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1.2 ASPECTOS RELACIONADOS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSOS MIGRATÓRIOS NA AMAZÔNIA BRASILEIRA

No documento Coari : petróleo e sustentabilidade (páginas 32-38)

MATRIZ ENERGÉTICA

1.2 ASPECTOS RELACIONADOS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSOS MIGRATÓRIOS NA AMAZÔNIA BRASILEIRA

Antes de se tecer considerações à exploração de hidrocarbonetos na Amazônia, em particular na Província Petrolífera de Urucu (PPU), no município de Coari/AM, faz-se mister apresentar uma panorâmica sintetizada sobre a região amazônica, no que tange aos aspectos econômicos e sociais.

Segundo Darcy Ribeiro (1995), em seu clássico “O Povo Brasileiro”, a região amazônica, desde a época do ciclo da borracha, tem experimentado situações de pobreza e de segregação social. O seu cenário social conjugado com uma série de efeitos econômicos afeta a maioria mais pobre de sua população, traz fome, marginalização social e violência. A região também sofre com a expansão da fronteira agrícola sobre seus ecossistemas cada vez mais frágeis e a aplicação de modelos tecnológicos inadequados. A conseqüência disso é a ocorrência de resultados desastrosos, observados, entre outros, nos processos migratórios, nos assentamentos precários, na segregação social nas cidades e nos desenraizamentos de comunidades rurais, conforme o exemplo contido em Bartholo Jr. e Bursztyn (1990) relativo a Rondônia nos últimos anos.

Esses resultados desastrosos obtidos com os processos migratórios na Amazônia clamam por uma nova orientação em estilos de desenvolvimento, de tal forma que se elimine a pobreza crítica e melhore a qualidade de vida de sua população. Nesse contexto,

empreendimentos como a exploração de hidrocarbonetos, se não obedecerem a critérios de gestão ambiental e de desenvolvimento sustentável, em um contexto político e institucional que se pauta exclusivamente por aspectos econômicos, podem contribuir para continuidade desse cenário nefasto.

Os empreendimentos de exploração de recursos naturais não-renováveis na Amazônia devem considerar questões como ética ambiental e a heterogeneidade étnica. Leff (2000) declara que devem ser considerados os direitos das comunidades indígenas, das populações ribeirinhas e das populações que vivem nos municípios da região, preservando a identidade cultural como princípio produtivo no uso racional e sustentável desses recursos naturais, inclusive os relacionados aos hidrocarbonetos, o que aponta para os conceitos de desenvolvimento situado, abordado no próximo capítulo.

1.2.1 - Processos recentes de ocupação na região amazônica

É oportuno se abordar os recentes processos de ocupação na região amazônica, onde se situa o município de Coari, área de estudo em questão, apesar de este ter seu crescimento populacional nos últimos anos vinculado à exploração petrolífera.

Na Amazônia, segundo Cáuper (2000), o Governo Brasileiro desenvolveu, a partir dos meados da década de 1970, estratégias de ocupação por meio dos grandes projetos de desenvolvimento. O objetivo desses projetos foi o de atrair capital privado para a região por meio de regalias fiscais e monetárias e incentivar os empreendimentos exploradores de recursos naturais, especialmente os relacionados com a extração mineral voltada para exportação.

O Governo Militar Brasileiro (1964-1982) considerava a Amazônia como região estratégica, estabeleceu princípios relacionados com a Segurança Nacional. Assim, criada e difundida a imagem de que a Amazônia era um “imenso vazio demográfico” que deveria ser ocupado. Assim, foi desenvolvida uma política de integração e de ocupação fundamentada em um slogan disseminado na ocasião, “integrar para não entregar”.

Cáuper (2000) dividiu em cinco fases o modelo de ocupação incentivada: a 1a Fase, de 1966 a 1970 (chamada de fase incipiente), institui-se a Operação Amazônica, definindo-se a Amazônia Legal como área-programa. Para viabilizar a integração e a ocupação da região, foi criada em 1966 a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e, como suporte às atividades da Sudam, foi criado o seu agente financeiro: o Banco da Amazônia S.A (Basa). Em 1967, foi criada a Zona Franca de Manaus (ZFM), cujo objetivo básico era

desenvolver um pólo industrial, comercial e agrícola no estado do Amazonas, que servisse de “pólo de desenvolvimento” para a Amazônia Ocidental.

A 2a Fase do modelo de ocupação incentivada acontece entre 1970 a 1974, com projetos lançados e aprovados pela Sudam. Em 1972, a Zona Franca de Manaus (ZFM) passou a corresponder como a um enclave de importação, uma área internacional de produção no próprio País. As indústrias que se instalaram na ZFM aproveitaram-se da mão-de-obra local barata e de privilégios institucionais, e importaram a tecnologia, bem como o capital majoritário. Como resultado da implantação da ZFM houve um crescimento demográfico intenso em Manaus, o que sobrecarregou a sua precária infra-estrutura na época.

Ainda nessa 2a Fase, o Governo lançou o Programa de Integração Nacional (PIN), no

sentido de intensificar seu processo de ocupação, voltado para a construção de estradas. O PIN previa o financiamento e a construção de dois eixos rodoviários estratégicos na região: a BR-230 (a Transamazônica), no sentido leste-oeste, ligando parte da região nordeste ao centro-sul da Amazônia; e, a BR-163 (Santarém-Cuiabá), no sentido norte-sul, ligando a Amazônia ao sul do País.

A 3a Fase do modelo de ocupação incentivada acontece entre 1974 a 1978. Nessa Fase ocorre a construção da rodovia Perimetral Norte, no sentido leste-oeste, ao longo da margem do rio Amazonas e a construção do BR-319, que liga as cidades de Porto Velho e Manaus. O PIN continuou em andamento e foi caracterizado por elevados investimentos na região amazônica, principalmente em sua parte oriental, e pelos seguintes projetos de exploração mineral: Icomi no Amapá (manganês), que apesar de não ter sido iniciado nesta fase (seu início foi em 1947), estava em plena operação nesse período; Alumar no Maranhão (alumínio e alumina); o complexo metalúrgico Albras/Alunorte; a hidrelétrica de Tucuruí; a Mineração Rio do Norte (bauxita), o Projeto Jari (poliprodutor: caulim, celulose, arroz). Com o primeiro choque do petróleo em 1974 houve uma considerável retração de incentivos na aprovação de projetos e despontaram as primeiras discussões sobre danos ambientais causados por esses empreendimentos.

Com relação ao primeiro choque do petróleo de 1974, Mello (2002) citando Becker (2001), afirma que o mesmo induziu a alteração da geopolítica regional, transformando a Amazônia numa grande fronteira de recursos a serem exportados por meio da implantação de grandes projetos minerais e hidrelétricos, fazendo de Carajás, no Pará, a sua maior expressão.

A 4a Fase do modelo de ocupação incentivada acontece entre 1979 até 1985. É chamada de Fase de reorientação na estratégia de ocupação da Amazônia. Foi caracterizada por uma ausência de políticas voltadas para diagnosticar a viabilidade ou não de se implantar e desenvolver projetos, com infra-estrutura, que envolvesse a construção de cidades e deslocamento de mão-de-obra. Mello (2002) cita que essa fase termina com o segundo choque de petróleo, em 1985. Essa Fase experimentou as mazelas decorrentes da elevação dos juros internacionais e do aumento da dívida externa nacional. Surgiram impactos sociais e ambientais diversos como os conflitos resultantes entre fazendeiros, seringueiros, posseiros, índios, com abertura de diversas estradas, desmatamento acelerado, exploração de madeira, expansão agropecuária e intensa mobilidade espacial da população.

A 5a Fase do modelo de ocupação incentivada acontece a partir de 1985 e estende-se até os meados da década de 1990. Nessa Fase ocorrem os programas de gestão ambiental, iniciado pelo Programa Nossa Natureza, com propostas de legislação e com fortalecimento institucional, bem como, com objetivos de estruturar sistemas de proteção ambiental; desenvolver processos de educação ambiental e de conscientização pública para a conservação do meio ambiente; disciplinar a ocupação e a exploração racional da Amazônia Legal, fundamentais na ordenação territorial; regenerar os ecossistemas afetados pela ação antrópica; e, proteger as comunidades indígenas e as populações envolvidas no processo de extrativismo.

O início da exploração de petróleo na PPU acontece durante essa Fase, com a descoberta do primeiro poço comercial, em 1986. Essa exploração econômica de recursos naturais finitos já estava sujeita às normas de controle ambiental, tanto pela resolução No 001/86 do Conama como pela Lei Estadual No 1532/82, regulamentada pelo Decreto No 10.028/87, que normatizava as diretrizes sobre o estudo prévio de impacto ambiental para as atividades petrolíferas, no seu processo de licenciamento.

Ainda na 5a Fase foram criados os seguintes programas de proteção ambiental para a Amazônia, ambos com cooperação internacional do grupo dos sete países mais ricos (o G-7): 1) o Programa Nacional de Meio Ambiente (PNMA-1990/91), que tinha como meta à gestão ambiental para a proteção de ecossistemas; a consolidação de unidades de conservação existentes, bem como, a criação de novas unidades; o fortalecimento institucional do Ibama e dos órgãos estaduais de meio ambiente (OEMA) da Amazônia Legal; 2) o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PP-G7 1990/91). O Programa Piloto G-7 (PP-G7) tinha como um dos objetivos a descentralização das ações de proteção e conservação

ambiental, capacitando-os para o cumprimento de suas atribuições por meio de um modelo integrado de gestão ambiental.

A 5a Fase do modelo de ocupação incentivada é marcada pelo movimento do Neoliberalismo e sua doutrina de enfraquecimento do Estado e pela intensa mobilidade da população amazônica. Segundo Moura e Moreira (2001), os dados oficiais censitários denotam que essa mesma população se destacou nos anos 1960 a 1980 por apresentar taxas de crescimento quase sempre mais elevadas do que as do Brasil como um todo, o que já não ocorria mais nessa Fase.

Observam-se no gráfico constante na Figura 1.1 as curvas que representam à população urbana e rural amazônica, ambas com um crescimento contínuo a partir de 1960. Entretanto, a partir de 1980 o crescimento da população urbana é mais acentuado do que o da população rural, o que caracterizou um processo de migração do campo para a cidade, nos principais centros urbanos da região. Observa-se também nos gráficos que a partir da segunda metade da década de 1990, aconteceu o declínio no número de indivíduos da população rural.

Figura 1.1 – Evolução da população urbana e rural amazônica baseada em dados censitários do IBGE (2005, (b))

A migração campo-cidade na região amazônica passou a acontecer a partir dos anos 1980, quando se instala a crise financeira do Estado Brasileiro, marcado pela perda de espaço das políticas públicas. A ocupação da região passou a se reger, fundamentalmente, por uma lógica do mercado, com o qual abriu um vácuo no processo de desenvolvimento regional, totalmente contrário aos conceitos de desenvolvimento situado, abordados no capítulo dois.

Nessa lógica, já não estava mais presente a implementação daquelas políticas públicas anteriormente voltadas para o processo de integração da região, que visavam um

desenvolvimento social e econômico das populações e a ocupação orientada de seus vastos espaços, marca do desenvolvimento da região ocorrido nas 1a e 2a Fases modelo de ocupação incentivada. O enfraquecimento do Estado atingia os governos estaduais que se viram forçados a buscar parcerias e a procurar integração entre si, no sentido de tentar implantar obras de infra-estrutura e efetivar algumas ações de desenvolvimento, na maioria das vezes, sem sucesso devido à carência de créditos financeiros para o seu financiamento.

Nessa Fase, a migração amazônica da área rural para os centros urbanos é impulsionada, segundo Bartholo Jr. e Bursztyn (1999), entre outros fatores, pela política determinante do Banco Mundial de não mais financiar os projetos de infra-estrutura para a região. Rondônia foi o exemplo mais marcante dessa política, pois o seu governo ficou desprovido de recursos financeiros para gerenciar o imenso contingente migratório que ali migrou de outras regiões do País, a partir da década de 1960, na busca do novo “eldorado brasileiro”, herdando um imenso passivo de degradação ambiental.

Segundo Bursztyn (2003), a partir do inicio da década de 1990, em pleno debate para a Conferência Rio-92, o Banco Mundial passa a exigir procedimentos ambientais para concessão de empréstimos ao Governo Brasileiro. O País não recebia mais recursos para obras de infra-estrutura e surgem programas locais, priorizando a “Agenda Verde”. Recursos consideráveis desse órgão internacional de fomento foram alocados para atender rubricas de pequenos projetos ambientais, sem nenhuma possibilidade de emprego em itens da “Agenda Marrom” (saneamento, saúde pública, educação etc), o que contribuiu para aumentar o endividamento externo federal, sem reverter em melhor qualidade de vida à população. 1.2.2. - As tendências do crescimento urbano na região amazônica

Moura e Moreira (2001) reafirmam que o processo de urbanização, caracterizado na 5a Fase do modelo de ocupação incentivada, foi orientado por uma lógica de mercado. O aumento da concentração populacional nos poucos pólos de desenvolvimento, com intensa migração rural-urbana esteve associado à concentração de investimentos em pontos específicos do vasto espaço regional, mesmo que esses pontos viessem a ter vida efêmera.

Essa concentração contribuiu ou determinou a estagnação das atividades econômicas do interior rural; em que foram gerados fatores expulsivos de significativos contingentes populacionais, os quais deixam suas áreas rurais em busca da sobrevivência nessas áreas urbanas de maior porte e/ou em alguns novos pólos de atividade econômica que surgiram. Exemplo disto foi à migração rural-urbana acarretada pela exploração de hidrocarbonetos na Província Petrolífera de Urucu (PPU), no município de Coari/AM, a partir de 1989.

Becker (1999) afirma que a Amazônia não é mais a grande fronteira nacional de expansão econômica e demográfica. Frentes de expansão localizadas persistem, mas muitas delas são induzidas por dinâmicas internas à região e reduziu-se sobremaneira a migração inter-regional, dominando decisivamente a migração intra-regional. Assim, a autora propõe reflexão relacionada à definição de uma nova política regional destinada à Amazônia, como alternativa às políticas públicas paralelas e conflitantes que expressam em grande parte, o desconhecimento da nova geografia amazônica, sob o risco de afetar negativamente a sua governabilidade.

Não se trata mais, portanto, de ocupar o território da Amazônia Brasileira, como foi a intenção governamental descrita nas primeiras três primeiras Fases do modelo de ocupação incentivada. Segundo Becker (2002), esse território, hoje, já está ocupado. No novo contexto, a prioridade das políticas públicas para a região não deve ser mais a ocupação do território, baseada apenas em critérios exclusivos de mercado, mas sim que ocorra de forma sustentável e situada.

Antes de ser abordada a exploração petrolífera na Amazônia, em particular na área de estudo da pesquisa, são tecidas considerações sobre aspectos relativos à exploração de hidrocarbonetos no Brasil, desde seu início aos dias atuais.

No documento Coari : petróleo e sustentabilidade (páginas 32-38)

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