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CAPÍTULO 3. ELEMENTOS EPISTEMOLÓGICOS E METODOLÓGICOS PARA A

3.3 A análise crítica do discurso

3.3.1 Definição

Segundo Fairclough & Fairclough (2012: 78), “a análise crítica do discurso começou a desenvolver-se como campo separado de ensino e investigação nas décadas de 1970 e 1980”. O propósito geral era o de alargar a tradição crítica das ciências sociais aos estudos sobre o discurso até se tornar num paradigma consolidado na linguística (Wodak, 2001), dado seu interesse na relação entre poder e linguagem.

Van Dijk (2001a) opta em princípio por uma definição negativa da ACD, para esclarecer que ela não é:

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[U]ma direção de investigação entre outras, como a linguística sistémica, nem uma subdisciplina da análise do discurso, como a psicologia do discurso ou a análise da conversação. Não é um método, nem uma teoria que simplesmente possa ser aplicada a problemas sociais. A ACD pode ser conduzida e combinada com qualquer abordagem e subdisciplina das humanidades e as ciências sociais (Van Dijk, 2001a: 96).

Este autor, como outros na mesma tradição, entende a ACD não como um método pré- desenhado e pronto para ser aplicado seja qual for o contexto e a natureza da investigação. Ao contrário, “para cada estudo deve ser realizada uma análise teórica minuciosa de forma a selecionar quais estruturas discursivas e sociais que devem ser analisadas e relacionados entre si” (Van Dijk, 2001a: 98).

Uma vez que a ACD está virada para os problemas sociais e, particularmente, para o papel que o discurso desempenha na produção e reprodução das relações de dominação, a ACD rejeita as pretensões de neutralidade valorativa que foram consideradas critérios de cientificidade para as ciências sociais dos séculos XIX e XX.

Trata-se de um “tipo de investigação analítica do discurso que estuda primeiramente os modos em que o abuso de poder social, a dominação e a desigualdade são postos em funcionamento, reproduzidos e resistidos através da linguagem oral e escrita, no contexto social e político” (Van Dijk, 2001b: 352).

Assim, “a análise crítica do discurso pode ser definida como fundamentalmente preocupada com a análise das relações estruturais, quer opacas, quer transparentes, de dominação, discriminação, poder e controlo, como se manifestam na linguagem” (Wodak, 2001: 2). O seu interesse na desigualdade social e nos mecanismos que a legitimam faz com que a ACD seja uma perspetiva de investigação “parcial e orgulhosa de o ser” (Van Dijk, 2001a: 96). Nas palavras de Van Dijk:

Crucial para os analistas críticos do discurso é a consciência explícita do seu papel na sociedade. Em continuidade com uma tradição que rejeita a possibilidade de uma ciência livre de valores, eles argumentam que a ciência e, especialmente, o discurso académico, são inerentemente parte da estrutura social, estão influenciados por ela, e são produto da interação social. Em lugar de negar ou

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ignorar dita relação entre academia e sociedade, eles alegam que essas relações devem ser estudadas e que as práticas académicas devem estar baseadas nesses discernimentos (Van Dijk, 2001b: 352).

Fairclough & Fairclough (2012) acolhem a proposta de Van Dijk e sublinham o significativo contributo que a análise crítica do discurso político pode trazer à Ciência Política, uma vez que ela é uma das poucas disciplinas sociais nas quais os estudos críticos do discurso ainda não ganharam suficiente relevância, apesar de existir alguma influência destes nas áreas da comunicação política.

Consequentemente, esta investigação insiste na importância de incorporar perspetivas críticas nas abordagens convencionais que a Ciência Política faz do fenómeno do poder e das suas manifestações em cenários de desigualdade e opressão. Isto é especialmente relevante nos casos em que estes cenários são constituídos e legitimados através de estratégias discursivas, como acontece com as políticas públicas.

Na medida em que a ACD explora as relações dialéticas entre o discurso e as práticas sociais, fazendo-o à procura das relações de poder que o discurso contribui para produzir e reproduzir, ela é “uma forma de ciência social crítica” (Fairclough, 2001: 125). Como tal, o seu interesse não está apenas na descrição, mas sobretudo na contestação do poder político através do discurso.

Para Kryzyzanowski & Forchtner (2016: 256) os Estudos Críticos do Discurso (ECD) (que abrangem a ACD) configuram um horizonte amplo de práticas, estilos, resultados, sujeitos e empreendimentos de investigação. Eles reclamam inovações teóricas e metodológicas face aos desafios que coloca o período atual, também conhecido como “a era pós-crise, ou como o período do neoliberalismo tardio”.

Relativamente a estas necessidades e desafios, Fairclough & Fairclough (2012: 6) tinham insistido na importância de a ACD considerar, não apenas os modos como os processos sociais são representados nos textos, mas também a maneira como ditas representações interagem, como elas se conectam com “a agência humana”, e como “funcionam como razões

para a ação”.

Este trabalho faz eco destes chamamentos, na medida em que reconhece que o interesse nas representações de natureza epistémica, política e económica presentes nas políticas que

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regulam a CTI nos países em causa não se esgota na sua enunciação. Essas representações servem como contexto sociocognitivo para interpretar e compreender a ação dos governos nesta matéria e as ações institucionais que delas resultam, as quais afetam em última instância a própria prática científica das comunidades académicas e a sua interação com outros cenários de aplicação, tais como a indústria e o sistema educativo.

Nesse sentido, recentemente autores como Herzog (2016) e Krzyzanowski (2016) têm identificado a necessidade de fortalecer o corpus teórico que suporta a análise crítica do discurso político. Isto para dar resposta a questões como: a) de que maneira se constituem a perspetiva e os critérios que iluminam a crítica realizada pelos analistas; b) que ferramentas de análise tornam possível identificar as estratégias de legitimação, os conteúdos ideológicos e os interesses hegemónicos nos textos objeto de indagação? Nesta medida, a ACD precisa de apropriar e consolidar aparelhos teóricos robustos que lhe permitam o desenvolvimento da sua crítica social.

A proposta desta investigação é que o aparelho teórico que oriente a crítica normativa seja alimentado com a perspetiva de análise dos sistemas-mundo, e que ela seja, ao mesmo tempo, ferramenta e objeto da análise crítica.