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CAPÍTULO 2 – MUDANÇAS DA SOCIEDADE INDUSTRIAL E SUA

2.4 ASPECTOS HISTÓRICOS

A aparência física, sobretudo da face humana, vem sendo crescentemente estudada na civilização ocidental, que tem valorizado cada vez mais a imagem e o olhar, em detrimento das variáveis internas do comportamento humano, circunscritas à privacidade da alma.

No entanto, a representação da aparência remonta à arte clássica, sendo cultivada desde as civilizações antigas, como a egípcia, a chinesa e a grega. Os reis e as divindades eram retratados com as características ideais da época, enquanto as pessoas comuns eram representadas de forma mais realista29.

29

Cf. Peck,S. e Peck, L. Selected aspects of the art and science of facial esthetics. Seminars in orthodontics,v.1, n.2, p.105-126, June 1995.

Cultivou-se a proporcionalidade das formas pelos quase três mil anos de civilização egípcia, mas as características faciais ainda careceriam de expressão, embora existisse um objetivo patente de deificação da beleza e da harmonia30.

A Grécia antiga formalizou o estudo da beleza como um bem aprendido, desenvolvendo intrincadas fórmulas para construir representações humanas e divinas. Platão e Aristóteles estudaram a teoria do belo e do gosto, mas não utilizaram a palavra “estética”, termo cunhado apenas no século XVIII pelo mestre alemão Alexander Baumgarten, em um tratado sobre a beleza da poesia, tendo, posteriormente, extravasado esse significado para a aplicação à arte e à natureza31.

Dois grandes escultores gregos do século V a.C., Policleto e Fídias, estabeleceram normas e regras estritas para as proporções corporais e relações anatômicas harmoniosas, sendo, de resto, acompanhados e aperfeiçoados pelos demais artistas e arquitetos gregos32.

A visão grega sobre a beleza permaneceu na moda durante todo o

período helênico, sendo os romanos considerados no “métier” da representação

mais imitadores do que criadores.

Leonardo da Vinci (1452-1519) representou a face humana segundo conjecturas matemáticas e esboços anatômicos não contemplados pelos padrões científicos atuais, mas desejava, assim como os seus contemporâneos, alcançar uma proporção ideal ou divina que exemplificasse uma harmonia visual agradável33.

A busca das leis exatas da natureza, subjacentes a alguns valores da vida, como a harmonia e o belo, tem sido um impulso humano universal. Essa tendência da Antigüidade clássica começou a ressurgir a partir do século XVII,

30 Ibid. 31 Ibid. 32 Ibid. 33 Ibid.

chegando ao ápice em fins do século XVIII. Buscava-se, então, resgatar os passos dos gregos, celebrando o princípio de Winckelmann (1755), que afirmava que “o único meio para que nos tornemos grandes é imitar os gregos”34.

Esculturas como o Apolo de Belvedere e a Medusa de Rondinni tornaram- se, respectivamente, paradigmas das belezas masculina e feminina durante mais de um século e meio, numa tentativa de fixar uma noção de “belo universal” até o século XIX. Buscava-se a construção de uma cabeça e face ideais, tendência que revelava uma espécie de consenso em torno do ideal de supremacia da beleza grega35.

O restrito modelo estético grego foi ultrapassado pela contribuição da fotografia, do cinema e da televisão que conseguiram enfatizar as realidades visuais do presente36. Acentua-se, de forma profunda, o primado da aparência sobre o real,

com a valorização da imagem e da ilusão para além do mundo fenomênico. Utilizando-se das técnicas de reprodução de imagem, desenvolvidas na modernidade, o olhar humano desfila sobre o formato das imagens, reduzida a mero suporte de signos, não importando mais a construção do espaço.

No jogo da imagem com o real, o olho assume um lugar privilegiado, já que o meio é que registra e estabelece a ilusão. O domínio do olhar expande-se por meio dos mais variados dispositivos técnicos. A fotografia, o cinema e a televisão ampliaram o império do olhar, conferindo ao olho do observador um poder até então jamais a ele atribuído

O ideal capitalista instaura uma visão estética baseada stricto sensu no lucro e no comércio. Instaura-se, com voracidade, um olhar voltado para a vigilância do indivíduo e preservação do sensacionalismo lucrativo. O mercado, com a sua

34 Ibid. 35 Ibid. 36 Ibid.

tradicional cupidez, classifica as imagens e a obra de arte como rentável ou não, infundindo novas necessidades ao consumidor amestrado. É o reino do imaginário dominando o real e legitimando a aparência como paradigma de julgamento. A beleza grega, heróica, harmoniosa e clássica é substituída, nesse sentido, pela arte abstrata, figurativa, por jogos de luzes e outros artifícios fascinantes, num universo eletrônico, informacional e cibernético onde “tudo é possível”.

Neste ambiente sociológico, é evidente que a aparência física e facial passam a ser matéria de estudo científico e de revisão de critérios ergonômicos. Introduzem-se novos conceitos abstratos, intangíveis e subjetivos, mais difíceis de serem mensurados, que se tornam relevantes na análise das oportunidades de um indivíduo em conseguir um lugar no mercado de trabalho assim como na ecologia laboral.

Aspectos como aparência física, atratividade, estética corporal e facial assumem cada vez mais importância na vida das pessoas, recuperando o adágio de Aristóteles de que “a beleza é uma recomendação maior do que qualquer carta de introdução”37.

As pesquisas da psicologia social, no campo da comunicação não-verbal, têm mostrado que a aparência ocupa lugar importante na qualidade de nossos encontros, servindo como uma fonte de informação para as avaliações sobre qualidades tão díspares como sexo, idade, cultura, classe, ocupação, papel social, personalidade, atitudes interpessoais e sentimentos38.

37

Cf. Arndt (1986). 38

Byrne (apud Del Hoyo) afirma que trabalhos escolares realizados por alunos atraentes, são avaliados de maneira mais favorável e benevolente, por seus professores, que os efetuados pelos demais alunos39.

Allen (1978), em sua obra sobre comportamento social40, escreve que a

atratividade física, especialmente a facial, é o critério mais importante na escolha de um encontro, superando critérios como honestidade, confiabilidade e independência.

Para Del Hoyo (1981) uma pessoa portadora de beleza física parece menos capaz de cometer um crime ou outro ato reprovável.

Assim, temos que indivíduos atraentes são mais críveis e agradáveis que outros, tidos apenas como amigáveis, inteligentes e bem-sucedidos, e recebem tratamento social diferenciado (no sentido positivo), assim como mantêm um comportamento favorável numa variedade de contextos41.

Reportando esses conceitos a um contexto empresarial, sabe-se que a relação interpessoal é essencial na constituição de uma equipe eficaz. Segundo Grove42, entre as idéias básicas relacionadas estreitamente com a produtividade, “o

trabalho de uma empresa, ou da maioria das formas de atividade humana, é algo feito não por um indivíduo, mas por equipe”, além do que é interessante reiterar que “uma equipe trabalhará bem apenas se o mais alto desempenho for obtido dos indivíduos que a compõem”43.

Para Judge & Locke (1998), psicólogos e estudiosos dos fatores que afetam a satisfação no trabalho e na vida, a avaliação essencial de si mesma tem

39

Cf. Byrne apud Del Hoyo (1981) 40

Cf. Allen, B. P. Social Behavior: Fact and Falsihood. Chicago: Nelson-Hall, 1978. 41

Cf. Berscheid et al (1971), Dion et al (1972), Berscheid and Walster (1974) e Adams and Crossman (1978).

42

Cf. Grove apud. Fonseca (1995). 43

Cf. Judge, A.T., Locke, A.E. Dispositional effects on job and life satisfaction: the role of core evolution. Journal of Applied Psychology,v. 83, n.1, p 17-3, 1998.

efeito consistente sobre a satisfação no trabalho, sendo a auto-estima o fator que mais contribui para o conceito de auto-avaliação essencial44.

Tais reflexões permitem-nos perceber que a auto-estima é geralmente maior em pessoas atraentes, o que pode ser um fator determinante na atmosfera de competitividade da economia globalizada.

44

Cf. Caetano Maria Damasceno, “Segredos da Boa Aparência” – tese de doutorado para o Programa de Pós Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, UFRJ, 1997.