão de

transações não comunicativas e não tem um fim em si mesma. O processo interlocutivo transpassa a simples comunicação, através de um enunciado que se quer mais do que uma mera interação comunicacional, mas envolve reações, ações e consequências. Ele nos fornece como exemplo o seguinte enunciado feito por um capitão de um navio “O navio está afundando (The ship is sinking)”, esse enunciado não visa apenas uma interação comunicacional ou um aviso, mas pretende-se causar um efeito (que os passageiros saiam do navio, por exemplo). Também podemos perceber essa crítica em Vanderveken (1999) que, embora tenha desenvolvido uma lógica dos atos ilocucionários juntamente com Searle (1985), critica a carência do aspecto dialógico dos atos ilocucionários, diz Vanderveken (2000, p.243):

Similarly, speech act theory tends to study isolated illocutionary acts performed by using sentences in single contexts of utterance. However, it is clear that speech acts are seldom performed alone in the use of language. On the contrary, speakers perform their illocutionary acts within entire discourses where they are most often in verbal interaction with other speakers who reply to them and perform in turn their own speech acts with the collective intention of conducting a certain type of conversation.

Outra questão que tem uma conexão com o que falamos a respeito do caráter dialógico diz respeito à questão das consequências das ações, conforme Grice (1957) tentou captar em “Meaning” falando da significação que Searle criticou. Grice, nas suas explicações, tentou falar do significado em um aspecto dialógico. No entanto, Searle disse que Grice confude as consequências dos atos ilocucionários com as consequências dos atos perlocucionários, o que foi também a nossa crítica no último capítulo quando falamos sobre as consequências no que se refere à falta de uma explicitação do que seriam essas consequências e o que elas abrangem. É certo que há uma relação dialógica, mas isso teria que ser mais explicitado para que possamos entender esse caráter que é crucial para as práticas linguísticas. Há uma

conexão muito forte entre o que se entende por ações e consequências entre os dois atos e, se é um estudo da pragmática, então essa conexão não deve ser evitada, mas investigada. Isso também é mostrado e criticado por Marcondes, quando ele afirma que as teorias dos atos de fala sairam um pouco desse caráter pragmático, afirma que “... falta à teoria uma visão dialógica, uma vez que a noção de ato de fala é excessivamente centrada no falante individual, o que pode levar à não-consideração do contexto de uso, do jogo de linguagem,

para usarmos a terminologia de Wittgenstein.” (MARCONDES, 2006, p.255). Por mais que

possamos dizer que existem aspectos ou no âmbito de determinados atos ilocucionários (como a promessa no que se refere ao compromisso com o ouvinte) ou como o ato ilocucionário em si possuindo em sua estrutura aspectos dialógicos, mas é certo que esse aspecto não foi desenvolvido ou dada uma atenção maior ou deixado explícito. Por isso, acreditamos que há uma lacuna nessas duas concepções de atos de fala. Passaremos agora às considerações finais de nossa pesquisa.