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3 A INTENCIONALIDADE EM SEARLE COMO ASPECTO

4.6 Significação na Teoria dos Atos de Fala de Searle

Neste tópico, a partir da explanação do funcionamento da significação de um proferimento, veremos como a teoria da Intencionalidade e o Background são fundamentais na teoria dos atos de fala de Searle. Como já foi dito anteriormente, na visão searleana, a linguagem possui uma Intencionalidade derivada devido ao fato da mente atribuir funções de status a algo físico como sons e marcas em um papel. Deste modo, a Intencionalidade da mente impõe Intencionalidade aos proferimentos, conferindo-lhes significados e, consequentemente, relaciona-os com a realidade. Neste âmbito, as principais questões que surgem são: (a) como a mente consegue atribuir Intencionalidade a algo não intrinsecamente Intencional e (b) o que é o significado na teoria dos atos de fala de Searle.

Existe uma tradição filosófica que analisa a linguagem ou no âmbito da proposição isolada ou no âmbito do discurso. Searle analisa uma proposição no âmbito do discurso levando em consideração o significado da frase. Deste modo, para ele, a intenção de querer dizer depende do que dizemos efetivamente, visto que há uma relação profunda entre querer dizer algo e o que a frase significa na língua. Além disso, ele distingue dois tipos de significado: (i) o significado do proferimento e (ii) o significado do falante. O significado do proferimento é o que as palavras significam em uma língua, ele é intencionalmente derivado da Intencionalidade coletiva, visto que a língua é uma convenção humana. O significado do falante é a intenção que o falante tem ao enunciar uma frase, ele é intencionalmente derivado da Intencionalidade intrínseca. Em muitos casos, o significado do falante é igual ao

significado do proferimento. Já em outros casos, a intenção do falante difere do que as palavras que constituem a frase significam na língua.

Os casos em que o significado da frase corresponde exatamente ao que queremos dizer são denominados de significado literal. No entanto, existem casos em que o enunciado do falante diverge em diversas formas da emissão dele. Um desses casos é quando um falante emite uma frase, quer dizer o que diz e quer significar algo mais, esses correspondem aos atos de fala indiretos. Outro caso é quando um falante emite uma frase, mas quer dizer o oposto do significado da frase, como é o caso da ironia. Há outros casos em que o falante quer dizer algo completamente diferente do significado literal da frase, como é o caso da metáfora. Ademais, em todos esses outros casos a frase ainda possui um papel importante no significado da ilocução.

O caso mais simples é o uso literal da frase. No uso literal da frase, o falante emite um enunciado com a intenção de produzir um determinado efeito ilocucionário no ouvinte. Além disso, ele tem a intenção de produzir esse efeito fazendo com que o ouvinte reconheça a sua intenção de produzi-lo, ao mesmo tempo, tem a intenção de levar o ouvinte a reconhecer sua intenção em virtude do conhecimento que o ouvinte tem das regras que governam a emissão da frase. Além do mais, em muitos casos de enunciados literais, só entendemos essas emissões com um pano de fundo de um conjunto de pressuposições de base.

Para Searle, o significado do falante não é uma forma de Intencionalidade intrinsecamente linguística, porque ele é analisável em termos de formas primitivas de Intencionalidade, no âmbito da crença, do desejo e da intenção. Normalmente, quando um sujeito emite uma asserção, ele expressa uma crença naquilo que ele asseriu. Isso também acontece com outros tipos de atos ilocucionários. No caso dos atos diretivos, quando um sujeito dá uma ordem, ele expressa o desejo de que a ordem seja obedecida. Podemos perceber que, na visão searleana, há um duplo nível de Intencionalidade na realização de um ato de fala, o nível do estado psicológico expresso e o nível da intenção com que o ato é realizado e faz dele o ato que é. Respectivamente, eles são denominados de condição de sinceridade e de intenção de significação.

Quando um falante faz um enunciado, a condição de sinceridade se refere ao comprometimento que ele tem com o estado psicológico expresso. Isto nos leva a dizer que há uma diferença entre fazer um enunciado e fazer um enunciado verdadeiro. Além do mais, a

intenção de significação vai determinar como essa relação acontece. A intenção de significação é exposta dessa maneira por causa de alguns fatos, como a mentira ou a indiferença, ou seja, quanto ao compromisso com a sinceridade do estado psicológico expresso. No caso da mentira, se um falante enuncia uma frase e não acredita no que está dizendo, mesmo assim o fato de ele enunciar a frase compromete-o com a crença expressa no conteúdo da asserção. A intenção de significação determina as condições de satisfação do ato de fala expresso e essas condições de satisfação do ato de fala têm as mesmas condições de satisfação do estado Intencional expresso.

Desse modo, existe uma distinção entre a intenção de representação e a intenção de comunicação. Quando um falante faz um enunciado, ao mesmo tempo ele representa um fato ou estados de coisas e comunica essa representação aos ouvintes. No entanto, ratificando o que dissemos acima, Searle afirma que existem casos em que um falante apenas representa um estado de coisas sem se preocupar em comunicar algo ao ouvinte. Por conta disso é que Searle diferencia essas duas intenções. O único tipo de ato ilocucionário que não tem uma intenção de representação é a classe dos expressivos. Os atos expressivos apenas expressam um estado psicológico e comunicam esse estado ao ouvinte. Isso ocorre porque, diferente dos outros tipos de atos ilocucionários, os expressivos não tem uma direção de ajuste.

A intenção de comunicação é simplesmente a intenção de causar determinado efeito sobre o ouvinte. Esse efeito consiste em que o ouvinte reconheça a intenção de representação do locutor e, com isso, saiba as condições de satisfação do ato ilocucionário emitido.

Em suma, a Intencionalidade não só cria a possibilidade do significado como, também, ela limita as suas formas. O ato de emissão tem a intenção de que a própria emissão tenha condições de satisfação. Por exemplo, as condições de satisfação da crença de que o inimigo está recuando são transferidas para a emissão por um ato Intencional. Na maioria dos atos de fala, as intenções de significado são intenções de representar. Consequentemente, uma intenção de representar é uma intenção de que os eventos físicos que constituem parte das condições de satisfação da intenção tenham, elas próprias, condições de satisfação. Contudo, isto não significa dizer que o falante possa simplesmente dizer uma sentença como “abracadabra” e através disto significar “chove”, pois o significado literal das palavras e das sentenças em um determinado contexto também limita o significado do falante.

Temos que o significado não depende estritamente e apenas do sentido literal da frase na linguagem, mas que temos que levar em consideração a Intencionalidade, uma Rede de outros estados Intencionais e o Background para podermos falar de significado (ou compreensão de um enunciado) na teoria dos atos de fala de Searle. Vimos como estados Intencionais e a Rede alicerçam o significado em uma enunciação, todavia, como o Backgroud faz parte da teoria do significado nos atos de fala de Searle?

Para responder a essa questão, notemos as diferenças entre as seguintes frases exemplificadas por Searle: (i) “Tom opened the door (Tom abriu a porta)”, (ii) “Sally opened her eyes (Sally abriu os olhos)” e (iii) “The carpenters opened the wall (Os carpinteiros abriram a parede)”66. Podemos constatar que cada uma dessas frases possui um significado

literal, não se trata de um significado metafórico. Ambas têm o mesmo sentido de “abrir” acompanhada de dessemelhantes situações. Cada falante do português (no caso dos exemplos, falante do inglês) saberia como abrir a porta ou abrir os olhos ou como abrir a parede, apesar de haver um jeito de abrir todos essas coisas, cada uma delas é aberta de um jeito específico. Mesmo levando em consideração o fato de elas serem aberta de um jeito específico, não dizemos que o significado de “abrir” muda em cada situação. Isso se dá, na visão searleana, por conta de um Background de práticas locais e aptidões que temos que abrimos olhos, portas e paredes de um jeito diferente. Podemos ratificar o que falamos com a explanação de Searle (2006, p.255-6):

A lição a ser tirada desses exemplos é esta: a mesma expressão literal pode dar a mesma contribuição à emissão literal de uma variedade de sentenças, e, ainda que estas sentenças sejam compreendidas literalmente – não há nenhuma questão de metáfora, ambiguidade, atos de fala indiretos etc. -, a expressão será interpretada diferentemente nas diferentes sentenças. Por quê? Porque cada sentença é interpretadda contra um Background de capacidades humanas (aptidões para dedicar-se a certas práticas, know-how, maneiras de fazer as coisas etc.), e estas capacidades determinarão interpretações diferentes, embora o significado literal da expressão permaneça constante.

Antes de tudo, é preciso enfatizar aqui neste ponto que a significação na concepção de Searle envolve questões extralinguísticas, tal como é o caso explícito de sua tese do

Background, conforme os exemplos anteriores, a citação acima e, de forma direta, afirmado na citação a seguir. “A sugestão, certamente correta, é que o significado da sentença, pelo menos até certo ponto, não determina bem o que diz o falante quando emite a sentença.” (SEARLE, 2006, p.259).

Searle demonstra a diferença no Background dos três tipos de frases vistas acima, colocando uma situação contrafactual de uma frase imperativa, ou seja, quando ordenamos alguém a abrir algo, por exemplo “Abra a porta” e o interlocutor simplesmente vai até a porta e começa a fazer incisões nela com um bisturi. Nesse caso, ele não fez exatamente o que ordenamos, pois não era isso que tínhamos em mente ao ordenar que ele abrisse a porta. Outro exemplo contrafactual posto por Searle é o seguinte: imaginemos que alguém diga “Abra a montanha”. Por mais que saibamos o significado de “abrir” e o significado de “montanha”, não saberíamos como seria abrir uma montanha. Outro exemplo colocado por Searle, agora com uma construção sintática do inglês, seria as duas sentenças “I have had breakfast (Eu tomei café da manhã)” e “I have had twins (Eu tive gêmeos)”. Ao mencionar essas duas sentenças, ele fala que não há uma construção de uma sentença por analogia a outra e que não há nada no conteúdo semântico que diferencie a significação. Em sua visão, por conta do Background, ninguém interpretaria a primeira emissão com o intuito de significar “I have just given berth to breakfast (Acabei de dar à luz o café da manhã)”, embora diga que não há nada no conteúdo semântico da sentença que não permita uma interpretação alternativa.

5 DIFERENÇAS ENTRE AS TEORIAS DE SEARLE E DE AUSTIN