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CAPÍTULO 2. A GÊNESE E PRINCÍPIOS DA AGROECOLOGIA

2.1. O AGROECOSSISTEMA E OS ASPECTOS ECOLÓGICOS, SOCIOCULTURAIS,

2.1.2. Aspectos sociais

A produção agroecológica, além de visar à sustentabilidade ambiental, também visa à equidade social. Para que tais anseios sejam concretizados, mudanças políticas e econômicas são fundamentais.

Leff (2002) enfatiza a importância do resgate cultural da agricultura e a identidade entre a população, o local e a produção. Produção essa que não seja mera mercadoria, mas um símbolo das condições socioculturais e geográficas. Assim,

na terra onde se desterrou a natureza e a cultura; neste território colonizado pelo mercado e tecnologia, a Agroecologia rememora os tempos em que o solo era suporte da vida e dos sentidos da existência, onde a terra era torão e o cultivo era cultura; onde cada parcela tinha a singularidade que não só lhe outorgava uma localização geográfica e suas condições geofísicas e ecológicas, senão onde assentavam identidades, onde saberes se convertiam em habilidades e práticas para lavrar a terra e colher seus frutos (LEFF, 2002, p. 37).

Com base na Agroecologia, é possível resgatar a identidade cultural da agricultura, desvinculando os processos produtivos da ordem estabelecida, o que torna a agricultura uma mera produtora de mercadorias em grandes propriedades, inviável para o pequeno agricultor.

Caporal et al (2005) enfatizam que, mais do que uma atividade econômica, a agricultura é uma atividade cultural. Assim, a agricultura possui um sentido histórico e o seu significado muda em diferentes espaços e épocas históricas. A Agroecologia lança mão dos conhecimentos históricos de determinados sistemas de produção para compreender as estratégias de sustentabilidade de diferentes povos e civilizações. As ciências sociais, como um todo, pode contribuir para o entendimento das diferentes organizações sociais, das técnicas desenvolvidas e das suas interações com o meio ambiente.

Nas entrevistas feitas nesta pesquisa, viu-se que faz parte da cultura dos agricultores pesquisados a vivência no meio rural e a produção de subsistência e comercial. A maioria dos entrevistados nasceu no estabelecimento em que reside atualmente e herdou de seus pais o estabelecimento e os conhecimentos com o processo produtivo.

Em relação aos agricultores agroecológicos, os três pesquisados residem na propriedade desde que nasceram, no entanto, a cultura herdada dos seus pais, nem sempre é passada para os filhos, pois, dos três que possuem a prática agroecológica, apenas o agricultor J.V possui ajuda de sua filha na propriedade. O filho do agricultor A.L trabalha na área urbana e não gosta de trabalhar no campo. Já a entrevistada A.V não possui filhos.

Percebe-se que está presente, no meio rural, a perda cultural da agricultura e consequentemente a tendência do esvaziamento do campo, assim como o distanciamento entre o local e a identidade. Além disso, verifica-se que os conhecimentos da agricultura tradicional foram substituídos pelo pacote tecnológico da Revolução Verde. Isso explica, parcialmente, os motivos que levaram alguns agricultores a desistirem da prática agroecológica ao se depararem com dificuldades, como no controle de pragas e doenças em suas produções.

Altieri (2004) ressalta a importância da preservação da diversidade cultural e dos sistemas tradicionais de conhecimentos para a sustentabilidade da agricultura, pois os agroecossistemas tradicionais possuem sistema de cultivo complexo e

diversificado. Entre os conhecimentos tradicionais sobre os agroecossistemas para a Agroecologia, Altieri (2004, p.26) destaca: “o conhecimento de práticas agrícolas e do ambiente físico, os sistemas taxonômicos populares e o emprego de tecnologias de baixo uso de insumos”.

Os princípios da Agroecologia incentivam a participação das comunidades nas decisões políticas e também no planejamento para o desenvolvimento local. Assim, busca por autonomia e participação política que é outro princípio agroecológico.

Segundo Alves (2008), o atual modelo produtivo baseado na Revolução Verde é extremamente dependente de insumos externos, com grande densidade técnica, cientifica e baseada em monoculturas para potencializar a produção e ganhos econômicos. Esse modelo é caracterizado pela formação de redes mundiais de pesquisa, produção e consumo, sendo que os centros de decisões e poder estão afastados do local, retirando a autonomia e gestão dos agricultores. Diferentemente das redes cientificas, os conhecimentos locais organizam-se em redes menores com menor abrangência, mas podem trazer mais autonomia para o agricultor.

De acordo com Alves (2008), o desenvolvimento rural baseado nas condições locais (natural, social, política, econômica e cultural) viabiliza um desenvolvimento sustentável, pois, parte das necessidades e condições reais de cada território. Dessa forma visa melhorar as condições sócio-econômicas através dos seus recursos internos, garantindo parcelas maiores de decisões aos agricultores sobre os modelos técnicos e científicos.

Alves (2008) enfatiza que, para a promoção do desenvolvimento sustentável, o papel dos agricultores deve ser redefinido através da aquisição de novas habilidades, competência e ampliação de seu conhecimento. Entre os fatores que contribuem para o desenvolvimento sustentável estão: a inovação, a conservação, a participação e a integração.

No que se refere à inovação, o autor sustenta que ela nem sempre está associada ao progresso tecnológico, mas pode estar ligada a novos métodos de organização e administração envolvendo processos e informações. Um exemplo disso é a agricultura orgânica que, na sua complexidade, exige “ao mesmo tempo baixa densidade tecnológica e um elevado conhecimento dos sistemas naturais” (ALVES, 2008, p.74).

O fator conservação pode estar atrelado à inovação através da conservação “de traços característicos da localidade” (Alves, 2008, p.74). Como exemplo o autor cita as agroflorestas, o manejo sustentável de matas, a reserva legal, a proteção de fonte, etc.

Ainda Alves (2008) ressalta a importância da participação dos agricultores nas decisões políticas e em projetos de desenvolvimento local, como forma de emancipação e de maior autonomia. Já a integração,

(...) permite conceber, as áreas rurais, a possibilidade de construção de sistemas de produção baseados em modelos flexíveis e endógenos onde há um papel central para a agricultura em suas atividades relacionadas ao meio ambiente. Isso aponta para uma diversificação das economias rurais onde a reorganização do setor agrícola é altamente importante, pois teria a capacidade de fornecer impulso e dinamismo dentro do sistema local, que é variável de acordo com os aspectos territoriais, e permitiria a articulação com outros territórios (ALVES, 2008, p.77)

Consoante os autores estudados, é possível perceber que a valorização das condições territoriais e do conhecimento local é um princípio da Agroecologia que visa a uma maior autonomia dos agricultores em relação aos processos produtivos - através do maior aproveitamento dos recursos internos e menor dependência dos recursos externos - e à equidade social dentro dos projetos de desenvolvimento.

Gliessman (2001,p. 608 e 609) destaca algumas mudanças no contexto social da agricultura através dos princípios agroecológicos:

- A redução drástica de insumos externos, característica do manejo agroecológico, diminui a dependência do sistema em relação a forças econômicas externas, tornando-o menos vulnerável a aumentos de preços. (...)

- Os princípios agroecológicos exigem que o manejo esteja baseado tanto no conhecimento prático daquilo que funciona no campo quanto no conhecimento teórico. Essa exigência valoriza o conhecimento prático dos produtores e assalariados agrícolas dando-lhes maior poder em sua reivindicação por um tratamento mais justo.

- O enfoque agroecológico voltado ao conhecimento das condições e ecossistemas locais, bem como a culturas localmente adaptadas, encoraja uma abordagem biorregional da agricultura, e dá aqueles que possuem e trabalham a terra um maior interesse pessoal no que diz respeito à integridade ecológica a longo prazo do ecossistema. - O manejo agroecológico exige que o produtor assuma uma visão de longo prazo, contrabalançando a necessidade de priorizar rendimentos e lucros anuais.

- Os princípios agroecológicos são, melhor aplicados em uma escala relativamente pequena. Isso encoraja a produção para consumo regional, em vez da exportação. São também mais compatíveis com formas mais equitativas de propriedade da terra e de repartição dos benefícios econômicos, do que com a concentração de terras agrícolas nas mãos de uns poucos.

- A Agroecologia reconhece o valor dos sistemas tradicionais, que provaram ser estáveis tanto em termos ecológicos quanto sociais e econômicas, bem como as comunidades que os tornam possíveis. - O manejo agroecológico é melhor implementado quando se intensifica o uso de mão-de-obra humana, em vez de maquinaria. Como esta mão-de-obra exige um alto grau de conhecimento, discernimento e especialização técnica, o manejo agroecológico da produção pode proporcionar meios de vida dignos e satisfatório a muita gente.

As mudanças técnicas e produtivas da Agroecologia proporcionam mudanças sociais. Algumas dessas citadas por Gliessman (2001), às vezes, tornam-se empecilhos ou dificultam a transição para uma produção agroecológica como é o caso da visão de longo prazo em relação aos lucros anuais, o que desestimula vários agricultores que não possuem um conhecimento e visão agroecológica bem concretizados. Outro empecilho é que a produção agroecológica, requer o uso intensivo de mão-de-obra com um elevado grau de conhecimento e especialização técnica, mas, o que se verifica na pesquisa realizada no município de Coronel Vivida é que a dificuldade de se conseguir mão-de-obra e assistência técnica adequadas levou muitos agricultores a desistirem da prática Agroecológica.