• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 – OBESIDADE E MODELOS ESTÉTICOS IDEAIS

4.2 OBESIDADE E AUTO-ESTIMA

Num mercado de trabalho severamente competitivo, de acordo com os pressupostos ideológicos do neoliberalismo e da globalização, existe uma relação direta entre sucesso, fama e fortuna e o corpo magro. O corpo “gordo” é, pois, submetido a um processo surdo de exclusão, ridicularizado e rebaixado, na medida em que os postos escassos de emprego, cargos e funções devem ser assegurados aos corpos atléticos e sem gorduras supérfluas, ipso facto considerados saudáveis. Segundo Felippe:

102

Cf. Luciana Vicária, “Obsessão Partilhada”. in Revista Época, nº 216, 8 de julho de 2002, São Paulo, Editora Globo, pp. 68-69.

103

A sociedade concede um lugar aceito ao “gordo” com uma designação específica, representada por uma série de preconceitos e estereótipos, mas o concebe – que é melhor do que não ser reconhecido de forma alguma. Dessa forma, o obeso estaria, poderíamos pensar, incluído.

(...)Contudo, se a informação permite a exclusão, podemos já imaginar a perda até em termos de desempenho e efetivação profissional de um sujeito que tenha prejudicado seu capital simbólico e sua concepção sobre si mesmo. É especificamente nele que agem os meios de comunicação104.

Equiparado aos aidéticos, alcoolistas e homossexuais, o obeso é julgado por seus “maus” resultados, ou seja, a obesidade é vista da mesma forma que a pobreza: “se o pobre é responsável por sua pobreza, o obeso seria responsável por sua gordura”105.

Produz-se, então, no corpo gordo, interpretado como “corpus”, raiva, culpa, estigma e rejeição social, num modelo ideológico que prefere os magros, baseado na falsa crença de que “sempre o excesso de peso pode ser controlado voluntariamente” e, assim, se isso não acontece é atribuída toda culpa à pessoa obesa106.

Tratando-se de um fenômeno novo de preconceito e pressão psicológica, obviamente as organizações não estão absolutamente preparadas para sugerir saídas a seus colaboradores obesos, tratados em geral de maneira truculenta nas “demissões sem justa causa”, que encobrem amplo leque de injustiças e perseguições de ordem moral. Nesses casos, ao arrepio das legislações vigentes e da mentalidade disseminada do “politicamente correto”, as empresas inventam razões internas para demitir o empregado obeso, como se fosse um fator dissonante no corpo funcional.

O obeso entra, por conseguinte, num abismo de depressão e perda de auto-estima, cujo descontrole o leva a comer ainda mais, como forma de auto-

104

In “O Peso Social da Obesidade”, pp. 108-109, op. cit. 105

Ibid., p. 109. 106

defesa, vale dizer, em meio a tantos desprazeres na vida, resta-lhe somente “assaltar a geladeira” como forma de compensação e descompressão.

Sem compreensão ou outras válvulas de escape, de nada valem os seus conhecimentos tecno-especializados. Seus supervisores omitem o julgamento sobre o trabalhador obeso e se atêm apenas à sua imagem corporal, pretextando que lidam com um colaborador sem saúde e sujeito a grande estresse emocional.

Para facilitar o emagrecimento e o culto ao corpo, uma verdadeira indústria do embelezamento se constituiu, fabricando cosméticos e toda sorte de equipamentos de ginástica e estimulação corporal. Alongamentos, regimes, musculação, massagens estéticas e caminhadas ficam em evidência, valorizando as modelos, as atletas, as bronzeadas e “saradas”, numa mistura de saúde, beleza e sensualidade. Serve-se a idéia de que a sensualidade passa por medidas ideais, “bum-bum” bem delineado, seios empinados e quadris milimetricamente de acordo com medidas “divinas”, em que o corpo passa a ser a medida de todas as coisas. Do mesmo modo, a oferta de bens e serviços, fármacos, botox e cirurgias plásticas vem compor um painel de alternativas, em geral à disposição quase exclusiva das classes abastadas. Nesse contexto, comenta o psicólogo Bernardo Jablonski, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro:

Estudos comprovam que as pessoas bonitas têm grande vantagem competitiva sobre as feias. Elas se mostram mais inteligentes, sensíveis, agradáveis, bem-sucedidas e felizes que as demais. Diante disso, a mulher resolveu pagar para ser bela – e garantir todas essas qualidades e ninguém precisa mais de desculpas para adquirir isso107.

Segundo dados da Universidade de São Paulo – USP, as classes média e alta, que vivem na região mais urbanizada do país, o Sudeste, foram as únicas que conseguiram reduzir o crescente índice de obesidade: de 13% nos anos 80 para 8%

107

Citado em “A beleza conquistada”, reportagem de Aída Veiga, p. 98, São Paulo, Revista Época, nº 215, 1º de julho de 2002.

nos anos 90. Em outra pesquisa, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE constatou que apenas 2% das mulheres pobres se exercitam regularmente. O índice sobe para 10% na classe média e chega a 27% entre as mais ricas108.

A explicação é que só a elite tem tempo para “malhar” em academias e dinheiro para comprar remédios emagrecedores, além de alimentos de baixa caloria. Fazer dieta custa caro e, nesse sentido, o mercado de produtos dietéticos faturou US$ 1,7 bilhão em 2001, somente no Brasil109.

A pressão social contra o gordo faz pressentir um modelo ideal de beleza, que contamina a mídia, a moda e a ideologia de boa aparência aceita nas organizações. Observa-se que há uma relação inversa entre o peso e o “status” sócio-econômico e uma tendência da obesidade em impedir oportunidades para o sucesso interpessoal e para a mobilidade sócio-econômica:

A instituição de normas referentes a comportamento e a apresentação física tornou-se rotina na cultura dominante ocidental, a qual elege um ideal de mulher fisicamente atrativa com passividade e controle instituindo-se a busca de um ideal de peso110.

A cultura dominante fabrica a idéia de que pessoas gordas são não só fisica, mas mentalmente doentes, feias, sem controle e portadoras de um comportamento sexual desviante. O homem do mundo contemporâneo é, portanto, um ser preocupado em engordar e emagrecer, uma questão que passa a ser social e importa como necessidade.

A incapacidade de resistir ao alimento supérfluo é interpretada como sem- vergonhice e relaxamento, transparecendo mais uma vez a culpa e a perda progressiva de auto-estima do obeso. Essa falta de limite sublinha o caráter irracional do descontrole, da oportunidade de comer para aliviar o estresse e a culpa

108 Ibid., p. 99. 109 Ibid. 110

automática que sobrevém logo após. Mesmo a reeducação alimentar exibe uma dicotomia entre prazer e sofrimento que pode anteceder graves complicações psicológicas.

Por outro lado, sabemos que a sociedade capitalista favorece a manutenção de corpos obesos, operando um sistema perverso, desumano em que se tornar obeso é uma das formas de inclusão na sociedade de consumo, como resume Felippe:

Assistimos a uma sociedade que vende produtos, serviços e uma imagem idealizada de um corpo magro, inalcançável. Assim, a indústria dos produtos hipercalóricos engorda, a indústria farmacêutica com produtos light, diet, medicamentos, fórmulas, emagrece – e o sofrimento fica depositado e assumido pelo gordo, em última instância, ao sentir-se o culpado. A alimentação parece ter, para ele, um sentido simbólico de gratificação frente a situações de rotina ou frustração; a comida entra como prêmio para compensar a insatisfação. Em síntese, o estímulo ao comer, a venda de alimentos sem qualidade nutricional, a questão da saúde dos indivíduos, que não é considerada, apontam para uma sociedade de indivíduos consumistas e pouco atuantes, submissos e facilmente manipuláveis pela ideologia111.

O processo de exclusão, como expressão da questão social, verifica-se quando, por exemplo, o adolescente obeso não compete nos esportes e a mulher não concorre à vaga de secretária. Estabelece-se um prejuízo para os indivíduos obesos, refletido tanto pelo isolamento quanto por sua inserção no mercado de trabalho.

Desta forma, temos que esse segmento torna-se um bom objeto de estudos para a moderna ergonomia, em termos de adaptação ao trabalho, já que não pode e não deve ser excluído por mero preconceito, estigmatizado por estereótipo injustificado apenas por não corresponder ao ideal capitalista de beleza.

111

4.3 ADAPTAÇÕES FÍSICO-ESTÉTICAS DO TRABALHADOR E OS MODELOS