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CAPÍTULO 3. ELEMENTOS EPISTEMOLÓGICOS E METODOLÓGICOS PARA A

3.3 A análise crítica do discurso

3.3.6 Aspetos processuais da ACD para esta investigação

O procedimento utilizado para a aplicação da ACD aos documentos aqui estudados não pode ser definido a priori e de modo geral para todos eles. A seguir, apresenta-se o esquema geral do processo investigativo, o qual abrange todas as suas etapas com vista à análise dos documentos propriamente dita. Para este fim em particular, enunciam-se na Tabela 1 as características linguísticas que serão procuradas nos textos para o nível mais micro da análise. Posteriormente, a análise retornará ao nível macro de reflexão e interpretação, como se expõe a seguir.

Mais uma vez, é importante insistir em que nem todas as características identificadas na Tabela 1 poderão ser identificadas em todos os documentos analisados. A função deste exercício consiste em disponibilizar um conjunto de possibilidades que operacionalizem as considerações acima feitas sobre os aspetos teóricos e políticos da ACD.

a. Etapas gerais da investigação

A partir das propostas de Jäger (2001), Fairclough (2003) e Reisigl (2008), é possível delimitar o alcance deste processo investigativo. Às etapas 1 e 2 correspondem os capítulos precedentes, enquanto que as etapas 3, 4 e 5 são objeto deste capítulo e dos que o sucedem:

1. Identificação de uma problemática social com uma dimensão linguística. 2. Caracterização e contextualização da área na qual se localiza o estudo e do tipo de documentos que serão analisados.

3. Definição e preparação dos materiais para a análise. 4. Análise crítica do discurso de cada um dos documentos:

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a. Identificação da estrutura e características gerais do documento e do vocabulário nele contido.

b. Estudo das características linguísticas recopiladas na tabela 1. c. Conclusões preliminares.

5. Esgotada esta etapa, a investigação retorna ao nível geral para dar conta de dois dos objetivos específicos desta investigação, a saber:

a. Interpretar as representações sobre o conhecimento científico e tecnológico e a sua relação com o desenvolvimento, que subjazem às políticas nacionais de ciência, tecnologia e inovação da Colômbia, Portugal e Estados Unidos da América;

b. Evidenciar as condições e os fins da incorporação dos países em causa na economia-mundo capitalista, desde logo ligados à execução das políticas nacionais de ciência, tecnologia e inovação.

A última etapa supõe uma análise integral que articula os achamentos parciais realizados em cada texto, estabelecendo relações entre eles e com a teoria social que orienta a crítica normativa.

A Tabela 1 sintetiza as características linguísticas que serão procuradas nos textos e que foram recopiladas dos trabalhos de Fairclough (2003), Fairclough & Fairclough (2012), Fonseca & Ferreira (2015), e Graham (2001). Definições mais extensas de cada uma delas estão contidas nos textos referenciados, pelo que aqui se apresenta apenas a sua descrição para fins operacionais.

Característica linguística Descrição

Nominalização Transformação de verbos (que denotam processos) em substantivos, com a consequente deslocação do sujeito. Assim, as nominalizações contribuem para a abstração, supressão ou ofuscação da agência, a diferença e as divisões sociais Intertextualidade (Vs. Assunção) Como é apresentada a diferença e incorporada no discurso.

Como é gerida a relação entre o particular e o universal. Como se manifesta a ideologia.

Níveis de dialogicidade (sendo a referência por citação explícita o nível mais alto, seguido pela afirmação modalizada e a afirmação categórica. O nível mais baixo de dialogicidade é a assunção).

Assunções, tipos de assunções e «detonantes»

Existencial (afirmação implícita da existência de uma coisa ou do seu status incontestável de realidade); proposicional (afirmação implícita do que pode ser ou eventualmente será); de valor (assunções sobre aquilo que é bom e/ou desejável); implicações lógicas (inferências que são possíveis sob uma análise lógica das consequências de uma afirmação).

116 Padrões de negação/afirmação Associados com as assunções e a forma de apresentação da

diferença Relações semânticas Causalidade

Condicionalidade Temporalidade Adição Elaboração / contraste Concessão Problema – solução Legitimação e estratégias de legitimação Autorização Racionalização Avaliação moral Mitopoese Estado de exceção* Atribuição da culpa *

Não existência de opções alternativas e apelo às emoções*. Eficácia*.

Autorrepresentação positiva e representação negativa do outro*.

Utilização de narrativas**. Futuro hipotético**. Linguagem profética**.

Tipos de intercâmbio Intercâmbios orientados para a ação, que pode ser:  Comunicativa  Estratégica Intercâmbios de conhecimento:  Declaração de facto  Predição  Declaração hipotética  Avaliação

Textos exortatórios Aparentemente orientados para o intercâmbio de conhecimento, mas motivados pela expetativa de gerar formas de atuação, baseadas em avaliações implícitas.

Modo gramatical Declarativo

Interrogativo (sim/não; que, quem, quando, como, por que, onde)

Imperativo

Imperativo negativo

Articulação / mistura de discursos por exemplo, Discurso liberal / Discurso motivacional Hiponímia, sinonímia, antonímia

Associações (positivas e negativas) pré-construídas

por exemplo, Progresso Vs. Estagnação. Elementos representacionais das

frases

Processos Participantes Circunstâncias

Representações de lugar O “local” pode ser uma cidade, o “regional” pode ser “Europa”, “América Latina”, ou uma região dentro delas.

Representações do tempo Tempos verbais Advérbios Conjunções Preposições Níveis de concreção / abstração na

representação dos eventos sociais

Maior concreção: eventos sociais específicos.

Mais abstração/generalização: séries e conjuntos de eventos sociais.

Maior abstração: práticas e estruturas sociais.

Outros critérios são: O tipo de elementos que interagem na representação das causas de um processo ou situação (se ele é produto da interação entre pessoas, países, ou outros processos ou eventos, por exemplo); e a presença / ausência de agentes

117 sociais (seres humanos) na representação do processo.

Formas de representação dos atores sociais

 Inclusão / exclusão: a exclusão pode ser por supressão (ou o ator não aparece nunca no texto) ou por implicitude (é mencionado algures, mas a partir daí deve ser inferido.  Papel gramatical: pode ser representado como participante na ação (quer como ator, quer como afetado), ou pode ser representado como um pronome possessivo (nosso, seu, minha, etc.).

 Ator ativo no processo (quem faz as coisas) ou passivo (afetado / beneficiado).

 Representações pessoais ou impessoais: por nome próprio ou pela classe à qual pertence o ator (João/os doutores).

 Especificidade e generalidade: “os doutores” como os médicos que trabalham num lugar específico, ou como todos os doutores do mundo.

Recontextualização de eventos, conjuntos de eventos, explicações, formas de legitimação, definições e avaliações.

Presença

Ausência (ausências significativas, exclusão) Prominência

Implicitude Adição Ordenação

Tipos de processos Materiais: relativos ao “fazer”. Podem ser:

 Transitivos: ator + processo + afetado. Pode ter ou não agente passivo.

 Intransitivos: ator + processo ou afetado + processo.

Verbais: relativos ao “dizer”

Mentais: relativos ao “pensar”, “sentir”, “acreditar”

Relacionais: relativos a taxonomias ou classificações em função de atributos.

Existenciais: afirmações da existência atual ou potencial de uma coisa.

Metáforas gramaticais / metáforas processuais

Processos representados metaforicamente como entidades e que operam semanticamente como qualquer outra entidade. Numa representação não metafórica (congruente), os processos são representados como processos e não como entidades.

O seu objetivo é expandir o âmbito de influência do processo, ao separá-lo dos seus efeitos materiais imediatos e criar um alto grau de “importância” e “desejabilidade” em torno dele**. Modalização Nível de compromisso com a verdade dos enunciados.

Tipos: declarações, perguntas, exigências, ofertas, predições («futurologia»).

Níveis: alto (“certamente”/ “é necessário”), médio

(“provavelmente”/“é suposto”), baixo (“possivelmente”/ “é permitido”).

Marcadores de modalização: verbos modais (pode, irá -ser-, poderia, deveria), advérbios modais (certamente), advérbios participiais (requerido), processos mentais (eu penso), adjetivos modais (possível, provável), verbos de aparência (parece), outros advérbios (de fato, evidentemente, obviamente, geralmente, com frequência, sempre); limites (um tipo de… como um…).

Avaliação Declarações avaliativas: desejável, indesejável, bom, mau. Processos mentais afetivos (gosto, odeio, penso, fascina-me, é fascinante).

Assunções de valores sem os marcadores convencionais da avaliação, mas muito mais implícitos, profundamente incorporados nos textos e sempre por referência a um sistema

118 de valores.

Definições persuasivas São também argumentos e não podem ser assumidos como definições amplamente partilhadas desde o início da argumentação, pois são termos emotivamente carregados Chamamentos *** Coisas que devem ser feitas

Metas***

Relação meios-fins *** Valores ***

Contra-argumentos***

Resposta aos contra-argumentos*** Possíveis consequências positivas e negativas emergentes das ações propostas***

Tabela 1. Características linguísticas para a análise micro. Fontes: Fairclough, 2003 (para todas aquelas características não marcadas com *), Fairclough & Fairclough, 2012 (para aquelas características marcadas com ***), Graham, 2001 (para aquelas características marcadas com **) e Fonseca & Ferreira, 2015 (para aquelas características marcadas com *).

b. Documentos para a análise

Finalmente, os documentos que serão objeto de estudo, como já mencionado, são aqueles que reúnem as políticas de cada país em matéria de CTI, assim:

 Portugal: “Estratégia de investigação e inovação para uma especialização inteligente, 2014-2020”.

 Colômbia: “Política nacional de ciencia, tecnologia e innovación 2016-2025”.  Estados Unidos, a “Strategy for american innovation”.

No entanto, estes documentos não estão isolados de um conjunto de desenvolvimentos legais e institucionais através dos quais os governos procuram a execução destas políticas. Os documentos de contexto que servirão para localizar melhor as políticas no seu enquadramento institucional são:

 Portugal: Estratégia Europa 2020, União da inovação (policy paper).  Colômbia: Plan Nacional de desarrollo 2014-2018 e Lei 1286 de 2009.

 Estados Unidos: Fact sheet: President’s 2016 Budget Invests in America’s

Future: R&D, Innovation, and STEM Education e Memorandum: Science and Technology Priorities for the FY 2016 Budget.

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CAPÍTULO 4: ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO DE TRÊS POLÍTICAS