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4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E DESCRIÇÃO-ANÁLISE DA

4.6 Análise da Produção inicial

4.6.3 Aspectos referentes ao estilo linguístico do gênero

Além dos aspectos linguísticos que abordamos associados ao conteúdo, que analisamos na seção anterior, destacamos também os aspectos relacionados ao uso adequado da linguagem no gênero debate.

A partir da análise realizada na produção inicial do gênero debate de opinião de fundo controverso, percebemos, nas falas de muitos integrantes, a espontaneidade demasiada da linguagem. Sabemos que por serem adolescentes é comum o uso de algumas gírias. Porém, alguns exageraram no uso da linguagem informal. Vejamos a seguir.

Ações da mediadora

A mediadora apresentou, na maioria das vezes, uma linguagem adequada ao estilo formal do gênero, porém, usou a linguagem informal em alguns momentos, como podemos ver nos trechos abaixo.

M: brigada Kauã... agora quero fazer uma pergunta pro grupo a favor éh... vocês acham que traria éh... alguma mudança alguma consequência alguma coisa... se reduzirem a maioridade penal?

Trecho 16 do debate D1-2015. Linha 103.

M: ninguém tem pergunta?... nada?... xô vê::...

No trecho 15, do debate D1-2015, apesar de a mediadora usar a linguagem informal “brigada”, “pro grupo”, e no trecho 16, a expressão “xô vê”, em vez de deixa eu ver, ela não comprometeu o estilo geral do gênero, uma vez que o ambiente discursivo em que a mediadora se encontra é composto por adolescentes que já se conhecem e fazem uso constante dessa linguagem. No entanto, o uso informal da linguagem usada pela mediadora apresenta relevância problemática relacionada à questão de improvisação na gestão do debate, ou seja, a expressão “xô vê”, analisada dentro do contexto discursivo, permiti-nos perceber que a mediadora não seguia um roteiro para mediação no gênero.

Ações dos debatedores

Alguns debatedores usaram o estilo linguístico formal, adequado ao debate. Porém, muitos apresentaram dificuldades para usar a linguagem formal, usaram um estilo muito espontâneo, às vezes, inadequado, apesar de se tratar de um público muito jovem, algumas palavras não se adequam a um gênero formal como o debate de opinião de fundo controverso, como podemos verificar nos trechos a seguir.

Trecho 17 do debate D1-2015- Linhas de 80 a 82.

C: bom dia... devemos abaixar a lei penal porque tá acontecendo muito assalto e os menores estão sendo:: ficam soltos por aí fazendo

mais assalto e isso não pode no Brasil devemos abaixar a lei penal sim... e agora... xau... só

Vemos na fala do debatedor C, no trecho 17 do D1-2015, o uso inadequado da palavra abaixar, o que a torna, nesse caso, uma variante não padrão (abaixar em vez de baixar ou reduzir), contudo não vemos problemas de compreensão em relação ao sentido de sua fala. Mas no final de sua exposição oral, a expressão “xau” (muito espontânea) demonstra que o debatedor C não percebeu a inadequação dessa expressão para o uso do debate, já que se trata de um gênero formal, regulado por regras exteriores, sua exposição deveria terminar, ao menos com um obrigado ou com alguma reflexão, como explícito no modelo que levamos para sala, no primeiro encontro.

Trecho 18 do debate D1-2015. Linhas de 56 a 68

K: eita mil comé/ que é aqui?... aqui ó... “no sentido contrário num entanto se observa que são políticas e ações de natureza social que desempenha um papel importante na redução da criminalidade dados do UNICEF revelam a experiência mal sucedidas nos Estados Unidos o país que assinou a conversão nacional sobre os direitos da criança aplicou em seus adolescentes penas... previstas para o os adultos os jovens que cumpriram pe-nas em penitenci-árias voltaram a delinguir a forma mais violenta o resultado concreta para a sociedade foi o agra- agravamento da violência... não há dados que comprovem que o rebaixamento da idade penal reduz o indício de criminalidade juvenil ao contrário o ingresso ( ) do falido sistema penal brasileiro

exceções aos adolescentes e ao mal mecan –mecanismo...

comportamento reprodutores da violência com aumento das chances da rei –rein-cidência uma vez que as técnicas de penitenciarias são de setenta por cento enquanto no sistema soci-al educativo estão abaixo de vinte por cento” brigado

Verificamos na fala do debatedor K, no trecho 18, na linha 56, o uso inadequado da expressão “eita mil”, indicando, mais uma vez, a inadequação da linguagem na fala

de um debatedor, no que se refere ao uso do gênero em produção. Nesse sentido, da mesma forma que o debatedor C, a expressão usada pelo debatedor K demonstrou que ele não compreendeu que esse contexto discursivo exige um maior nível de formalidade, uma vez que a expressão “eita mil” trouxe à sua fala a impressão de que brincava, e não de que participava de um debate, além disso, cabe ressaltar que o referido debatedor, em sequência ao discurso, ateve-se à leitura oralizada.

Trecho 19, do debate D1-2015. Linhas de 120 a 127

M: brigada Kauã... agora quero fazer uma pergunta pro grupo a favor éh... vocês acham que traria éh... alguma mudança alguma consequência alguma coisa... se reduzirem a maioridade penal? ((cochichos entre os debatedores))

L: Quem é a favor hein? C : eu não caralho C: fala tu então

((cochichos entre os debatedores))

No trecho 19 do debate D1-2015 encontramos (novamente) o debatedor C. Nesse contexto discursivo, é possível ouvir a voz do referido debatedor, mesmo entre cochichos, na expressão “eu não caralho”; mesmo não sendo sua vez de falar, esse debatedor usou uma expressão inadequada à formalidade do gênero. Isso poderia ter levado outros integrantes a usarem expressões similares, e assim, ter comprometido a discussão, mudando o foco, ou seja, os debatedores poderiam ter deixado de discutir o assunto para rebater o uso da expressão mal empregada nessa situação discursiva.

Trecho 20, do debate D1-2015. Linhas de 163 a 171

T: pois eu vou dizer... pra mim... tem que existir éh... posto de polícia... tem que existir na cidade... mais polícia porque nesse

mundo tá tendo muito crime... e também... muito drogas... mas essa puliça/ ((risos da plateia))

M: silêncio

T: mas a maioria da puliça/ não pode tem... que ter sua prioridade para os menores... porque o maior tá fazendo tudo que num/ pode... mas a puliça/ tem que concordar com a lei... porque se essa lei existir no mundo... vai melhorar muito e mais... a cidade

M: obrigado Thamires mas alguma coisa? Iago?

No trecho 20, do debate D1-2015, é perceptível o uso da variante não padrão na fala da debatedora T, “puliça”, e essa expressão ocasionou risos na plateia. A debatedora T chegou a usar (no início de sua fala) a variante padrão, polícia, mas depois não conseguiu mais usá-la, utilizando a variante não padrão na continuidade de seu discurso. Porque usou a expressão “puliça”, a debatedora T tornou-se alvo de brincadeiras feitas por colegas de sala.

Ações da plateia

A plateia não apresentou dificuldades em relação ao uso formal da linguagem, porém, demonstrou-se preconceituosa em relação ao uso da variante não padrão utilizada pela debatedora T (trecho 20) .

Trecho 21 do debate D1-2015. Linhas de 155 a 160

P: o:: o pessoal de menor de dezesseis anos pode matar pode roubar fumar droga a gente não pode fazer nada... como a gente pode melhorar isso sem diminuir a:: menoridade?

F: simples... investirem em educação pra pessoas não roubarem não matarem a partir de dezesseis anos.

No trecho 21, do debate D1-2015, a plateia usou a linguagem adequada ao estilo do gênero, ou seja, a linguagem formal, considerando que a expressão “a gente”, nesse caso, remete-se a uma questão interativa, e também o verbo concordou corretamente com termo, como podemos observar nas linhas de 155 a 160.

Em resumo, quanto ao estilo, na perspectiva de adequação da linguagem à situação sociodiscursiva, os integrantes do debate demonstraram, em alguns momentos, muita espontaneidade em suas falas, o que ocasionou o uso de expressões inadequadas ao estilo do gênero. Cabe ressaltar que alguns integrantes do debate, tanto entre os debatedores quanto entre a plateia, apresentaram comportamentos preconceituosos em relação ao uso da variante não padrão, utilizada pela debatedora T, ao retomar o termo “puliça” para rirem, em vários momentos, durante as aulas.

Após a realização do primeiro debate, fizemos uma breve discussão, eu e os alunos, no intuito de proporcionar um momento de reflexão sobre o debate de opinião de fundo controverso produzido em sala de aula. Esse momento é importante, nas perspectivas de Dolz et al. (2013b), porque serve para precisar o projeto de classe- evidenciar as representações que os alunos fizeram na produção e, em conjunto, elencar as prováveis dificuldades encontradas no primeiro debate para, na sequência, o professor construir o projeto de aprendizagem por meio dos módulos, visando à preparação dos alunos para ser apresentados a um auditório.

Nesse contexto, refletimos sobre as dificuldades observadas, enfrentadas e elencadas pelos alunos, nessa primeira produção. Assim, nesse espaço de discussão, os alunos falaram sobre suas expectativas e frustações em relação à primeira produção, e, consequentemente, sobre suas participações durante a produção do gênero em estudo. Eu, professora-mediadora, os instigava através de perguntas como: o que acharam dessa produção do debate realizada por vocês? Quais dificuldades enfrentaram no desenvolvimento de seus papéis?, entre outras. A mediadora reconheceu que poderia ter se preparado melhor, a maior parte dos debatedores não gostou de suas performances na exposição de suas opiniões, e a plateia afirmou que as suas expectativas não foram confirmadas, ou seja, esperavam um debate de maior qualidade e interatividade. Enfim, todos estavam aparentemente com algum nível de frustração. Os debatedores queriam uma nova oportunidade. Eles foram avisados que a teriam após trabalharmos as

dificuldades apresentadas na primeira produção do gênero em estudo, por meio dos módulos.

E, a partir das anotações que fiz referentes aos comentários dos alunos, às minhas observações (inclusive, em relação aos elementos paralinguísticos), e, principalmente, aos dados que coletei na análise da gravação da primeira versão do debate de opinião de fundo controverso realizada pelos alunos do 8º ano- analisados, na intenção de elencarmos, entre outros fatores, os principais problemas em relação ao domínio do gênero- norteamos as ações pedagógicas para a construção dos módulos. Os módulos têm o objetivo, entre outros, de minimizar as dificuldades apresentadas pelos alunos. Preparados os módulos, pudemos trabalhar as principais dificuldades apresentadas na produção inicial, as quais comprometeram a função social do gênero, pois a interação não aconteceu de forma satisfatória, tanto é que o debate teve duração de apenas vinte minutos, reiteramos.

Na perspectiva de melhorar o desempenho dos alunos no uso do referido gênero, quatro módulos foram construídos:

Módulo 1- A organização geral do debate - no qual trabalhamos, de forma mais específica, os aspectos estruturais do gênero debate de opinião de fundo controverso e sua função social;

Módulo 2- A Argumentatividade e informatividade - nesse módulo trabalhamos as questões argumentativas e informativas voltadas a temática em discussão através de várias oficinas, envolvendo a oralidade e a escrita;

Módulo 3- As Estratégias de reconstrução textual - no qual trabalhamos as estratégias de reformulação, inserção e a coerência no texto falado;

Módulo 4- Os aspectos linguísticos - nesse módulo trabalhamos a questão da formalidade e informalidade da linguagem e o uso de conectores para interagir ao usar o gênero.

Na seção que segue, explicamos de forma mais específica como foram trabalhados os módulos em sala de aula.