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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1.2. Língua(gem) geral e de especialidade

BARROS (2004) nos afirma que, durante muito tempo, o objeto do campo de pesquisa da Terminologia foram as chamadas “línguas de especialidade”. No entanto, nos últimos anos de desenvolvimento da área, os terminológos, com base na tradição linguística, começaram a apontar incongruências no uso do termo “língua de especialidade”.

Se nos remontamos ao marco de fundação da Linguística, isto é, ao Curso de

Linguística Geral de Ferdinand de Saussure, verificamos que, nessa obra, a língua não é nada mais que um sistema de valores puros. Já nos diz o pai da linguística que “a língua [...] é um todo por si e um princípio de classificação” (SAUSSURE, 1970, p.17). Assim, corroborando com essa ideia, LYONS (1975) afirma que a língua é um sistema de símbolos projetados para fins de comunicação. Desse modo, notamos em ambas as definições anteriores que os autores eximem a possibilidade de que a língua possa ser uma descrição do mundo e propõe sua teoria classificando a língua como um fato social, produto de uma coletividade, que estabelece seus valores por meio de uma convenção social, sobre a qual o indivíduo não teria nenhum poder.

Em contrapartida, para SAUSSURE (1970, p.17) “a linguagem é multiforme e heteróclita, [...] pertence, além disso, ao domínio individual e ao domínio social; não se

65 deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe inferir a sua unidade”. Então, segundo LYONS (1975, p. 22), “a linguagem pode ser legitimamente considerada sob um ponto de vista comportamental (embora não necessariamente comportamentista)”. A partir do exposto, verificamos que há uma diferença clara entre língua e linguagem, em que depreendemos claramente que a linguagem é a língua em uso. Como nos aponta LABOV (1972), se tomamos a língua como uma forma de comportamento social dentro de uma comunidade, a linguagem será a manifestação expressada por seu uso efetivo. Desse modo, o melhor termo a ser usado deve ser “linguagem de especialidade”.

Além das diferenças entre língua e linguagem centradas na tradição linguística, é relevante retomar as palavras de uma das grandes estudiosas da Terminologia. De acordo com BOUTIN-QUESNEL (1985, p. 20), as ditas línguas de especialidade eram “subsistemas linguísticos que compreendem o conjunto dos meios linguísticos próprios de um campo da experiência”. Dessa concepção, que perdurou durante muito tempo, há críticas a serem feitas que ratificam o posicionamento de entender o objeto da Terminologia como linguagem e não como língua. Segundo BARROS (2004),

O que ocorre é que os domínios especializados utilizariam com maior frequência alguns recursos dessa língua na elaboração de seus textos. Assim, embora cada universo de discurso especializado produza textos com particularidades sintáticas, pragmáticas, semióticas, além de terminológicas, essas especificidades não deixam de ser recursos linguísticos utilizados pela língua geral na qual são escritos esses textos. Nesse sentido, não se trataria propriamente de uma língua de especialidade, mas de uma linguagem de especialidade. (BARROS, 2004, p.43)

Apesar da precisão terminológica assentada na tradição linguística, BARROS (2004, p.43) afirma que “o termo língua de especialidade já se consagrou nos meios da Terminologia e mesmo os trabalhos mais recentes na área continuam a utilizá-lo”41. Sobre

41 Sobre essa questão, SCHIFKO (2001) expõe que, antigamente, muitos estudiosos refutavam o uso do

termo “linguagem de especialidade” por conta de padrões que se acreditavam existir somente na chamada “língua geral” como, por exemplo, a não univocidade da relação termo-conceito e as variações. Ainda que

66 esse enraizamento na área, DESCAMPS (1977) já expunha que o próprio conceito de "língua de especialidade" sempre foi, desde a fundação desse campo moderno de estudo por Wüster – na Alemanha, e Lott – na antiga União Soviética, objeto de algumas propostas de definição. Na literatura especializada da Terminologia encontramos algumas variedades como discurso temático, discurso científico, discurso de domínio, discurso

funcional, discurso específico, língua profissional ou língua técnica. Apesar dessa multiplicidade de opções, que aparece ao longo do desenvolvimento da Terminologia, todas convergem para uma única ideia: seja língua ou linguagem de especialidade (ou qualquer outra variante que se tenha empregado) todas pertencem ao discurso funcional compreendido no sistema total da língua, como tal recorrendo apenas parcelarmente ao material lexical, sintático e semântico que a língua disponibiliza. (GIL, 2003, pp. 114-115)

Destarte essas observações apresentadas, nossa posição é a de adotar o termo mais acurado, isto é, linguagem de especialidade. A definição que melhor representa a nossa posição é a oferecida por CABRÉ; GÓMEZ DE ENTERRÍA (2006, p.21), que definem linguagem de especialidade como um “subconjunto de recursos específicos, linguísticos e não-linguísticos, discursivos e gramaticais que são usados em situações consideradas especializadas por suas condições comunicativas.”42

Outro termo que merece relevância na definição de BOUTIN-QUESNEL (1985) é o de campo de experiência. Esse termo é definido por GALISSON; COSTE (1983) como o campo que diz respeito às profissões e, para a representação linguística de cada um, é usado um vocabulário especializado. Seguindo esse raciocínio, PHAL (1971) define os vocabulários especializados como secções ou cortes numa base linguística comum, que, para ele, é o léxico de uma língua. A afirmação de PHAL (1971) é consolidada e hoje esses padrões sejam admitidos também em um discurso especializado, em muitas tradições de estudos terminológicos o termo “língua de especialidade” acabou enraizando-se.

42 No original, “subconjuntos de recursos específicos, linguísticos y no linguísticos, discursivos y

67 compartilhada por uma série de estudiosos43 que também partem da constatação de que é por meio do léxico que a Terminologia se faz mais evidente. Como diz GÓMEZ DE ENTERRÍA (2009), é o léxico, junto com as marcas discursivas, que marca uma grande parte da linguagem de especialidade.

No mais, é importante notar que o uso do termo campo de experiência, relacionado a profissões e capacidades técnicas das áreas, faz com que repensemos o conceito dos grupos que partilham de um mesmo conhecimento específico. LERAT (1995) aponta que as linguagens de especialidade devem ser pensadas sempre em relação aos usuários que as empregam com a finalidade de transmitir os conhecimentos especializados. Assim, são esses usuários os responsáveis, tanto pelo surgimento de um termo quanto pelo seu uso de acordo com o progresso de cada tipo de ciência a qual está vinculado.

Como nosso intuito é trabalhar com questões linguísticas de variação/mudança, estamos inseridos em um universo funcional em que os usuários da linguagem de especialidade militar são importantes para o entendimento do surgimento das variações/mudanças bem como para as motivações para o aparecimento desses fenômenos. Então, nos cabe esclarecer, também, como estabeleceremos a relação da sociolinguística variacionista com os estudos diacrônicos da Terminologia que estamos propondo.