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Aspectos histórico-sociais, um breve resgate

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PARQUE NACIONAL DO IGUAÇU (BR)

3 RESULTADOS E DICUSSÃO

3.1 Aspectos histórico-sociais, um breve resgate

Uma primeira questão a ser entendida é sobre a história comum dos parques, mesmo quando as atuais fronteiras políticas ainda não eram delimitadas. As alterações sofridas pela floresta estão relacionadas ao histórico de uso da terra e desenvolvimento da região que geraram a paisagem observada atualmente, uma matriz agrícola, aglomerados urbanos e algumas áreas florestadas, dentre essas, os Parques Nacionais do Iguaçu e Iguazú. Os marcos históricos relativos à presença humana na região são relatados a seguir.

Registros arqueológicos pré-colombianos atestam que diferentes povos indígenas, Chitás, Makás, Kaingáng, Guarani, dentre outros, viveram na região referente ao oeste paranaense/nordeste argentino. Chmyz e Miguel (1999) relatam a etnohistória e a arqueologia da área apontando para o predomínio da atividade coletora-caçadora, embora também ocorresse a prática de agricultura de subsistência. O nomadismo dentro da grande área florestada outrora existente afetava pouco o regime florestal.

Enquanto o litoral do continente brasileiro começava a ser ocupado a partir de 1500 por portugueses e espanhóis, o interior permanecia pouco povoado. No início do século XVII se iniciaram as Missões Jesuíticas para catequização dos indígenas da região. As reduções jesuíticas deram origem a pequenos povoamentos e promoção da agricultura, inclusive da erva-mate (Ilex paraguariensis), anteriormente extraída de populações naturais (MELIÁ, 1983), e introdução do gado acarretando na abertura de pastos.

Essa relação perduraria por cerca de um século até a expulsão dos jesuítas espanhóis e extermínio de indígenas por parte de bandeirantes portugueses, tendo em vista a luta pela demarcação da fronteira territorial entre Portugal e Espanha. Com a saída dos espanhóis, a região passou a ser ocupada por novos povos indígenas e por estrangeiros, principalmente paraguaios e argentinos (BRITO, 1977) mantendo o extrativismo florestal. Entretanto, durante quase dois séculos a região passou pelo que Andersen (1998) denomina 'Pausa Colonial', período de um vazio humano na região, importante para a recomposição da floresta, ao mesmo tempo que se estabeleciam as fronteiras territoriais brasileiras.

Segundo Wachowicz (1995), durante a época imperial, esta região ficou praticamente esquecida. A fronteira brasileira com o mundo espanhol havia sido definida pelo rio Paraná. A

solidez dessa fronteira, passando por um rio caudaloso, levou provavelmente ao desinteresse de sua colonização durante todo o século XIX.

No final do século XIX se estabeleceram as chamadas Obrages, empresas extrativistas de madeira (como cedros - Cedrela fissilis, perobas - Aspidosperma polyneurum, canjeranas -

Cabralea canjerana, caneleiras, sassafraz - espécies da família Lauraceae, ipês - espécies do

gênero Handroanthus e pau- marfim - Baulforodrendum riedelianum) e erva-mate (Ilex

paraguariensis), de grande importância para a mudança estrutural da paisagem regional, pois

exploravam os recursos naturais à sua exaustão. Eram produzidas 6 mil vigas mensais de madeira de 18 m altura e 10 x 10 m de largura, além de jangadas formadas por 1200 a 1400 vigas (APN, 1989). Quando estes recursos acabavam, as Obrages mudavam de região e reiniciavam o processo (LIMA, 2001). Este ciclo se mostrou predatório, baseado em latifúndios em base escravagista.

Por consequência, em 1920, a floresta encontrava-se escassa de palmeiras e de árvores 'gigantes' com mais de 30 m, além do espraiamento de clareiras e capoeiras. Apesar disso, ainda apresentava rica fauna, como a onça pintada, tamanduás, antas, veados, queixadas e catetos, dentre outros. (BRITO, 1977; APN, 1989). As grandes Obrages perduraram até 1930, compostas em sua maior parte por empresários argentinos e trabalhadores paraguaios, segundo WACHOWICZ (1995, p.227): “Esta frente extrativa de erva-mate era pois de capital argentino, mão de obra paraguaia e matéria-prima brasileira”.

Ao mesmo tempo, o governo brasileiro, preocupado com a soberania do país pós Guerra do Paraguai, atenta para importância da ocupação da fronteira instalando a Colônia Militar do Iguassu, em Foz do Iguaçu. Como parte da estratégia de ocupação, foram doadas grandes extensões de terras. Porém, sem sucesso na agricultura de subsistência e inseguros pela não legalização das terra, muitos colonos abandonaram seus lotes e buscaram outros locais para fixar residência (CHMYZ e MIGUEL, 1999; WASCHOWICH, 2002).

Em decorrência da política governamental de nacionalização, denominada 'Marcha para o Oeste', concebida como uma estratégia de contenção das fronteiras e de soberania do país, imigram colonos gaúchos e catarinenses atraídos pelas promessas de terra fértil e barata. Segundo Lima (2001), predominou ação predatória, com eliminação de populações remanescentes de floresta nativa, representada por perobas, ipês, cedros, pinheiros, canafistulas, canjeranas e outras espécies nobres de madeira.

Do lado argentino, a ocupação era refletida pela construção dos portos para escoamento de madeiras, havendo ampla rede de caminhos e picadas na floresta, além da construção de um hotel. Em 1928 foram adquiridas terras pelo governo argentino para implantar a Colônia Militar em Puerto Iguazú e um Parque Nacional, ambos idealizados em 1909 após indicação do governador de Posadas para impulsionar a região através do turismo (APN, 1986).

Também havia por parte do governo brasileiro a intenção em transformar a região em polo turístico internacional, potencializando a natureza como fonte de recursos e divisas (ANDERSEN, 1998). Entretanto, na década de 70 inicia-se uma aceleração do desmatamento devido à expansão da agricultura mecanizada em larga escala, principalmente da soja e trigo. Com isso, houve a perda de solo fértil, erosão, destruição de cobertura vegetal, poluição do solo e da água por agrotóxicos.

Na década seguinte, a construção da hidrelétrica de Itaipu transformou notavelmente a paisagem da região, inundou cerca de 1.460 km², incluindo terras guarani, de colonos e das Sete Quedas, formando uma grande lago que circunda a chamada Bacia do Paraná 3. Concomitante este ocasionou a perda de referenciais sociais e culturais das populações desalojadas (ANDERSEN, 2008), além de limitar a capacidade de transporte hídrico pela Argentina.

A ocupação da fronteira brasileira é finalmente estabelecida com um boom migratório, além da modernização do perímetro urbano de Foz do Iguaçu e de trocas comerciais com os países vizinhos. Esta cidade contava, em 1970, com cerca de 33.970 habitantes e em 1980 já estava com 136.320 habitantes pois para a construção da hidrelétrica deslocaram-se para Foz do Iguaçu cerca de 80.000 trabalhadores, em grande parte trazendo consigo toda a família (RIBEIRO, 2002). Atualmente possui cerca de 250 mil habitantes, e é considerado um dos principais destinos de interior do Brasil tendo o PNI como atrativo principal.

Já Puerto Iguazú, na Argentina, apresentava no censo de 2001 uma população de 33.799 habitantes e em 2010, cerca de 82 mil (INDEC, 2010) e se caracteriza por ser a menor e menos ativa das três cidades que compõem as cidades da Tríplice Fronteira. Também apresenta a menor interferência de grupos imigrantes se comparada com Foz do Iguaçu e Ciudad del Este. Tem uma sociedade homogênea, marcada pela geografia de um espaço natural caracterizado pelo PNIZ e das Cataratas como recurso turístico, além das ruínas jesuíticas e aldeias indígenas guarani.

Percebe-se as áreas estudadas como um sistema socioecológico, definido por um conjunto de características: engloba fatores biofísicos e sociais interagindo regularmente de maneira sustentável e resiliente. Define-se em várias escalas espaciais, temporais e organizacionais, ligadas hierarquicamente. É um conjunto de recursos críticos (naturais, socioeconômicos e culturais), cujo fluxo e uso é regulado pela combinação de sistemas ecológicos e sociais. É perpetuamente dinâmico, complexo, com adaptação contínua (REDMAN et al. 2004).

As diferentes pressões aos recursos naturais pelas atividades econômicas levaram à modificação da paisagem. Pelos indígenas guarani, a abertura de clareiras e dispersão de sementes aliada ao pousio das áreas pode ter criado uma dinâmica florestal resiliente a esses impactos. A implantação de povoamentos por estrangeiros e desaculturação gradual dos guarani importou espécies novas e imprimiu uma caracterização semiurbana da paisagem. A ausência de populações humanas durante algum tempo permitiu a regeneração da floresta, posteriormente, dragada de seus recursos pela existência de empresas extrativistas. A defesa do território brasileiro, por um lado, intensificou a perda de biodiversidade devido à ocupação, mas por outro, oportuniza um novo ciclo de regeneração da floresta pela criação dos parques. Os limites dos parques são ampliados, como também a fronteira agrícola e urbana aumenta.

Em meio aos processos de exploração e conservação percebe-se a caracterização deste sistema. Através das visitas aos parques visualizou-se as resultantes desses ciclos adaptativos. Elas são expressas pelas pressões humanas (sociais, econômicas, culturais, conservacionistas) presentes no contexto atual, como caça ilegal, extrativismo, abertura de estradas, trânsito de veículos, turismo de massa, ocupação por guaranis 'modernos', dentre outros. Como também pelos aspectos ambientais, rica biodiversidade, fragmentação, introdução de exóticas, espécies ameaçadas, extintas ou raras. As áreas das antigas vilas evidenciam esses aspectos e principalmente essa capacidade de transformação e renovação do ecossistema.

3.2 O Parque Nacional do Iguaçu como um Sistema Socioecológico: um estudo de suas

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