• Nenhum resultado encontrado

Uso Integrado do Conhecimento Histórico e Ecológico

No documento Download/Open (páginas 96-100)

PARQUE NACIONAL DO IGUAÇU (BR)

3 RESULTADOS E DICUSSÃO

3.3 Uso Integrado do Conhecimento Histórico e Ecológico

As áreas protegidas são importantes tanto do ponto de vista ecológico quanto social. Mantém a diversidade e a variação genética de espécies dos ecossistemas e dos processos ecológicos essenciais, a beleza cênica do lugar e proporcionam serviços ecossistêmicos diversos. São também importantes para o bem-estar social, pois podem ser aplicados como alternativas educacionais e recreativas.

Além destes atributos, estas unidades têm o relevante papel de mostrar como a paisagem integra os paleoterritórios que as formam. A reconstrução da história da atividade humana sobre o espaço geográfico é assentada sobre os territórios, manifestados em diferentes escalas, tanto espaciais e como temporais. Ao longo da história foram se estabelecendo

cadeias de usos do espaço, ou sejam, sistemas e redes de territórios. Com o passar do tempo, estes territórios se sobrepõem, formando uma realidade única, prenhe de efeitos sinergéticos.

As paisagens são impregnadas de trabalho. Por isso podem ser consideradas como a expressão territorial do metabolismo da sociedade. Uma parte muito considerável do que chamamos 'paisagem natural' constitui um produto da agência e do trabalho humano e, ao ser admirada como natural, importa muito se suprimimos dela o trabalho ou se o reconhecemos (WILLIAMS, 2011). Não obstante, as interações de populações e ocupações pretéritas com diversos ecossistemas vêm sendo negligenciadas, não somente no discurso ambiental, como também em estudos de ecologia. Decodificar a paisagem constitui em (re)conhecer o trabalho humano nela impresso. Estes usos, ordenados pelas intencionalidades, necessidades e adaptações das populações passadas que estabeleceram seus antigos territórios e uma vez refeitos pelas dinâmicas naturais, são parte substancial daquilo que hoje chamamos de 'natureza'.

Como observado na exposição da história ambiental dos parques e no projeto-piloto de diagnose da vegetação de antigas vilas, o homem afirma sua territorialidade deixando marcas de sua cultura ao longo da história, refletindo na configuração da paisagem. Portanto, populações humanas podem ter estado presentes quando da criação de unidades de conservação ou terem habitado as mesmas em tempos pretéritos, como ocorrido no Parque Nacional do Iguaçu. Neste caso, seus territórios de uso dos recursos podem deixar marcas na paisagem que estabelecem uma ligação de pertencimento ao lugar. Essa abordagem pode ser usada por gestores de UC para atividades turísticas educacionais.

Maroti e Santos (2004) desenvolveram um programa de educação ambiental para a Estação Ecológica de Jataí, como estruturação de trilhas interpretativas, utilizando as características da paisagem, elementos da história do local incrementados pelo resgate da memória dos idosos, ex-moradores da região. Assim, construiram mapas mentais e afetivos que subsidiaram a estruturação das trilhas

.

Ikemoto e Moraes (2009) verificaram para visitantes não-locais de uma UC de Teresópolis (RJ) predominância de percepção estética, a qual, segundo Rodrigues (2001, apud IKEMOTO; MORAES, 2009), é a visão de um estranho, quando o mesmo julga pela aparência, por algum critério formal de beleza, já que não desenvolveu uma história naquele local, se prendendo a dimensões concretas e sensoriais da paisagem. Observaram também que o visitante morador ou frequentador do local possui uma percepção que não se detém simplesmente aos componentes biofísicos da paisagem, mas é acompanhada de vivências, da compreensão da área a partir de seu uso histórico. Ao contrário dos visitantes comuns, por terem acompanhado o processo de ocupação, percebem a área como uma floresta já alterada pelo homem e passível de sofrer degradação e não ao modo de local inatingível, intocado. Além disso, reconhecem e valorizam a área pela sua relevância histórica, cultural e natural ao município, sendo parte da identidade do morador local.

Kropf (2011) ao realizar estudo de percepção ambiental com alunos de pedagogia em trilha no Parque Nacional do Iguaçu, obteve resultados semelhantes aos de Ikemoto e Moraes (2009). Observou no discurso dos alunos, indicações de fatores estéticos da paisagem como a beleza do lugar, a presença da fauna e flora além de sensações de bem-estar. Ocorreram relatos de maravilhamento (encantamento) e tranquilidade relacionados à represa existente ao final da trilha estudada e construída por antigas vilas existentes no parque, o que demarca a afinidade histórica com o local.

Isto pode ser explicado pelo fato de que embora sejam moradores de municípios do entorno, o parque é 'estranho' a eles, pois não o visitam com frequência e, além disso, muitos são os conflitos entre população e parque. Concluiu ser a represa uma referência topofílica para os estudantes, a importância das atividades vivenciais em campo para a consolidação de

conceitos ecológicos e indicou o potencial da Trilha da Represa como uma opção para os gestores da Unidade.

Portanto, o resgate dos processos historicamente vividos traz à tona significados do lugar, construídos a partir das vivências onde o sujeito esteve mergulhado, resultando em interações nostálgicas que, antes de se resumirem a uma imersão romântica e idealista, provocam uma revisitação reveladora de valores e comportamentos com relação ao lugar habitado (CORREA, 2008). Com a sua descrição é possível contribuir para usos sustentáveis de remanescentes florestais que insiram a população residente das áreas de entorno, via exploração do ecoturismo e do turismo histórico-cultural da região.

Os antigos habitantes das vilas estudadas em muito pouco se beneficiaram do seu trabalho, enquanto que muitos lucraram com ele. São até hoje invisibilizados do ponto de vista social e ignorados pela historiografia oficial. Dessa história, restou o conjunto de memórias de antigos habitantes e o único documento foi o seu paleoterritório, hoje transformado em belo parque, que esconde, em meio a uma densa floresta, uma história de esquecimentos e desigualdades entre as pessoas que nela viveram e que dela se utilizaram.

4 CONCLUSÃO

As áreas conhecidas do Parque Nacional do Iguaçu e do Parque Nacional do Iguazú foram utilizadas de diferentes maneiras ao longo do tempo e por diferentes culturas. Nos últimos 30 anos a paisagem em uma escala regional passou por mudanças significativas, restando poucos remanescentes florestais, daí a importância dos parques nacionais criados na fronteira entre Brasil e Argentina. Mesmo que num primeiro momento tenham atendido aos anseios de manutenção da soberania, hoje contribuem significativamente para o turismo na região. Mais importantes são os serviços ecossistêmicos mantidos por essas áreas, ameaçados devido aos diversos conflitos socioambientais verificados na região.

Características peculiares dos históricos de cada parque determinaram distinções no modelo de gestão adotado, nos recursos humanos e financeiros, na infraestrutura, capacitação técnica e inclusão social. Também acarretaram diferenças no tamanho e forma dos fragmentos e das estratégias de conservação e proteção. No Parque Nacional do Iguaçu (podendo extrapolar para o Iguazú), a estrutura da vegetação atual guarda em parte a ação da população que outrora habitou a região, sendo evidenciada tanto nas espécies presentes, como nas ausentes assim como na fisionomia da mata como um todo. Mais além de se constituírem marcos históricos, estas espécies podem redefinir as cadeias tróficas e a dinâmica das populações.

A diagnose florestal ajudou a entender como a relação entre sociedade e natureza é dinâmica e cria situações que podem ser propícias ou adversas aos seres vivos, sejam eles humanos ou não. O presente estudo encontrou diversidade semelhante a outros trabalhos na região, apesar de baixa e homogeneidade na área analisada. A presença de espécies com estágios sucessionais iniciais entre as com maior VI, aliada ao fato da maioria das espécies estarem entre as menores classes de diâmetro e de altura podem indicar que a área encontram- se em fase secundária e natural de regeneração.

Esses resultados corroboram com os dados históricos da área que relatam distúrbios causados pela ocupação, agricultura e extração seletiva de madeira. Ao visitar as áreas anteriormente habitadas pode-se notar que, apesar da vegetação ter se regenerado, ainda são encontrados vestígios das antigas construções bem como espécies vegetais indicadoras da pretérita presença humana. A presença de perobas de grande porte, ausência de espécies facilitadoras como palmito e jerivá, além da inserção da flora exótica nas cadeias ecológicas ocorrência, refletem a perturbação da mata sofrida pelo uso pretérito.

A importância histórica das vilas existentes no parques, aliada ao pouco conhecimento das características ecológicas da Floresta Estacional Semidecidual, apontam para a necessidade de trabalhos com esse enfoque. Ademais, verificou-se que a diversidade cultural está documentada não somente em textos, mas também na sua paisagem. Portanto, estudos com essa abordagem poderão atingir concomitantemente a valorização do patrimônio histórico, cultural e ecológico do lugar.

O inventário apresentado pode ser traduzido para o público comum por meio de trilhas interpretativas ou textos de divulgação científica popular, ajudando a compreender a inter- relação e dissociação entre Patrimônio Natural e Cultural. Assim, a dimensão cultural da paisagem, explicitada no legado cultural e ecológico dos seus paleoterritórios, contribui para ampliar a compreensão de processos ecológicos hoje presentes, atuando ao mesmo tempo como um documento da forma de vida de segmentos de populações passadas.

No documento Download/Open (páginas 96-100)