• Nenhum resultado encontrado

3. GÊNEROS ORAIS E ENSINO

3.2 O ensino do gênero debate

Não é difícil encontrarmos em livros didáticos do ensino fundamental a sugestão de temas para serem discutidos por meio do gênero debate. Porém, observamos que poucas são as atividades sugeridas para possibilitar a apropriação desse gênero através do ensino, o que deixa pressuposto que o aluno já o domina, e como já discutimos nos capítulos anteriores, os gêneros orais formais públicos são secundários e não os aprendemos naturalmente, por isso, para que possamos usar esse gênero de forma eficaz é preciso aprendê-lo. Nesse sentido, aprender o gênero debate vai além de realizar

discussões sobre quaisquer que sejam os temas, o ensino desse gênero deve proporcionar o desenvolvimento de diversas habilidades que podem auxiliar no desenvolvimento geral do aluno, desenvolvendo capacidades linguísticas, cognitivas, individuais e sociais, conforme nos apontam Schneuwly e Dolz (2013b):

o debate põe assim em jogo capacidades fundamentais, tanto do ponto de vista linguístico (técnicas de retomada de discurso do outro, marcas de refutação etc.), cognitivo (capacidade crítica) e social (escuta e respeito pelo outro), como do ponto de vista individual (capacidade de se situar, de tomar posição, construção de identidade). (SCHNEUWLY, DOLZ, 2013b, p.214)

Além de desenvolver as capacidades relativas ao desenvolvimento geral do aluno, o debate como objeto de ensino-aprendizagem tem como uma das prioridades desenvolver as capacidades e representações argumentativas para que os alunos possam defender oralmente ou por escrito um ponto vista, escolha ou um procedimento de descoberta; e servir como instrumento para reflexão coletiva sobre problemas sociais. Nesse sentido, é possível afirmar que o debate pode proporcionar um estado de consciência mais reflexivo, implicando uma tomada de posição no processo de interlocução interativa.

Assim, o debate pode trazer benefícios para o sujeito tanto do ponto de vista individual como do ponto de vista coletivo em uma dada realidade social. Individual, no que se refere ao crescimento crítico do sujeito; e coletivo, no que se refere a possíveis reflexões construídas simultaneamente através da interação. Porém, por ser um gênero oral formal público, Dolz et al. (2013b) constrói um modelo didático para definir o que deve ser ensinado e a partir dessa definição como deve ser ensinado o debate de opinião de fundo controverso. Vejamos um pouco que contribuições para o ensino do debate os referidos autores nos trazem.

Dolz et al. (2013b) propõem trabalhar o gênero debate de opinião de forma sistemática, através da sequência didática. Mas para gerar a sequência didática, os referidos autores constroem um modelo didático com a intenção de definir o que dever ser ensinado do gênero debate de opinião, levando em consideração o contexto de produção, os objetivos de ensino e os interesses psicológicos dos alunos. Isto é, para a construção de um modelo didático do gênero de referência, a variante escolar do debate de opinião, deve-se considerar ao definir quais são os elementos ensináveis: as características do gênero, o contexto escolar e a finalidade da situação de comunicação.

Vale salientar que Dolz et al. (2013b), em processo de construção de um modelo didático do gênero debate de opinião, consideraram importante para o ensino do referido gênero: a estrutura dos argumentos (a orientação e a força argumentativa, a concessão e tipos de argumentos); a gestão do debate (a distribuição da palavra, da abertura e do fechamento das trocas); a própria interação em si (a escuta do outro, a retomada do discurso por meio da reformulação); trabalhar a responsabilidade enunciativa do discurso realizando atividades em torna da língua e suas marcas (modalizações e conectivos para orientar, reformular, exemplificar, citar e responsabilizar-se pelo discurso) e ainda fazer uma triagem de textos, a fim de referenciar e caracterizar o debate de opinião.

Porém, os referidos autores perceberam que não bastava se limitar apenas a trabalhos na produção de discursos argumentativos, mas dedicar-se, igualmente, a estudos sobre o debate em si, no que se refere ao papel dos debatedores, acentuando a construção coletiva, interativa, do sentido; percebendo outros elementos característicos do debate, como os modos de encadeamento de um participante e de outro. No entanto, para Dolz et al. (2013a), esses elementos ainda não eram suficientes para a construção de um modelo didático, era necessário adequar o gênero ao contexto de ensino, a faixa- etária, ao conhecimento e ao interesse dos alunos, as capacidades efetivas dos alunos.

Enfim, Dolz et al. (2013b) elaboram um modelo didático do gênero debate de opinião, isto é, uma variante do gênero de referência voltado para o ensino, que define os princípios, por exemplo, o que é debate?, os mecanismos (reformulação, retomada, refutação) e as formulações (modalização, conectivos) que devem construir os objetivos de aprendizagem para os alunos. Assim, o debate público, descrito pelo modelo, coloca em foco menos sobre as dimensões polêmicas e mais sobre sua finalidade de construção coletiva do saber sobre um dado assunto. Mas o que levou os referidos autores a chegarem a esse modelo?

Dolz et al. (2013b), em seu texto, “Relato da elaboração de uma sequência: o debate público”, descrevem a realização de uma pesquisa sobre o ensino do gênero debate com os professores de 6ª série na Suíça, que possuíam alunos de 11-12 anos. Nessa pesquisa, constataram que o debate era pouco praticado em sala de aula e ressaltaram a importância desse gênero como uma das formas mais úteis para desenvolver um melhor domínio da oralidade. Preocupados com a desenvoltura do debate, os referidos autores salientam que o ensino do referido gênero não deve

representar um jogo de afrontamentos mútuos, como alguns debates televisivos, os quais transmitem a ideia de que debater é afrontar o outro.

Os referidos autores observaram, em suas pesquisas sobre o debate nas escolas suíças, que as crianças, muito cedo, são capazes de produzir intervenções que comportam tomadas de decisões sustentadas por argumentos, mas isso ocorre quando lhes são oferecidas as condições necessárias para que possam tomar essas posições; no mínimo, trazer para a sala de aula aspectos de pontos de vista opostos. Os autores ainda ressaltaram a necessidade de se trabalhar a argumentação de forma a levar os alunos a sustentar seus pontos de vista, de fato, sem que façam um acordo com o ponto de vista adversário, como, por exemplo, “eu concordo... mas mesmo assim sou contra...”.

Ainda, os autores defenderam o trabalho com a sustentação da opinião, mas também consideraram importante fornecer aos alunos instrumentos linguísticos e discursivos para melhor trabalharem a argumentação, de modo a enriquecê-la, de tal maneira que aconteça um verdadeiro debate, em que são examinadas, negociadas e avaliadas diferentes facetas das respectivas opiniões dos debatedores. Para que esse processo obtenha êxito, os autores afirmam que é preciso que os alunos percebam a controvérsia no tema proposto, caso contrário, não conseguirão desenvolver uma real argumentação. A partir dessas questões e vários experimentos em salas de aula, Dolz et al. (2013b) definiram um modelo didático para o debate de opinião de fundo controverso.

Mas como a variante escolar, definida por Dolz et al. (2013b), traz a questão da escolha do tema de forma mais explícita? Para os referidos autores, o tema do debate de opinião não pode se revelar muito complexo para os alunos, exigindo conhecimentos a que não têm acesso, mas também não pode ser muito simples, de forma que os argumentos dos alunos sejam triviais. É necessário trabalhar o tema de maneira que os alunos possam progredir na aprendizagem. Assim, quatro dimensões são definidas para a escolha do tema:

 uma dimensão psicológica, considerando as motivações, os afetos e os interesses dos alunos;

 uma dimensão cognitiva, referente à complexidade do tema e ao repertório dos alunos;

 uma dimensão social, que envolve as potencialidades polêmicas do tema, contextos, aspectos éticos, realidade, de modo que possa gerar um projeto de classe que faça sentido para o aluno;

 uma dimensão didática, que comporte aprendizagens, fugindo do cotidiano.

Em síntese, Dolz et al. (2013b) afirmam que o tema escolhido, em termos de complexidade, deve permitir um real aprofundamento de tomadas de posição e um enriquecimento dos argumentos convocados; e destacam que tais elementos devem estar previstos no planejamento da sequência didática, oferecendo meios para que os alunos possam consultar e descobrir novas informações que possibilitem essas ações.

Em relação ao estilo linguístico, Dolz et al. (2013b) afirmam que tudo o que concerne às responsabilidades enunciativas e às modalizações cria um verdadeiro espaço de discussão- condição necessária para o debate de opinião-, pelas atitudes abertas marcadas pela modalização13, caso contrário, ou seja, sem as marcas de responsabilidade, o debate torna-se dificultoso.

Acerca do significado que deve ter o debate para os alunos, os autores advertem: “mesmo que o debate de opinião não vise a uma ação imediata, parece bom que o tema escolhido corresponda a um contexto real e se inscreva num campo em que o aluno sinta que pode ser levado a intervir” (DOLZ ET AL., 2013b, p.225). O foco para o ensino do debate, segundo a proposta dos autores, como já dissemos no início dessa sessão, deve ser menos sobre as dimensões polêmicas e mais sobre sua finalidade de construção coletiva do saber sobre um dado tema. Nesse sentido, esclarecem: “trata-se de um debate por meio do qual os alunos desenvolvem seus conhecimentos, ampliando seu ponto de vista, questionando-o e integrando - em diferentes graus - o ponto de vista de outros debatedores” (DOLZ ET AL.,2013b, p.223).

Quanto ao conteúdo que irá preparar os alunos para o debate, Dolz et al. (2013b) sugerem que sejam usados documentos mais da oralidade, como pesquisas de opinião de pessoas na rua, debates de rádio ou TV, porém ressalta que também pode ser integrada a leitura, recorrendo a documentos escritos para análise sobre o referido tema, visto que “aprender a debater é também aprender a se documentar e a compreender

13 Para Dolz, Schneuwly e Pietro (2013b), a modalização refere-se à responsabilidade enunciativa do

discurso, ou seja, os recursos linguísticos usados pelo sujeito indicando sua posição enunciativa, como os conectivos e nominalizações que orientam as reformulações dos enunciados, citações, entre outros.

esses documentos numa perspectiva de controvérsia, de busca de argumentos” (DOLZ ET AL., 2013b, p.227).

Cabe salientar que os referidos autores mencionam que a escrita deve estar presente em todo o processo de aprendizagem do debate como meio de análise, recapitulação, entre outras. E durante a realização do debate, a escrita deve estar presente, através de apontamentos em fichas dos debatedores, como dados estatísticos, notas que servem para que o debatedor não se esqueça de algum aspecto da controvérsia que deve ser abordado; sendo assim, esse gênero não será descaracterizado da sua oralidade, ou seja, manterá a realização das práticas de linguagem prioritariamente pelo uso da palavra falada.

Dolz et al. (2013b), por meio de suas pesquisas e análises referentes ao debate em sala de aula, chegaram a compreensão de que,

de certa maneira, as dificuldades dos alunos estão menos ligadas as suas capacidades linguísticas e mais ao seu mau domínio das restrições de funcionamento dos seus meios linguísticos (seu conhecimento, ou sua experiência, das situações desse funcionamento é muitas vezes relativo). O aluno é geralmente capaz de formular uma tomada de posição apoiada de argumentos, mas ele se mostra, ao contrário, incapaz de perceber uma situação agônica; não chega a construir o tema da controvérsia, objeto de diferentes tomadas de posição, a propósito do qual ele pode se sentir autorizado a intervir num debate público, como pessoa social... (DOLZ ET AL., 2013b, p.224)

Sendo assim, os autores propõem trabalhar todo o debate em si, ou seja, a estrutura dos argumentos, a gestão da palavra e a própria interação no referente gênero, considerando as características sociodiscursivas do gênero e seu uso social. É nesse sentido que os próprios autores apresentam como sugestão para se trabalhar o debate as sequências didáticas, “a saber uma sequência de módulos de ensino, organizados conjuntamente para melhorar uma determinada prática de linguagem” (DOLZ ET AL., 2013c, p.43).

Enfim, conforme os referidos autores, para ensinar o gênero debate devem ser levados em conta todos os aspectos do gênero, ou seja, deve ser trabalhado a estrutura, o estilo e o conteúdo, de forma sistemática, levando em consideração as dificuldades dos alunos, enfocando tanto trabalhos centrados na produção de discursos argumentativos, como no estudo do debate propriamente dito.

E nesse processo de ensino-aprendizagem, a partir das contribuições de Schneuwly e Dolz (2013), compreendemos que preparar o aluno para debater é também prepará-lo para posicionar-se como sujeito crítico e consciente para participar ativamente de atividades de linguagem de sua vida social. O papel do professor, nesse processo, é de mediador, oferecendo os instrumentos necessários para que a aprendizagem aconteça. Nessa perspectiva, por meio das sequências didáticas, o professor poderá trabalhar as dificuldades enfrentadas pelos alunos na produção do debate, elaborando atividades a partir de anotações e constatações que fizer ao longo da sequência. Assim, ensinar gêneros exige mais que transmitir conhecimentos, exige preparar os alunos para usá-los de forma eficaz.

Portanto, visando a um ensino-aprendizagem eficaz dos gêneros discursivos, exploraremos na seção seguinte, a proposta da sequência didática de Dolz et al. (2013c), a qual adotaremos para trabalharmos o gênero debate. Por isso, veremos mais detalhes sobre esse procedimento a fim de explicitarmos melhor como funciona.