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CAPÍTULO 1. POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO: ELEMENTOS

1.3 Síntese teórica: políticas públicas, desenvolvimento e análise dos sistemas-mundo

Esta secção contextualizou a questão objeto de estudo em alguns dos elementos da teoria social necessários para a sua interpretação. Em primeiro lugar, as políticas nacionais de CTI são, por natureza, políticas públicas. Em consequência, é necessário compreender como o discurso das políticas públicas confere sentido à ação do Estado sobre este e outros âmbitos.

Assim, foi proposta uma perspetiva segundo a qual o estudo da ação do Estado está condicionado por um conjunto de suposições epistemológicas que vão das tendências positivistas até ao modelo interpretativista de investigação social. Sendo o positivismo um modelo mais expedito para a análise dos fenómenos sociais, dada a simplificação mecanicista que ele opera sobre os objetos de estudo, este acabou por se impor como corrente dominante para definir e avaliar as políticas públicas.

Em coerência ideológica com essa tendência, as políticas públicas passaram a ser vistas como mecanismos de intervenção do Estado para corrigir as falhas do mercado de forma a garantir um funcionamento mais equilibrado das dinâmicas produtivas e sociais. O neoliberalismo,

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neste contexto, desempenha também um papel importante, uma vez que contribui para reforçar esta conceção tecnocrática da ação do Estado.

As políticas públicas (e, dentro delas, as políticas de CTI) têm assimilado o discurso neoliberal no sentido de afirmar a perda de liderança do Estado na resolução das problemáticas sociais. Isto equivale a incorporar a ideia das interações entre instituições, redes, organismos multilaterais e empresas como forma predominante de gestão da sociedade e que está na base do conceito de governance.

Aplicado à gestão do conhecimento, o impacto desta problemática está na “ascensão da administração do conhecimento como a perspetiva dominante na chamada sociedade do conhecimento na ciência e na política social, [que é] o resultado da expansão do modo capitalista de produção” (Grewal, 2008: 48).

Ao longo desta secção, viu-se também como o desenvolvimento tem sido o conceito articulador destes discursos, mesmo antes de se consolidar a preponderância do modelo neoliberal. O desenvolvimento como objeto da ação do Estado, assim como fim último das políticas públicas, pode e deve ser analisado como um discurso ideológico, produzido do centro para as periferias e baseado nas tradições funcionalista e evolucionista.

A modernização, como paradigma pioneiro desta ideia de desenvolvimento, revindicava sobre esta base intelectual e política a necessidade de transferir valores, condutas e informações com o fim de acelerar os processos de desenvolvimento das sociedades atrasadas. Como referem Picabea & Garrido:

Uma das limitações mais significativas que apresentam as noções de transferência e difusão é que têm implícita a presunção de que a identidade de um artefacto, sistema ou instituição é universal e independente do cenário socio-histórico concreto em que é gerado e inserido. Isto quer dizer que aqueles desenhos considerados bem-sucedidos possuem – teoricamente - a capacidade de serem reproduzidos, com os quais são favorecidos os processos de desenvolvimento (Picabea & Garrido, 2015: 73).

Uma tal conceção do desenvolvimento como resultado da difusão de conteúdos exógenos está presente na ideia da modernização como catching up, segundo a qual, não sendo possível o

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desenvolvimento endógeno, os países desenvolvidos haviam de impulsionar os restantes, até estes atingirem os padrões de consumo próprios do centro.

Examinaram-se também as teses cepalinas e, particularmente, o contributo do pensamento desenvolvimentista, em especial no que diz respeito às categorias centro e periferia como instâncias constitutivas da estrutura do comércio mundial. Todavia, como se viu, o desenvolvimentismo partilha muitas das limitações da perspetiva modernizadora, uma das quais é a apropriação do modelo linear de desenvolvimento científico e tecnológico. Neste modelo, a investigação científica conduz à inovação e esta, por sua vez, ao crescimento económico, condição suficiente para o bem-estar social. Esta perspetiva linear será discutida nos capítulos posteriores.

Em contraste, o dependentismo argumentou que o desenvolvimento não se concentra apenas no centro, mas que existem áreas da periferia, nomeadamente aquelas que estão melhor incorporadas na dinâmica do comércio internacional, que atingem níveis de desenvolvimento significativos. Isto faz com que a categoria desenvolvimento tenha de ser vista como um processo desigual e dependente e, nesse contexto, o conhecimento científico e tecnológico é uma ferramenta de controlo e garantia dessa dependência.

A análise dos sistemas-mundo incorpora lições importantes, resultado da crítica às perspetivas anteriores, desde o paradigma da modernização, à crítica ao historicismo, à sociologia funcionalista e à compartimentação da realidade social. Este último elemento é o eixo da ideologia liberal sob cuja influência foi configurada e institucionalizada a atividade científica das ciências sociais (as implicações epistemológicas desta crítica serão expostas no capítulo três).

Do desenvolvimentismo, a análise dos sistemas-mundo incorpora as categorias centro e periferia para explicar as hierarquias que resultam da divisão internacional do trabalho, apontando para a dimensão histórica dessa divisão. Com base nessa dimensão histórica, procura explicar os processos que, ao longo dos últimos 500 anos, deram forma à moderna economia-mundo.

O dependentismo, por sua vez, contribuiu para esclarecer a natureza estrutural do subdesenvolvimento, o que revela que o desenvolvimento supõe o subdesenvolvimento e a dependência. Dai que, para Wallerstein, a mobilidade ascendente na hierarquia do sistema-

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mundo represente, não uma melhoria qualitativa, mas uma participação bem-sucedida nos ganhos desiguais da economia-mundo em detrimento de outras instâncias do sistema.

Todas as correntes estudadas coincidem na ideia de que a capacidade para gerar e aplicar conhecimento científico, bem como traduzir esse conhecimento em produtos e serviços que dinamizem as economias, é um fator determinante do desenvolvimento dos países. Daí que a ciência e a tecnologia tenham tido uma relevância crescente para as políticas públicas de desenvolvimento.

Na altura em que esta problemática começava a ser evidente como desafio para as ciências sociais, Santos colocou a questão nos seguintes termos:

A estrutura do poder «sabe» que opera num ambiente de contestação ou, pelo menos, de grande ambiguidade a respeito da ciência. Neste ambiente, cria-se socialmente a necessidade de uma política científica que expressamente oriente o desenvolvimento da ciência para o serviço do bem-estar social. Sem uma tal política não é possível às sociedades industriais avançadas continuarem a injetar vultosos investimentos na ciência sem que tal envolva riscos políticos mais ou menos sérios. Numa sociedade em que a divisão do poder é estruturalmente desigual, a luta pela política científica (a luta por uma certa ciência) é parte integrante da luta política global” (Santos, 1978: 46).

Portanto, a maneira como os governos regulam a prática científica e os discursos que justificam essa orientação nos termos de uma determinada conceção do desenvolvimento constituem um valioso objeto de estudo para as ciências socias. O capítulo que se segue explora o contexto socio-histórico no qual se verificou a emergência dessas políticas, tanto em termos gerais, como na situação histórica específica dos países objeto do nosso estudo (Portugal, Estados Unidos da América, Colômbia).

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CAPÍTULO 2. ELEMENTOS HISTÓRICOS DA REGULAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO