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Do regime da participação final nos aquestos

O regime da participação final nos aquestos é figura jurídica inovadora na seara do direito brasileiro, tendo sido criado por ocasião da edição do Código Civil de 2002, porém já previsto em vários países como Alemanha, França, Espanha, Portugal, entre outros. Substitui o antigo regime dotal, que como já dito, caiu em desuso por não mais possuir utilidade no ordenamento jurídico, haja vista não mais fazer parte dos usos e costumes da sociedade brasileira.

O regime em comento não é de fácil elucidação, pois, no Brasil, constitui matéria nova e ainda pouco utilizada pela sociedade, contudo, tentar-se-á esclarecer de forma sucinta o seu funcionamento com base nas regras civis orientadoras do mesmo e entendimento dos especialistas jurídicos referenciados no decorrer da explanação.

Oportuno destacar, com a intenção de melhor compreender o conteúdo, que “aquestos, etimologicamente, significa bens adquiridos; no direito de família, bens adquiridos na constância do matrimônio.” (LÔBO, 2011, p. 359, grifo nosso).

Trata-se de regime de bens normatizado nos artigos 1.672 a 1.686 do Código Civil Brasileiro, de natureza complexa e híbrida que, segundo explica Miguel Reale citado por Lôbo (2011, p. 359), agrega “elementos da comunhão parcial, separação absoluta e apuração contábil de ativo e passivo”, dependendo de convenção estabelecida entre as partes através da elaboração da escritura pública de pacto antenupcial.

A hibridez que caracteriza dito regime refere-se, na verdade, à forma como será administrada a relação patrimonial do casal na constância do casamento.

Durante a sociedade conjugal, as regras orientadoras da relação serão as mesmas previstas para o regime da separação absoluta de bens (que será estudado a posteriori), ressalvada a exceção do artigo 1.647, que aplica-se aos demais regimes de bens, incluindo este, que exige autorização do outro cônjuge para realizar determinados atos. Finda a sociedade, marcada pelo fim da convivência em comum, ou seja, pela separação de fato do casal, as regras aplicáveis à relação no momento da dissolução serão as mesmas do regime da comunhão parcial de bens.

Gonçalves (2008, p. 438), esclarece que o regime da participação final nos aquestos é, na verdade,

[...] um regime de separação de bens, enquanto durar a sociedade conjugal, tendo cada cônjuge a exclusiva administração de seu patrimônio pessoal, integrado pelos que possuía ao casar e pelos que adquirir a qualquer título na constância do casamento, podendo livremente dispor dos móveis e dependendo de autorização do outro para os imóveis (CC, art. 1.673, parágrafo único). Somente após a dissolução da sociedade conjugal serão apurados os bens de cada cônjuge, cabendo a cada um deles - ou a seus herdeiros, em caso de morte, como dispõe o art. 1.685 – a metade dos adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.

Nessa concepção, entende-se que os cônjuges possuem patrimônios próprios e distintos, administrados separadamente no decorrer da relação matrimonial, cada um podendo dispor livremente dos bens móveis, exceto quanto aos imóveis. Cada patrimônio é formado pelos bens particulares que cada consorte trouxe para o casamento e também por aqueles adquiridos individualmente, a qualquer título, na constância do mesmo, sendo administrados de forma individual por cada um.

Ainda, para Gonçalves (2008, p. 438, grifo nosso), é regime

[...] considerado ideal para as pessoas que exercem atividades empresárias, pela liberdade que confere aos cônjuges de administrar livremente, na constância da sociedade conjugal, o seu patrimônio próprio, sem afastar a participação nos aquestos por ocasião da dissolução da aludida sociedade.

Com fundamento nessas orientações, pode-se concluir que a dissolução da sociedade conjugal - que pode ocorrer com o divórcio, invalidação do casamento ou morte - é o marco que delimita a migração da administração patrimonial baseada no regime da separação de bens para a aplicação das normas referentes ao regime da comunhão parcial. Logo, o fim da sociedade é espécie de condição suspensiva à qual se vincula o direito de meação dos cônjuges. O que existe é uma expectativa de direito de meação dependente de evento futuro e incerto, ou seja, para que o regime produza seus efeitos é necessário que ocorra uma das hipóteses legais de dissolução da sociedade conjugal, já referidas.

Dissolvida a união pela cessação da convivência, pela separação ou pelo divórcio, apurar-se-á qual é o acervo partilhável entre os cônjuges.

Para Caio Mário da Silva Pereira, citado por Gonçalves (2008, p. 438, grifo nosso), a apuração desse acervo partilhável dar-se-á da seguinte forma:

[...] reconstitui-se contabilmente uma comunhão de aquestos. Nesta reconstituição nominal (não in natura), levanta-se o acréscimo patrimonial de cada um dos cônjuges no período da vigência do casamento. Efetua-se

uma espécie de balanço, e aquele que se houver enriquecido menos terá

direito à metade do saldo encontrado. O novo regime se configura como um misto de comunhão e de separação. A comunhão de bens não se verifica na

constância do casamento, mas terá efeito meramente contábil diferido para o momento da dissolução.

Nesse deslinde, verifica-se que na dissolução da sociedade conjugal, o que ocorre é uma espécie de balanço contábil dos aquestos ou bens adquiridos na constância do casamento, individualmente por cada cônjuge. Faz-se um cálculo para verificar o acréscimo patrimonial trazido para a relação através do trabalho individual de cada um, de forma onerosa, sendo esse valor, então, dividido metade para cada um dos cônjuges, o qual corresponderá à meação de cada um no patrimônio.

Da mesma forma que ocorre no regime da comunhão parcial de bens, “não integram os aquestos e são excluídos do cálculo da partilha os bens anteriores ao casamento, os adquiridos por doação ou sucessão, as dívidas relativas a esses bens.” (LÔBO, 2011, p. 361).

No que diz respeito às dívidas, cada cônjuge é livre para contrair as que desejar, não havendo necessidade de anuência do outro para tal, pois na constância do casamento aplicam- se as regras da separação absoluta, todavia por elas e pelas constituídas antes do enlace será individualmente responsabilizado. O artigo 1.678 do Código adjetivo abre a possibilidade de um dos cônjuges quitar a dívida do outro, caso em que, por ocasião da dissolução conjugal, o pagador deverá ser ressarcido.

Prosseguindo, o outro cônjuge será solidariamente responsável pelas dívidas contraídas pelo cônjuge devedor, somente quando estas tiverem revertido em benefício de ambos ou da família, cabendo ao que contraiu a dívida provar que esta reverteu em proveito do outro. Caso contrário, deduzir-se-á da meação do devedor a parte que couber ao credor da dívida em aberto na época da dissolução da sociedade conjugal.

José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz, citados por Lôbo (2011, p. 367, grifo do autor), asseveram sobre as peculiaridades do regime que,

A inexistência de bens comuns e a preocupação igualitária (duplamente igualitária) de oferecer a cada cônjuge um poder autônomo de gerir os seus bens e se obrigar importam em que os cônjuges tenham suas próprias dívidas: inexiste, nesse regime, um passivo comum. Respondem pelas obrigações contraídas, quer elas sejam anteriores ou posteriores ao casamento, todos os bens do cônjuge que se obrigou.

O artigo 1.686 do Código Civil estatui que, se as dívidas de um dos cônjuges forem superiores ao montante do seu direito de meação, o outro cônjuge ou seus herdeiros não se obrigarão quanto ao excedente daquelas.

Conforme determinação do artigo 1.682 do estatuto civilista, diz-se que o direito à meação, na vigência do regime matrimonial, é irrenunciável, não podendo ser cedido ou penhorado, isso porque na verdade, na constância do casamento amparado por esse regime, não existe meação, pois os bens são administrados individualmente e com base nas regras do regime da separação absoluta.

De outra sorte, o que existe é apenas uma expectativa de direito à meação, efeito oriundo do regime da participação final nos aquestos, que se perfectibilizará somente no momento em que ocorrer uma das hipóteses legais de dissolução da sociedade conjugal.