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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1.1. Aspectos Históricos

A Terminologia em sua acepção científica é relativamente nova. No entanto, se voltarmos o olhar para a sua atuação prática, seremos capazes de localizá-la desde o século V a.C. Assim vemos que

A terminologia não é um fenômeno recente. Com efeito, tão longe quanto se remete na história do homem, desde que se manifesta a linguagem, nos encontramos em presença de línguas de especialidade, é assim que se encontra a terminologia dos filósofos gregos, a língua de negócio dos comerciantes cretas, os vocábulos especializados da arte militar, etc. (RONDEAU, 1984 apud KRIEGER; FINATTO, 2004, p. 24)

Assim, notamos que a Arte Militar está incluída no rol das linguagens de especialidade que se manifesta em tempos pretéritos. Contudo, como o entendimento da própria Terminologia, ela não representava uma ciência, mas uma Arte, assim como a Terminologia era tão somente uma prática e não uma disciplina.

KRIEGER; FINATTO (2004) afirmam que o reconhecimento oficial da existência de vocabulários pertencentes a determinadas áreas específicas do conhecimento especializado ocorre no século XVIII. Isto acontece porque, segundo as autoras, os dicionários clássicos da Europa nessa época passaram a incluir a entrada Terminologia definindo-a como matéria que se ocupa de denominar os conceitos próprios das Ciências e das Artes.

O século XVIII é um período marcado pelo estabelecimento das nomenclaturas técnico-científicas, cunhadas com componentes do latim e do grego. Trata-se dos conhecidos termos científicos, desenvolvidos particularmente no campo das ciências taxionômicas a exemplo da Botânica, da Zoologia, da Química entre outras. (KRIEGER; FINATTO, 2004, p.25)

As autoras seguem seu retrospecto afirmando que, ao contrário da prática terminológica realizada na Antiguidade histórica, a abordagem da Terminologia como

58 ciência vinculada aos estudos do componente lexical das linguagens de especialidade é relativamente recente, datando da segunda metade do século passado.

Para tratar dos aspectos históricos recentes dessa ciência, nos apoiamos em CABRÉ (1993, p. 28) que divide a história da Terminologia em quatro períodos fundamentais: origens, estruturação, eclosão e expansão. Levando-se em conta que a obra de CABRÉ data do ano de 1993, fizemos uso, também, da proposta de divisão histórica mais recente sugerida por BARROS no ano de 2004 que, além de avançar no tempo e sugerir a ampliação do período de expansão por mais uma década, acrescenta um período a mais que é o de reflexão e mudança de paradigmas. Além disso, é importante ressaltar que a autora brasileira, em sua reformulação de períodos, também leva em conta o andamento das pesquisas e a produção em território nacional. (SOUZA, 2007, p. 42)

O Primeiro período se situa entre os anos de 1930-1960. Segundo BARROS (2004), o reconhecimento da Terminologia como disciplina científica ocorre na Alemanha, com Wüster, e na antiga União Soviética, com Lotte. A mesma autora nos explica que o grande marco dos estudos terminológicos ocorreu em 1931 com a publicação da Tese de Doutorado de Eugen Wüster intitulada Internationale Sprachnormung in der Technik

besonders in der Elektrotechnik (Normalização Internacional da Linguagem Técnica, com

Ênfase Especial na Eletrotécnica34). Nesse trabalho, o engenheiro austríaco define os postulados base bem como os métodos de trabalho da Ciência terminológica. Além dessa obra, há a publicação de Introdução ao Ensino de terminologia geral e lexicografia

terminológica35 que expõe a Teoria Geral da Terminologia (TGT). Desse modo, "para a TGT, a natureza do conceito, as relações conceituais, a relação termo-conceito e a atribuição de termos aos conceitos ocupam um lugar-chave." (LABATE, 2008, p.16).

34A tradução do título da Tese de Doutorado de Wüster foi proposta por ANJOS (2003, p.31), em sua

dissertação de Mestrado, com base na versão espanhola apresentada de DIEGO (1995, p.18).

35 Tradução nossa. No original, “Einführung in die Allgemeine Terminologielehre und terminologische

59 BARROS (2004) afirma que é nesse período que aparecem trabalhos pioneiros na tentativa de delinear o espaço teórico e metodológico dessa ciência. RONDEAU (1984, p.35) afirma que, nessa fase, a ênfase é dada ao caráter sistemático das terminologias. De acordo com SOUZA (2007, p.42), apesar de ter sido Lotte quem mais se dedicou a estudos de cunho reflexivo e metodológico acerca da Terminologia, foi Wüster quem disseminou "as particularidades pragmáticas dos vocabulários técnicos, principalmente no contexto de fundação da Organização Internacional de Normalização (ISO)".

Nesse contexto, segundo KRIEGER; FINATTO (2004), três grandes escolas norteiam os estudos terminológicos: a Escola de Viena, a Escola de Praga e a Escola de Moscou. A primeira, da qual faz parte Wüster, centrou-se em questões metodológicas e normativas. A segunda, da qual participavam Crozd e Trubetsky, é considerada a mais linguística. Na visão de DIEGO (1995, p.19) esta Escola tomava por base a linguística funcional e as teorias de Saussure e considerava que a língua das ciências é funcional e estruturada para fins específicos. A última Escola, que tem Lotte como um dos seus maiores representantes, é, na visão de RONDEAU (1984, p.08), “a mais marcada tanto pela coordenação entre teoria e prática quanto pelo tratamento linguístico dispensado à Terminologia”.

Os estudos feitos por essas Escolas e a necessidade da busca de uma uniformização de termos e conceitos convergiram para a criação de várias organizações e comissões de normalização, entre as quais se destacam a IEC (International Eletrotechnical Comission), a ISA (International Federation of National Standardizing Associations) e a ISO (International Organization for Standardization)36.

O Segundo momento está entre os anos 1960 e 1975. Até a década de 50, com base em CABRÉ (1993, p.22), os estudiosos de Ciências Humanas, incluindo-se os linguistas e

60 filólogos nesse rol, não demonstravam interesse significativo pelos estudos de Terminologia já que sua atenção estava voltada para os princípios estruturais e funcionais das línguas possíveis em tempo real, não centrando seu foco para as perspectivas de polivalência das línguas como instrumento de comunicação.

É a partir da década de 60 que BARROS (2004) afirma estar sendo introjetado na vida do homem um novo ritmo de fazer ciência. Tal fato apresenta-se como decorrência do desenvolvimento da informática. A autora ainda recorda que, nessa época, surgem os primeiros bancos de dados terminológicos monolíngues, bilíngues e multilíngues e que é nesse contexto que "a Terminologia adquire dimensões internacionais e a abordagem normativa das línguas e das terminologias desenvolve-se de modo expressivo." (BARROS, 2004, p.35)

A criação da INFOTERM (International Information Center for Terminology), no ano de 1971, e a realização de inúmeros eventos científicos nacionais, regionais e internacionais são resultados concretos, como afirma ANJOS (2003, p. 33), "da intensificação das atividades terminológicas no início da década de 70." É também nesse contexto que surgem novos cursos de Terminologia, assim como bancos de dados. Como é possível verificar, esse momento se define pela estruturação sólida da Terminologia.

O terceiro momento comporta o período que vai de 1975 até 1985. Seguindo as ideias de BARROS (2004), adotada também por SOUZA (2007), esse é o período de aumento de políticas de planejamento linguístico e da popularização da informática. Se o período anterior é o que solidifica a Terminologia e sua atuação, esta década será a de eclosão dessa ciência. De acordo com a autora, nesse momento "a Terminologia desempenha papel importante em processos de normalização e harmonização terminológicas, de modificação de línguas por meio da modernização vocabular e da transmissão de conhecimentos científicos e técnicos." (BARROS, 2004, pp.35-36). Um

61 feito importante que não pode deixar de ser mencionado, principalmente no que diz respeito às línguas de origem latina, é a criação da União Latina, no ano de 1983.

O período que abarca desde o ano de 1985 e alcança toda a década de 1990 é o de expansão territorial e científica da Terminologia. Segundo BARROS (2004), é nesse momento que se diversificam os temas tratados e aumentam quantitativamente projetos de obras terminográficas especializadas em várias áreas do conhecimento.

[...] criam-se novas perspectivas com o desenvolvimento da indústria da língua, organizam-se redes internacionais que facilitam a cooperação e o intercâmbio científicos, aprimora-se a formação do terminólogo. A Terminologia assume, enfim, novas dimensões e articula-se no plano internacional." (BARROS, 2004, p.36).

Nesse momento do desenvolvimento da ciência terminológica é que surge a Rede Ibero-americana de Terminologia (RITerm). De acordo com ANJOS (2003, p. 34), no ano de 1993, "é criada a Realiter (Rede Panlatina de Terminologia), em Paris, que visa a formar uma rede de trabalho entre países de línguas neolatinas."

Particularmente, esse período é de suma importância para nossa Tese porque, no mês de março do ano de 1988, os estudos de Terminologia de viés diacrônico ganham, pela primeira vez, tanto reconhecimento quanto assentamento por meio do “Colóquio Terminologia Diacrônica”, ocorrido na Bélgica. Segundo HANSE (1989, p.22), em seu discurso de abertura do evento, esse colóquio se centrou em torno da história da Terminologia vista em três aspectos: história da ciência dos termos, história dos vocabulários e Terminologia diacrônica e suas relações com a sociedade37. Até esse momento, não se concebia validade científica aos estudos terminológicos em diacronia. É a partir desse colóquio que há uma relativa mudança desse panorama. Como podemos verificar na fala de um dos congressistas,

37 “Ce coloque porte sur l’histoire de la terminologie. On a prévu trois perspective historiques (histoire de la

Science des termes, histoire de vocabulaires, terminologie diachronique et société) avant déboucher judicieusement sur une prospective”. (HANSE, 1989, p.22).

62 Se concebermos a Terminologia como esta parte da epistemologia que estuda a relação entre o pensamento científico e linguagem científica, será assumido que a linguagem não pode ser concebida como diacrônica. A essência da ciência e da indústria é a sua dimensão de tempo (o famoso PROGRESSO) e pode-se estudar a linguagem da ciência através do estudo de seu desenvolvimento. [...] Este exemplo demonstra que um termo científico deve ser estudado pelo terminólogo em diacronia38. (BAUDET, 1989, pp.64-65)

A conferência proferida por Baudet explicita, de modo claro e com argumentos científicos sustentáveis, usando como exemplo a terminologia do campo siderúrgico, que a Terminologia pode e deve ser estudada em diacronia. Ratificamos, então, o despontar para os estudos terminológicos de viés histórico, que serão reforçados com mais afinco na segunda metade dos anos 90.

O último dos períodos, proposto na reformulação realizada por BARROS (2004), abarca toda a década de 1990 e segue até o presente momento. Na visão da autora, os pressupostos teóricos e metodológicos das ciências passam por revisões gerais em todo o mundo. O "[...] questionamento a respeito do modelo normalizador da Terminologia conduzem à Socioterminologia, à proposta de "libertação das amarras" da TGT e à proposta de um novo paradigma, expresso pela Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT), proposta por Maria Teresa Cabré." (BARROS, 2004, p.36)

A Socioterminologia é a disciplina que tem por objetivo principal a identificação e a categorização das aparentes variantes linguísticas dos termos em contextos distintos que se regulam por diferentes tipos de situação de uso da língua39. Já a TCT, de acordo com CABRÉ (1999), articula-se levando em conta o valor dos aspectos comunicativos das linguagens especializadas em detrimento dos propósitos normalizadores, bem como na compreensão de que as unidades terminológicas estão inseridas na linguagem natural e na gramática das línguas. O que é mais evidente, tanto na TCT quanto na Socioterminologia,

38 Tradução nossa. No original, “Si l’on conçoit la terminologie comme cette partie de l’épistémologie qui

étudie la rapport entre pensée scientifique et langage scientifique, on admettra que la terminologie ne peut être conçue que comme diachronique. L’essence même de la science et de l’industrie est leur caratère temporel (le fameux PROGRES) et on ne peut étudier les langues de la science qu’en étudiant leur développement. […] Cet exemple montre bien qu'un terme scientifique doit être étudié par le terminologue en diachronique.” (BAUDET, 1989, pp.64-65)

63 e de extrema importância para nosso trabalho, é que essas teorias acolhem o princípio da variação em toda sua dimensionalidade, pois preconizam que a unidade lexical pode assumir uma função especializada ou não, admitindo, dessa feita, que o conteúdo do termo não é fixo.

É nesse interim que a Terminologia diacrônica intensifica seu espaço, dez anos depois da realização do Colóquio de Bruxelas. Dessa vez, na Espanha, na cidade de Barcelona, celebrou-se o Colóquio “A história das linguagens ibero-românicas de especialidade: séculos XII-XIX”. De acordo com SOUZA (2007, p. 53), o principal objetivo desse evento foi “[...] revisitar a concepção tradicional da Terminologia: apropriação e rupturas de epistemologias que norteavam a Terminografia do final da Idade Moderna, a partir de uma pesquisa diacrônica, tomando como essencial os conceitos e suas relações.” O colóquio, além de ocupar o espaço recente das pesquisas terminológicas em diacronia, também levantou pontos importantes como a influência da globalização nas perspectivas de estudos da área.

Nós também estamos de acordo com a ideia de que o processo de globalização é o ponto norteador da Terminologia no século XXI, uma vez que consideramos que as rápidas inovações tecnológicas, principalmente a popularização e acessibilidade à rede mundial de computadores, produziram uma revolução nos processos de intercâmbio das informações.

Razões de outra ordem também motivam o interesse pelo componente lexical especializado dos idiomas. Entre elas, destaca-se o processo de globalização que, incrementando as transações comerciais entre as nações, propiciou o surgimento dos atuais blocos econômicos, bem como de uma série de intercâmbios que ultrapassaram o âmbito comercial, expandindo-se para o mundo científico, tecnológico e cultural. [...] Nesse momento de globalização, também surge uma grande preocupação com a tradução dessas línguas de especialidade. Além disso, a inserção múltipla da tecnologia e de outras ciências faz com que os usuários se preocupem mais em saber utilizar os termos específicos." (KRIEGER; FINATTO, 2004, p.27)

64 Com base nas afirmações das autoras supracitadas, podemos ratificar a posição de ANJOS40 (2003, p.35) ao dizer que "o grande desafio da Terminologia, que nasceu justamente de uma necessidade advinda da Revolução Industrial, é lidar com o Século da Informação e com uma rápida e constante evolução científica e técnica." Diante desse apanhado para situar o que se entende por Terminologia, nos cabe aclarar algumas ideias sobre seu principal objeto: as chamadas linguagens de especialidade.