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Aspectos gerais e fundamentos da mutabilidade

3 ALTERAÇÃO JUDICIAL DO REGIME DE BENS E VIABILIDADE

3.1 Aspectos gerais e fundamentos da mutabilidade

O antigo Código Civil de 1916 não previa a possibilidade de alteração do regime patrimonial de bens, mas apoiava-se no princípio da imutabilidade absoluta, ou seja, não havia qualquer plausibilidade de alterar-se o regime de bens entre os cônjuges. Escolhida ou imposta por lei determinada espécie de regime, esta perduraria ad infinitum entre os cônjuges, ou seja, até o momento da cessação da sociedade conjugal, que poderia dar-se por morte de um ou de ambos, pela separação ou pelo divórcio.

Ocorre que tal diploma civilista apresentava-se ultrapassado e, sendo assim, viu-se a necessidade de se modificar e até mesmo de se incluir novos dispositivos na legislação civil brasileira. Neste sentido, foi editado o Código Civil de 2002 com algumas alterações que visavam adequar a aplicação da legislação à realidade e necessidade da sociedade brasileira.

No Brasil, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, conforme prevê o artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988. Também o artigo 226, parágrafo quinto,

da Carta Magna, refere que homens e mulheres devem exercer igualmente os direitos e deveres atinentes à sociedade conjugal.

Destarte, uma sociedade que se modifica constantemente com mulheres se destacando cada vez mais no âmbito profissional e, como consequência disso, passando a adquirir patrimônio em um patamar de igualdade com o homem, não poderia ficar a mercê de uma legislação antiquada, ultrapassada e porque não dizer, até mesmo com certo cunho “machista” como era o Código Civil de 1916, tampouco contrariar princípios constitucionais que igualam homens e mulheres, diferentemente da forma como eram vistos quando da época da edição do estatuto revogado.

Tal entendimento vem confirmado nas palavras de Lôbo (2011, p. 321) quando o jurista diz que,

Por outro lado, a lei está mais contemporânea com a realidade social atual, da emancipação feminina e sua inserção na vida econômica, máxime no mercado de trabalho, além do fato de a mulher, a principal destinatária da rígida tutela legal anterior, não se encontrar mais submetida ao chefe de família, cujo último resquício desapareceu com o princípio da igualdade jurídica integral entre os cônjuges, assegurado pelo art. 226 da Constituição.

Na mesma senda, Rolf Madaleno (2007, p. 47, grifo nosso) defende que:

Considerando a igualdade dos cônjuges e dos sexos, consagrada pela Carta Política de 1988, soaria sobremaneira herege aduzir que em plena era da globalização, com absoluta identidade de capacidade e de compreensão dos casais, ainda pudesse um dos consortes, apenas por seu gênero sexual, ser

considerado mais frágil, mais ingênuo e com menor tirocínio mental que o seu parceiro conjugal. Por esse prisma, desacolhe a moderna doutrina a

defesa intransigente da imutabilidade do regime de bens, pois homem e mulher devem gozar de livre autonomia de vontade para decidir acerca da mudança incidental do regime patrimonial de bens, sem que o legislador possa seguir presumindo possa um deles abusar da fraqueza do outro.

Assim, a possibilidade de alteração do regime de bens entre os cônjuges apresenta-se como uma das inovações do Código Civil Brasileiro de 2002, cuja disciplina consta do artigo 1.639, parágrafo segundo, da mencionada legislação, que assim prescreve:

Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

§ 2o É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. (VADE MECUM, 2011, p. 302).

Pode-se concluir da leitura do artigo em comento, que o estatuto civilista fora elaborado com observância aos princípios constitucionais e com respeito ao princípio da livre estipulação ou autonomia de vontade entre os cônjuges (ressalvadas as imposições legais).

Uma vez que o legislador civil permite aos nubentes - antes de celebrado o casamento -, que estes tenham ampla liberdade de escolha sobre as regras que irão conduzir a futura união, no que concerne aos seus bens patrimoniais, nada seria mais justo do que aplicar o mesmo entendimento quando tais preceitos não mais fossem condizentes com a realidade vivida pelo casal, autorizando-se, então, em casos especiais e mediante atendimento de alguns requisitos, a alteração do regime de bens entre os mesmos no curso da vida conjugal.

Doutrinando, Gonçalves (2008, p. 394) diz que:

O Código Civil de 2002, dessarte, inovou, substituindo o princípio da imutabilidade absoluta do regime de bens pelo da mutabilidade motivada ou justificada. A inalterabilidade continua sendo a regra e a mutabilidade a exceção, pois esta somente pode ser obtida em casos especiais, mediante sentença judicial, depois de demonstrados e comprovados, em procedimento de jurisdição voluntária, a procedência da pretensão bilateralmente manifestada e o respeito a direitos de terceiros.

Porém, é evidente que tal modificação permitida pelo legislador civil encontra obstáculo no artigo 1.641 da mesma legislação, que impõe o regime da separação obrigatória de bens para os casos nele previstos.

Para Dias (2005, p. 217, grifo do autor), “quando é imposto o regime da separação (1.641), impossível se afigura, no decorrer da vida conjugal, a mudança, subterfúgio que serviria para contornar a vedação legal. Mas a lei nada diz.”

Fica, portanto, proibida qualquer modificação desse regime de bens, ressalvada a hipótese prevista no parágrafo único do artigo 1.523 do estatuto civil que permite a solicitação dos nubentes, ao juiz, da não aplicação das causas suspensivas previstas naquele preceito, mediante comprovação da inexistência de prejuízos, caso em que, poderão requerer a

alteração do regime. Cite-se, como exemplo, o caso do cônjuge já divorciado que, tendo partilhado os bens do casamento anterior, fez desaparecer a causa suspensiva que lhe obrigava a aderir ao regime da separação.

Nesse sentido, Gonçalves (2008, p.397) colaciona que:

Efetivamente, se o parágrafo único do art. 1.523 do Código Civil permite aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas no caput do dispositivo em tela, “provando-se a inexistência de prejuízo”, com maior razão devem ser afastadas as conseqüências da sanção se a omissão que provocou a sua imposição foi sanada.

Quanto à questão da imposição do regime da separação legal de bens, no que se refere à idade dos consortes - aos maiores de 70 anos – não há vedação explícita na legislação ao pedido de alteração do regime de bens, caso em que o casal poderá requerer a mudança como e quando bem entender.

Na mesma trilha, Dias (2005. p. 217) reitera que:

Não existe vedação alguma. Como a justificativa para a restrição é a possível indução do idoso a erro, sendo o pedido de alterações formulado em juízo, caberá ao magistrado verificar a real intenção dos cônjuges e indeferir a pretensão, caso verifique a possibilidade da ocorrência de dano enorme a um dos requerentes.

No que tange à aplicação da faculdade de alterar o regime de bens dos casamentos realizados sob a égide do Código Civil de 1916, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu pela sua admissibilidade, bem como não há qualquer tipo de vedação na legislação atual a respeito do assunto.

Prosseguindo, passar-se-á ao exame dos requisitos necessários ao pedido de alteração do regime de bens entre os cônjuges.