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3 A INTENCIONALIDADE EM SEARLE COMO ASPECTO

5.1 No que Concerne ao Objetivo

Enquanto Austin buscava no uso ordinário o funcionamento das práticas linguísticas, Searle busca adequar os diferentes usos a teorias filosóficas e até mesmo ao formalismo lógico dos atos ilocucionários67. De forma mais clara, enquanto Austin retira o aspecto sintático/semântico ou formalista e enfatiza a análise ou investigação do aspecto pragmático (praxiológico), Searle faz um caminho inverso e passa da pragmática para o aspecto formalista, de acordo com Marcondes “tirando o aspecto pragmático”. Marcondes (2003, p.34) afirma que “...são aspectos como estes que parecem apontar para a direção oposta a de uma análise pragmática do uso da linguagem.” Isso pode ser percebido na seguinte fala de Searle (SEARLE, 1981, p.27) “Sendo regida por regras, tem, portanto, traços formais susceptíveis de um estudo independente.” Ao mesmo tempo que Searle defende um estudo dos traços formais da linguagem, ele critica os filósofos que consideraram apenas os traços formais sem levar em consideração as práticas linguística, afirma que

...contetarmo-nos em estudar estes traços formais, sem um estudo do seu papel nos actos de fala, equivaleria a um estudo formal da moeda e dos sistemas de crédito na economia de diversos países sem um estudo nas transações económicas. Muito pode ser dito no estudo da linguagem sem estudar os actos de fala, mas todas estas teorias puramente formais são necessariamente incompletas.(SEARLE, 1981, p.27)

Ademais, Searle faz uma distinção entre filosofia da linguagem e filosofia linguística que é importante notar no início do livro “Os Actos de Fala”, afirma-nos que “A filosofia linguística é a tentativa de resolver problemas filosóficos particulares examinando o emprego corrente de certas palavras ou de certos elementos no interior de uma dada língua.” (SEARLE, 1981, p.10). Já a filosofia da linguagem “...é a tentativa de fornecer uma descrição filosoficamente esclarecedora para certos traços gerais da linguagem.... não é senão ocasionalmente que sua atenção se volta para elementos particulares de uma dada língua.” (SEARLE, 1981, p.10). Com o intuito de separar nitidamente as duas correntes e

delimitar o alcance da filosofia linguística, vista por Searle apenas como um método, ele faz a seguinte distinção:

O termo <<Filosofia Linguística>> é essencialmente o nome de um método; <<Filosofia da linguagem>> é o nome de um objecto de estudo. Apesar de, algumas vezes, utilizar os métodos da filosofia linguística este livro é um trabalho de filosofia da linguagem e não de filosofia linguística.(SEARLE, 1981, p.10)

Na visão de Nogueira , embora Searle afirme que as duas áreas sejam complementares, ele destrói o discurso da filosofia linguística, como podemos ver na citação a seguir:

O discurso de Searle parece colocar ambas as áreas (filosofia da linguagem e filosofia linguística) como complementares. No entanto, o discurso da filosofia linguística é destruído na construção da imagem da filosofia da linguagem, uma vez que a primeira seria apenas um meio para se atingir a finalidade maior [fornecer uma descrição filosoficamente esclarecedora para certos traços gerais da linguagem]. A filosofia linguística estaria, portanto, a serviço da filosofia da linguagem. (NOGUEIRA, 2005, p.126)

Apesar de desenvolver um estudo das práticas linguísticas e tomar para si a teoria dos atos de fala, Searle traz fortes críticas aos filósofos da escola de Oxford.68 Diz que “Os

filósofos da linguística do período em discussão, não tinham nenhuma teoria geral da linguagem, sobre que basear as suas análises conceptuais particulares.” (SEARLE, 1981, p.193). Na visão searleana, “o que tinham à guisa de teoria, eram poucos slogans, o mais proeminente dos quais era: <<a significação é o uso>>.” (SEARLE, 1981, p.193) e esses filósofos fariam um exame cuidadoso da significação das palavras em uma determinada língua. Embora, para Searle, por um lado isso tenha ocasionado “...escapar às teorias tradicionais da significação, quer platónicas, empiricistas ou derivadas do Tractatus…” (SEARLE, 1981, p.193) e, portanto, tenha sido benéfico, por outro lado “...como instrumento

68 Do mesmo modo que Searle critica o desenvolvimento ou metodologia dos filósofos da escola de Oxford, a

crítica pode voltar a Searle, pois ele sai do caráter pragmático e tenta por diversas vezes passar para a sintaxe e a semântica, embora não tenha desenvolvido o aspecto dialógico dos atos de fala que é uma questão crucial pragmática. Ver Marcondes (2003).

de análise, a noção de uso é, por sistema tão vaga, que se constitui como uma das causas das confusões que tentou expor.” (SEARLE, 1981, p.193) A crítica de Searle permeia o fato de os filósofos que ele chama de linguistas não dispunham de um sistema filosófico no qual se fundasse a noção de significado, ocasionando algumas lacunas que ele viria a preencher.

Além de desenvolver um sistema no qual se fundasse a noção de significado, Searle discute a partir da teoria dos atos de fala os problemas tradicionais da filosofia analítica da linguagem, tais como a referência69 (nomes próprios, descrições definidas...), a predicação70

(expressões predicativas, propriedades, compromisso ontológico, universais), entre outros. Ao contrário de Searle, Austin não estava muito preocupado com um formalismo das práticas linguísticas, mas de entender como se dava o uso e a significação dos proferimentos. Temos como exemplo o seu artigo “The Meaning Of A Word”71, no qual Austin fala das perguntas

acerca do significado, perguntas do tipo “Qual (o que) é o significado de uma palavra? (What- is-the-meaning-of a word?)”, “O que é uma ‘palavra’? (What is a ‘word’?)”, “Qual (o que) é o significado de ‘rato’ (What-is-the-meaning-of ‘rat’)?”, “Qual é o significado de uma palavra qualquer? (What-is-the-meaning-of any word?)”, entre outras. Após apresentar alguns usos no âmbito filosófico e comparar com o uso comum da pergunta sobre o significado, Austin diz que “a expressão ‘o significado de uma palavra’ é, em geral, se não sempre, uma perigosa

expressão sem sentido”72. O que Searle critica em Austin a respeito de um rigor na definição

de uma teoria do significado que sustentasse as divagações pragmáticas austinianas, pode ser vista como uma questão fundamental da exposição dele, tal como concebe Rajagolapan (1989). No ponto de vista de Rajagolapan (1989, p.529), a concepção de Austin segue o seguinte raciocínio:

...o conceito central desse pensamento, o conceito de ato ilocucionário, é como um jogo tal qual Wittgenstein o concebe: não há nada que sirva de critério infalível, quer necessário, quer suficiente, para que se possa precisar que é um jogo – a não ser uma certa semelhança indefinível entre os jogos já identificados e um novo caso sobre o qual surge a dúvida.

69 Ver Os Atos de Fala, capítulo 4, 1981. 70 Ver Op. Cit., capítulo 5, 1981. 71 In Philosophical Papers, 1961.

72 “...the phrase ‘the meaning of a word’ is, in general, if not always, a dangerous nonsense-phrase” (The

Se acaso a interpretação de Rajagolapan é a correta, então a crítica de Searle que mostramos acima não tem cabimento, pois, se realmente não se pode precisar o jogo dos atos ilocucionários, então não haveria motivos para um sistema no qual se fundasse uma teoria do significado em Austin. Enfim, para o nosso trabalho, vamos considerar essa questão apenas como informativa e especulativa sem comprar essa hipótese para a nossa discussão. Por ora, vamos nos ocupar de algumas outras diferenças entre Searle e Austin para passarmos para o tópico seguinte.

Como pudemos perceber no desenvolver do capítulo 3, na perspectiva de Searle, a unidade básica da linguagem não é o signo, símbolo, palavra ou frase, mas o ato de fala. Em sua acepção, o estudo da linguagem é baseado, principalmente, nas intenções do falante em sua enunciação. Isso se torna mais evidente quando, por exemplo, ele discorre acerca da referência que, em sua concepção, é um ato. O ato de referir terá como base fundamental a intenção do falante ao enunciar determinado termo referencial. De modo inverso, Austin concebia o pheme como unidade básica da linguagem e o rheme como unidade básica da fala. Ademais, Austin não expôs de forma tão evidente como Searle e nem tentou adequar uma concepção de referência e de predicação no quadro referencial tradicional da filosofia analítica da linguagem. Para entendermos melhor os aspectos fundamentais nas duas teorias, discutiremos no tópico a seguir.