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As experiências desenvolvidas por diversos pesquisadores na construção de um Sistema de Ciência e Tecnologia e Inovação diversificado, denso e com sensibilidade social, é indispensável para o desenvolvimento socioeconômico e emancipatório de uma nação. Nessa dinâmica, elaboram-se metodologias e processos, diversificados para alcançar possíveis níveis de transformação social que a sociedade tanto precisa e que podem representar ganhos significativos na qualidade e nas condições de vida do ser humano. Santos (2007) reflete sobre o caráter transitório que se instaura na sociedade moderna, testificando que:

Nossa situação é um tanto complexa: podemos afirmar que temos problemas modernos para os quais não temos soluções modernas. E isso dá ao nosso tempo o caráter de transição: temos de fazer um esforço muito insistente pela reinvenção da emancipação social (SANTOS, 2007, p. 19).

Para criar um possível caminho de uma abordagem sistêmica para as Tecnologias Sociais, o Instituto de Tecnologia Social (ITS) desenvolve uma reflexão pelas práticas e estratégias da Ciência e Tecnologia (C&T), como também os estudos de Dagnino e Santos, com o intuito de apresentar a Tecnologia Social como um possível fazer para a solução dos problemas da sociedade como: a exclusão social, a falta de acesso ao conhecimento, o desemprego, a busca de melhoria nas relações sociais, entre outros, possibilitando assim, um diálogo aberto e maduro com a comunidade visando suas contribuições críticas e sugestões.

Este esforço realizado pelo ITS é a consequência e resposta ao seu propósito, de buscar por meio de C&T e Tecnologia Social, soluções às necessidades e demandas da sociedade brasileira, de modo a torná-la mais justa e menos desigual. O ITS (2007) reconhece que suas raízes, para o desenvolvimento dessas implicações, passam pelos ensinamentos de Ghandi, pelos estudos de

Renato Dagnino e Boaventura6, vinculando-se a discussão e estudos abordados nas seções anteriores. A contribuição do ITS enriquece o debate acerca da Tecnologia Social, através das experiências de múltiplos atores, o que possibilita fortalecer ainda mais os aspectos e implicações de uma TS.

O modelo atual de desenvolvimento não deixa indícios de melhoras para o futuro da sociedade, pois vive-se em meio a grandes dificuldades sociais, com degradação do meio ambiente, clima descontrolado, pobreza e miséria, etc. Todavia, como sinaliza Santos (2007, p.18) “não está em crise a ideia de que necessitamos de uma sociedade melhor, de que necessitamos de uma sociedade mais justa”, ou seja, em meio a esta desordem surge a urgência de se pensar tecnologias capazes de gerar soluções para problemas sociais. É nesse sentido que o ITS vem construindo uma abordagem para a Tecnologia Social, com foco em um mundo mais democrático, equilibrado com o meio ambiente e com a possibilidade de vislumbrar um futuro de bem-estar sustentável, através de métodos e ações que enfatizem os aspectos e implicações de uma Tecnologia Social.

A reflexão e a prática em TS, abordada pelo ITS, visam não apenas minimizar os impactos socioambientais negativos, mas principalmente a busca direta e metódica de soluções de impacto para a sociedade e sua sustentabilidade a longo prazo. A transformação da sociedade e o amplo benefício social, devem ser construídos através de ações metodologicamente planejadas. De um ponto de vista mercadológico, a TS não pode negar o mercado, mas sim enxergar as oportunidades do mercado que possam propiciar uma perspectiva de inclusão social. Dessa forma, a Tecnologia Social pode ressignificar o código de valores agindo em busca dos interesses da sociedade em seu sentido mais amplo e inclusivo.

Uma vez que, a TS são “técnicas e metodologias” e “produtos e processos”, é fundamental compreender quais os aspectos e implicações necessários para a avaliação de ações em TS. Deste modo, os projetos colocados em prática podem ser amparados por critérios vinculados a origem crítica dos preceitos da Tecnologia Social, o que por sua vez consegue analisar mais fielmente os impactos destas tecnologias na sociedade. Frente a isto, o ITS desenvolve uma abordagem sistêmica, reunindo um conjunto de fatores que passa pelo: reconhecimento das

6 A referência a estes autores é encontrado nas publicações (cadernos, livros, cartilhas, revistas, manuais e artigos) do Its Brasil através do site http://itsbrasil.org.br/conheca/publicacoes.

necessidades e da mobilização para a mudança; os métodos de gestão e eficácia das soluções tecnológicas desenvolvidas; a avaliação de impactos socioambientais e a busca direta de impactos positivos para a comunidade. De modo sucinto, no quadro abaixo, são apresentados os doze aspectos sistêmicos, que o Instituto de Tecnologia Social utiliza para a avaliação das ações de Tecnologia Social.

Quadro 3 – Aspectos da Tecnologia Social

Aspecto Síntese

Compromisso com a transformação social

Transformar o mundo no sentido de torna-lo mais justo e menos desigual.

Criação de um espaço de descoberta de demandas e necessidades sociais

Processo de feedback entre os atores envolvidos, visando conhecer com maior detalhe as reais demandas locais.

Relevância e eficácia social Como a tecnologia contribui para a inclusão social e a melhoria da qualidade de vida.

Sustentabilidade socioambiental e econômica

Produção de riqueza para que seja sustentável. Avaliação dos riscos em todas as fases dos processos.

Inovação Qual a eficácia e a relevância social ao conceber a inovação gerada.

Organização e sistematização Planejar e sistematizar o conhecimento e as experiências para que sirvam de referências futuras. Acessibilidade e apropriação de

tecnologias

Baixo custo e facilidade de acesso. Processo pedagógico para totós os

envolvidos

Espaço de aprendizagem onde todos os atores estejam envolvidos.

Diálogo entre diferentes saberes Considerar os diferentes saberes em prol da construção de projetos integrados.

Difusão e ação educativa Informar e compartilhar as informações de que a TS deve estar socialmente aplicada. Atuar na formação dos futuros cidadãos.

Processos participativos de planejamento, acompanhamento e avaliação

Compartilhar as ações de planejar, acompanhar e avaliar a tecnologia social, impulsionando o engajamento coletivo.

Construção cidadã do processo democrático

Adoção de formas democráticas de tomada de decisão, alinhadas as estratégias de mobilização popular.

Fonte: Adaptado do Instituto de Tecnologia Social, 2018.

Nota-se que todos os aspectos fluem em total harmonia com relação aos preceitos da TS, o que revela o caminho adequado para fundamentar os aspectos sistêmicos visando a análise dos projetos. Logo, como os aspectos citados acima são utilizados para confrontar o objeto deste estudo é fundamental detalha-los individualmente.

O primeiro aspecto da Tecnologia Social é o compromisso com a transformação social. Antes de colocar em prática uma ação social, é preciso querer transformar a realidade no sentido a torná-la mais justa e menos desigual (ITS,

2007). De um ponto de vista socioeconômico, isso significa perceber as oportunidades e atuar no desenvolvimento de ações que visam atender essas lacunas, de forma a observar o ambiente de modo menos imediatista, mais justo e sustentável. Por isso o Estado, mas principalmente, os atores sociais são fundamentais neste processo, pelo fato de compreenderem mais claramente as necessidades sociais as quais estão próximas. Este aspecto, de compromisso com a transformação social, suscita a mobilização e conscientização. O objetivo é compartilhar o conhecimento tornando mais democrático, canalizando as forças de todos as partes envolvidas no sentido de buscar soluções e garantia de direitos. Iniciando assim, um processo pedagógico capaz de empoderar os sujeitos para se apropriarem de seus direitos em prol da emancipação social.

O segundo aspecto é a criação de um espaço para descoberta de demandas e necessidades sociais. Qualquer ação em TS tem sua origem nas necessidades sociais, são as percepções das pessoas, suas diferentes formas de observar o mundo, e a sensibilidade do que ocorre ao redor da comunidade que desencadeiam a atitude de agir. As transformações sociais tendem a ocorrer, geralmente, a partir de quem está disposto a investigar fielmente a realidade, sem desconsiderar nenhuma nuance, ou seja, é preciso investigar aquilo que nem sempre é explícito (ITS, 2007). Nesse sentido, é importante pensar em instâncias em que diferentes vozes possam se manifestar, ser ouvidas e analisadas, para que possam compor os processos decisórios democráticos reveladores da realidade.

O terceiro aspecto é a relevância e eficácia social. As tecnologias deixam de ser valorizadas somente pelo seu grau de sofisticação técnica e começam a ser percebidas pela sua capacidade emancipatória, inclusiva e de melhoria na qualidade de vida da população. É necessária uma avaliação ou retorno da tecnóloga também por critérios sociais, culturais, socioambientais, sustentáveis e etc. Nesse ponto, para que uma tecnologia tenha atributos de uma Tecnologia Social, é fundamental a capacidade de suprir os problemas sociais para os quais tenha sido concebida. A inclusão destes critérios sociais passa a possibilitar o poder de decisão e autonomia das pessoas sobre a tecnologia, construindo assim um horizonte humanizado e coletivo, capaz de gerar conhecimentos comprometidos com a transformação social (ITS, 2007).

O quarto aspecto diz respeito à sustentabilidade socioambiental e econômica. A sociedade e o meio ambiente são conexos e fazem parte de um todo, sua relação

é orgânica e ativa, sua sustentabilidade é um aspecto fundamental para que haja continuidade da vida, em âmbito de avanço econômico, social e ecológico correto. O planeta terra não pode ser visto como um simples meio de fornecimento de insumos, daí a importância de pensar fontes de recursos renováveis e buscar estabelecer novos padrões de consumo sustentável, redução de impactos e otimização de recursos (ITS, 2007). Para aumentar as possibilidades de isto acontecer, é preciso garantir, via tecnologia, as avaliações de riscos e impactos ambientais, sociais, econômicas e culturais, passando assim a integrar a tecnologia como ponto necessário na produção e aplicação do conhecimento. A TS possui as caracterizas capazes de basilar todo esse processo, pois implanta uma cultura que viabiliza a busca da rentabilidade e a geração de riqueza garantindo a inclusão social e a melhoria das condições de vida da população, através da potencialização de novas soluções sociais acessíveis, eficazes, sustentáveis e democráticas.

O quinto aspecto é a inovação. Considerando que qualquer ação social sempre tem como ponto de partida as demandas sociais, é essencial que todas as pesquisas, projetos, ações ou produtos não sejam desvinculados de seus resultados na sociedade. No entanto, como mencionado anteriormente, a inovações em TS não podem ser avaliadas pelo critério da “tecnologia de ponta”, seu foco está na eficácia e relevância social, de maneira a representar uma inovação concernente às comunidades envolvidas (ITS, 2007). A possibilidade de sistematizar estas experiências é muito importante, não somente para permitir o rigor no acompanhamento e na avaliação dos resultados, mas também para que possa gerar aprendizados que apresentem referencias para novas experiências sociais. Trata-se, nesse caso, portanto, da IS e não da inovação no seu sentido tradicional.

O sexto aspecto está ligado a organização e sistematização. Qualquer Tecnologia Social para efetivamente contribuir com a transformação social, precisa conter um conjunto de fatores, leia-se apurados, para a tecnologia. Para que isto seja possível, é necessário a elaboração de planos de desenvolvimento estruturados, para que seja possível comtemplar todos os aspectos da TS e para que possam agir organicamente. A clareza e objetividade dos métodos, pode ajudar na observação das múltiplas relações e acontecimentos dentro do desenvolvimento de ações em Tecnologia Social. Outro elemento que a sistematização pode auxiliar é justamente na aprendizagem de diferentes saberes multidisciplinares, por exemplo, alguns saberes tradicionais de cultivo, que são desenvolvidos e

aprimorados por muitos anos pela experiência de gerações e gerações sem nenhuma sistematização (ITS, 2007). Logo, sistematizar esses saberes, é importante para que possam ser ajuntados ao processo de desenvolvimento e aplicação de Tecnologia Social. Ao descrever os métodos, técnicas, processos e ações de uma TS, corrobora-se para que um maior número de pessoas possa ter acesso a essa tecnologia e assim aumentar sua eficácia para suprir as demandas sociais emergentes.

O sétimo aspecto é a acessibilidade e apropriação das tecnologias. O baixo custo e a facilidade de acesso são valores indispensáveis a serem buscados pelos projetos de TS, pois são essenciais para o sucesso das Tecnologias Sociais. Isso não quer dizer que toda a TS é obrigada a ser “barata”, mas que o baixo custo seja uma diretriz intrínseca a ser considerada para que possa facilitar o acesso das comunidades envolvidas.

O oitavo aspecto é o processo pedagógico para todos os envolvidos. Este processo é primordial e perpassa todos os aspectos da TS, principalmente porque quando se fala em processo pedagógico, não são apenas os treinamentos e capacitação, mas sim pelo fato da TS emergir num espaço de aprendizagem onde todos os envolvidos colaboram com as suas opiniões (ITS, 2007). Uma vez que a dimensão pedagógica seja considerada elemento central das ações, de forma que seja efetivada e gere condições justas de aprendizagem, todos podem aprender, o que torna possível a elaboração de soluções coletivas para as demandas sociais emergentes. De fato, o objetivo final, é que a população possa conquistar sua autonomia, através do acesso ao capital intelectual coletivo, organizado, sistematizado e acessível a todos.

O nono aspecto é o diálogo entre os diferentes saberes. Os diversos atores que compõem a nossa sociedade possuem apropriações diferentes da realidade e a soma destes pontos de vista são essenciais para lançar uma visão mais completa da sociedade. A utilização destes distintos saberes aumenta a probabilidade de se construir projetos mais assertivos, diminuindo assim, as incertezas e os riscos e possibilitando um planejamento mais completo, integrado e coletivo (ITS, 2007). É importante ressaltar que o foco dessas interações é em prol da produção de conhecimento coletivo, do bem comum e da conquista de direitos dos cidadãos. Neste sentido, o papel das organizações não governamentais tem sido muito

relevante, pois suas experiências geralmente são construídas no contato entre diferentes saberes.

O décimo aspecto é a difusão e ação educativa. Toda e qualquer ação em TS é fortalecida na difusão do conhecimento, quando se compartilha o pensamento em que a tecnologia deve estar socialmente ligada as demandas sociais, começa-se a operar ativamente na formação dos futuros cidadãos. Essa formação se dá através de ações educativas, que podem ocorrer desde o ensino fundamental até a universidade ou como atividades transversais que contemplem as diversas vozes do saber social (ITS, 2007).

O décimo primeiro aspecto são os processos participativos de planejamento, acompanhamento e avaliação. A principal vantagem dos indivíduos estarem presentes em todas as etapas do processo é torná-los responsáveis pelo êxito dos projetos em TS. É bem provável que as pessoas, por estarem envolvidas na ação, empenhem-se mais para o sucesso dos projetos, pois percebem toda a complexidade e implicações que são enfrentadas durante o planejamento, acompanhamento e avaliação (ITS, 2007).

O décimo segundo, e último, aspecto é a construção cidadã do processo democrático. A adoção de formas democráticas para a decisão das ações em TS é o caminho que traz maiores benefícios, porém não é o mais simples. Todo os atores possuem diferentes formas de ver a realidade, logo é um trabalho que requer paciência e resiliência. De fato, as experiências em TS demonstram que as próprias demandas sociais de um determinado grupo emergem do envolvimento e participação das pessoas na elaboração e implementação dos projetos (ITS, 2007). É evidente que com a participação cidadã e democrática se pode atingir um desenvolvimento socioeconômico sustentável, participativo e que atenda às necessidades sociais mais emergentes.

Vale reconhecer o esforço do Instituto de Tecnologia Social em elucidar de forma sistemática todos seus doze aspectos para análise de futuras ações em TS. Cabe lembrar que, o ITS utiliza como referência os estudos de Dagnino e Santos, o que possibilita, ainda mais, a conexão com o debate sobre a Tecnologia Social geradora de Inovação Social apresentada anteriormente.

Dando sequência ao estudo, a próxima seção é dedicada a explorar a metodologia Startup Enxuta, que é a principal ferramenta utilizada pelo Social Good Brasil para o desenvolvimento das iniciativas de cunho social. Busca-se

compreender a origem e estrutura dessa metodologia (como parte essencial na elaboração dos três projetos vencedores de 2017), a fim de que seja possível realizar a análise crítica a partir das lentes da Tecnologia Social que visa inovar socialmente.

2.6. O MODELO STARTUP ENXUTA

O modelo lean startup, traduzido como startup enxuta, foi criado por Eric Ries a partir de modelos da administração e do desenvolvimento de produtos, unindo filosofias, como a manufatura enxuta, o design thinking e o desenvolvimento de cliente (customer development). De acordo com o criador, o modelo representa uma nova abordagem para gerar a inovação contínua focada no cliente. A startup enxuta consiste, em sua essência, na aplicação do pensamento enxuto, desenvolvido pelo Sistema Toyota7 de Produção. É um conjunto de práticas que procura auxiliar os empreendedores a aumentar suas chances no desenvolvimento de uma startup que, de acordo com os critérios do mercado, seja bem sucedida. (BLANK, 2013; RASMUSSEN et al, 2015; SARMENTO et al 2016). A Associação Brasileira de Startups - AB Startups (2015) apoia-se no modelo lean startup e expõe sua definição, em congruência a Ries, como uma tecnológica, que busca desenvolver um modelo de negócio repetível e escalável, utilizando elementos de inovação e operando em condições de extrema incerteza. Diretamente associados ao que se entende por empreender e inovar, o modelo de Ries reflete as tendências globais abordado por Dornelas (2001), onde a dinâmica atual demanda por empresas mais ágeis e flexíveis que possam responder efetivamente frente às necessidades do mercado. De acordo com Ries (2012) e Blank (2013) em um ecossistema empreendedor constantemente mutável como o atual, com maiores riscos e incertezas, os tradicionais métodos de gestão não são eficazes, pois se baseiam em previsões, funcionando melhor em ambientes estáticos.

Conforme o fundador e autor, Ries (2012), o método startup enxuta possui cinco princípios que são: 1) empreendedores estão por toda parte. Considerando

7 O Sistema Toyota de Produção, também conhecido como Toyotismo, é um sistema de produção desenvolvido pela Toyota entre 1948 e 1975, que aumenta a produtividade e a eficiência, evitando o desperdício sem criar estoque, como tempo de espera, superprodução, gargalos de transporte, inventário desnecessário, entre outros. Foi desenvolvido por Taiichi Ohno. O sistema integra o Lean