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2. OUVINDO FÍSICA NA MELODIA DAS CORDAS

2.1. Aspectos gerais do timbre

Falar deste atributo no que diz respeito a questões científicas e acústicas implica levar em consideração o comportamento harmônico que forma parte do evento sonoro, mas de um único instrumento, família homogênea de instrumentos (cordas) ou voz, no que se refere à música. É por isso que, em certos momentos, ao falar do timbre, também se estará fazendo alusão à estrutura harmônica, forma de onda, pois esses conceitos estão ligados a um som específico.

A especificação do timbre no sistema musical aparece quando é considerada a sua complexidade e a contribuição dos outros atributos sonoros, entre os que se encontra a altura (frequência), ritmo (tempo) e o volume (Intensidade). Nesse sentido, o timbre tem sido muito utilizado para o reconhecimento de diferentes instrumentos e de técnicas de escalonamento multidimensional2 (MDS) que são determinadas por pequenas variações ao longo de três dimensões que se denominam: attack time, spectral centroid e spectral flux. São exemplos as indicações de intensidade na partitura e combinações de alturas que induzem no ouvinte manifestações psicológicas relativas às variações timbrísticas.

Para autores como Le Groux e Verschure (2010), os sons podem ser descritos principalmente por cinco componentes perceptuais, quatro deles foram mencionados acima e se adiciona a esses a espacialização que é multidimensional devido à relação desses elementos no espaço timbrístico. Outros estudos, segundo esses mesmos autores, têm relatado as dimensões perceptuais do som através de descrições acústicas. Tais descrições podem levar em consideração o elemento espectral, temporal e o elemento espectro- temporal e assim gerar um espaço timbrístico. O espaço timbrístico é determinado utilizando a análise multidimensional derivada da experimentação,

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MDS (escalonamento multidimensional ou multidimensional scaling): o objetivo dessa técnica é rearranjar a distribuição dos objetos (variáveis) de estudo de modo a detectar as menores dimensões significativas para explicar similaridades ou dissimilaridades entre tais elementos, tendo em vista uma distribuição paramétrica e não linear dos dados. (LE GROUX;VERSCHURE, 2010)

na qual ouvintes estimam a disparidade entre pares de sons com diferentes características timbrísticas.

Para autores como Grey (1977), Risset (1991) e Loureiro e Bastos (2006), está claro que na percepção do timbre participam elementos como a evolução da intensidade global. Denominada por esses dois últimos pesquisadores como envelope de amplitude, outros fatores como as flutuações de volume e altura, a distribuição espectral (amplitudes das frequências dos componentes espectrais) e a própria evolução temporal intervêm na percepção timbrística não só dos instrumentos musicais, mas também da voz humana.

Uma das análises que se faz nesta pesquisa, a do “Concerto Italiano-971” de Bach executada em cravo, piano e violino (cordas), está permeada – assim como as demais – por uma metodologia que se baseia na análise da distribuição espectral e das contribuições dos componentes harmônicos por faixa de frequência. Possibilitando, assim, analisar e interpretar o comportamento harmônico nos três casos acima citados. Porém serão dados maiores detalhes da pesquisa desde o ponto de vista metodológico no próximo capítulo.

Vale argumentar que é o timbre, dos atributos do som, Loureiro e Bastos (2006), o que maior complexidade apresenta, pois não está associado unicamente a uma dimensão física, portanto, não pode ser especificado quantitativamente no sistema de notação musical. Nesse sentido, esses autores defendem a ideia de o timbre ser percebido devido à interação de propriedades dinâmicas e estáticas – das quais falarei mais adiante durante o próprio desenvolvimento deste capítulo – que influenciam aspectos psicológicos e musicais a partir de um complexo conjuntode entes auditivos.

E a vivência da audição timbrística sempre teve e tem ainda hoje nas obras de Bartók3, a função de fazer com que a “alma” vibre internamente com ela (...) O timbre como tal caracteriza não apenas uma reação do ouvinte, e sim é também em si mesmo um importante elemento estilístico e formal da música ocidental. (HAMEL, 1976, p.169)

3 Béla Viktor János Bartók de Szuhafő, compositor húngaro, pianista e investigador da música

popular da Europa Central e do Leste, é considerado um dos maiores compositores do século XX. (HAMEL, 1976)

Apesar de os instrumentos acústicos tradicionais terem a possibilidade de produzir uma grande gama de timbres, essa amplitude de possibilidades se vê influenciada por uma série de fatores dos quais só mencionarei três que considero fundamentais: a altura das notas emitidas, a forma como o instrumento é executado e muito ligado a este a habilidade do intérprete no seu próprio controle dinâmico. Eis que as considerações feitas por Loureiro e Bastos (2006) estão em concordância com as colocações feitas acima, que apontam à ausência de um sistema classificatório que enquadre os estados de evolução do timbre em margens de qualidade e quantidade ao longo do tempo. Tendo em vista essa questão é que se tem traçado como parte desta pesquisa a análise de curvas de amplitude e frequência dos componentes harmônicos de alguns dos instrumentos utilizados aqui. Pesquisas precedentes, datadas algumas dos anos 60 do passado século e outras mais recentes, já mostraram a eficiência da representação de sons musicais em curvas de amplitude e de frequências dos componentes harmônicos (LUCE, 1963; RISSET, 1965). Tais pesquisas procuravam relacionar essas curvas com características perceptivas em sujeitos e produziram segundo Loureiro e Bastos (2006) resultados semelhantes àqueles obtidos em testes subjetivos de similaridade que comprovaram a eficiência desta metodologia na investigação que envolve a variação dinâmica do timbre em performances musicais.

Outros estudos recentes também conseguiram relacionar parâmetros físicos com as dimensões compartilhadas pelo timbre representado nestes espaços, combinando modelos quantitativos de relações perceptivas com explicações psicofísicas dos parâmetros que se identificam (HAJDA E KENDALL et. al., 1997). Um corpo sonoro (CALVO-MANZANO, 1991), ou seja, um corpo que emita som pode produzir vários sons em dependência das condições em que este vibre. Por exemplo, uma corda de violão produz um som perto da ponte e outros distintos se esta (a mesma corda) fosse pulsada na boca da caixa sonora ou acima do braço do instrumento, a mesma coisa acontece com o violino, porém já no cravo e no piano essas variações de timbre dependerão de outras formas de execução.

O mais grave desses sons é chamado de fundamental e os outros são denominados de parciais que podem ser harmônicos e, se esses forem semelhantes à série harmônica derivada da mesma frequência fundamental,

também são chamados de alíquotas ou concordantes. O número de harmônicos que forma o timbre de cada som é recorrente direto do corpo que o produz e da forma como o instrumento é executado. A mesma nota pode ser produzida em instrumentos diferentes e ainda assim sempre poderemos distinguir um do outro. Por exemplo, uma mesma música produzida por instrumentos diferentes, digamos, cravo, violino e piano, apresentará uma característica distintiva que é o timbre.

E esta distinção está dada pelos harmônicos que podem ser escutados em cada um destes instrumentos ou qualquer outro que não se tenha mencionado até aqui, pois os sons que ouvimos se diferenciam enquanto a intensidade e a distribuição de energia. Os sons neste caso não têm os mesmos harmônicos em frequências e a sua distribuição das intensidades é diferente Gráficos 1, 2 e 3. 0 5000 10000 15000 20000 25000 0 100 200 300 400 500 Amp lit u d e (m) Frequência (Hz) Cravo 0 5000 10000 15000 20000 25000 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 Amp lit u d e m( m) Frequência (Hz) Piano Gráfico 1. cravo Gráfico 2. piano

0 5000 10000 15000 20000 25000 0 10 20 30 40 50 Amp lit u d e (m) Frequência (Hz) Violino (Cordas)

Por outro lado, existem duas limitações que impossibilitam ao ser humano, em teoria, a percepção de infinitos harmônicos produzidos por um som complexo segundo o teorema de Fourier (CALVO-MANZANO, 1991). Aqueles harmônicos cuja frequência está no limite superior da audição humana (acima dos 20 kHz) não são perceptíveis para o nosso ouvido e tampouco o serão aqueles cujo nível de intensidade esteja embaixo do umbral audível para essa frequência. Essas limitações fazem com que o número de harmônicos que o ouvido humano percebe seja relativamente reduzido e são denominados harmônicos presentes.