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CAPÍTULO 03 – É O LOCAL, ESTÚPIDO!

3.1 As determinantes domésticas em nível local

3.1.4 Assimetria das unidades federadas

Para Soldatos, a 5 pode aumentar a segmentação. A

assimetria ocorre, muitas vezes, quando há a percepção de que a política externa central serve a interesses de algumas elites econômicas e políticas localizadas em determinados estados da federação. A busca pela atuação paradiplomática, nesse sentido, seria uma resposta a essas relações privilegiadas.

No Canadá, por exemplo, o ressentimento de algumas das províncias do oeste com as iniciativas externas de cunhos econômicos e políticos do país pode ser explicado, parcialmente, pela percepção de que tais políticas são feitas por e para as elites de Ontário e Quebec. Elas atuariam no (e com o) governo federal para conseguir que seus interesses fossem atendidos em detrimento do restante do país.

A Assimetria fortalece o argumento da paradiplomacia, porque são as unidades subnacionais que discordam da política externa oficial ou não são atendidas por ela que buscam uma atuação paralela na política mundial. O que há de novo nessa determinante é a demonstração de que nem sempre aqueles que possuem mais poder dentro de uma federação (as elites que têm mais acesso ao governo central) são os que, necessariamente, têm mais capacidade ou disposição de atuar transnacionalmente.

Geralmente, essas unidades subnacionais apresentam desvantagens não somente na área internacional, senão no próprio jogo político doméstico, onde o arranjo federativo não lhes é favorável. Essa falta de prioridade normalmente surge por fatores políticos, econômicos, geográficos e sociais. É comum, por exemplo, ver estados com desempenho econômico mais débil expressarem suas insatisfações com o Planalto em temas que vão desde repasses orçamentários da saúde e de obras, até pouco acesso a audiências com o presidente. Com os prefeitos não é diferente, é necessário uma marcha anual de prefeitos (que reúnem mais de três mil deles) para que tenham suas reivindicações ouvidas pelo presidente, ao passo que uma audiência com os ministros de Estado para o prefeito de São Paulo ou Rio de Janeiro é facilmente agendada. Apesar de a personalidade dos governadores ou dos prefeitos ajudar (além do seu partido político), o peso que terão na federação será proporcional ao grau de importância econômica, geográfica, social e política que seu estado ou município representa ao país.

O caso ilustrado por Soldatos é mais uma vez o do Canadá, entretanto no Brasil pode-se identificar alguns traços da Assimetria. Já foi visto no segmento anterior o caso do Rio Grande do Sul, onde a questão identitária tem certa relevância, mas que também é presente um discurso formado sobre a distância e a menor influência política que apresenta se comparado a estados como São Paulo e Rio de Janeiro. Prova disso é que

além dos motivadores externos para a atuação internacional dos GNC [ & ], tem grande relevância a compreensão que possuem de seu papel na Federação. No Rio Grande do Sul, as percepções de seu afastamento geográfico dos centros nacionais de decisão e as inquietações sobre os resultados que teria o aprofundamento da integração no Cone Sul tiveram um peso importante na institucionalização das ações paradiplomáticas (NUNES, 2005, p. 59).

O caso de São Paulo é curioso, nesse sentido, porque o estado não possui área internacional formada, podendo ser a causa para isso o fato de se sentirem contemplados pela burocracia federal na política externa. Ou seja, uma das hipóteses é de que o governo estadual tem influência direta na execução e elaboração de políticas junto ao Itamaraty e, portanto, não cria estruturas subnacionais próprias para tratar do tema (BARRETO, 2001). Essa visão corrobora a Assimetria das unidades federadas como determinante local, já que há a percepção dos próprios atores privilegiados de sua condição e, consequentemente, reforça a ideia de desvantagem nos restantes.

Além do caso gaúcho, pode-se citar no Brasil a experiência do Ceará. Em análises específicas sobre a paradiplomacia do estado é reforçada a ideia de atraso do estado durante as décadas de 1970 e 1980 como um dos incentivos para a reforma administrativa da década seguinte, que, entre outras coisas, fomentou a paradiplomacia para aumentar os investimentos e o comércio exterior (MAIA, 2005).

De forma mais ampla, os casos nordestinos têm com frequência revelado a Assimetria como determinante da paradiplomacia. Em estudo feito sobre a participação dessa região (especificamente os casos da Bahia e de Pernambuco) no processo de integração regional, Medeiro (2005, p. 1) aponta que

As articulações entre atores políticos e agentes econômicos se dão, no mais das vezes, em função de seus respectivos interesses, mas também em conseqüência de arranjos que se constituem em relação a hierarquias de poder. O lugar do Nordeste na Federação Brasileira repercute direta ou indiretamente em sua capacidade de influenciar o processo integracionista do Mercado Comum do Sul (Mercosul). A definição da matriz de desenvolvimento nacional estando calcada precipuamente em função da centralidade político-econômica do eixo sudeste-sul marginaliza a ação dos entes federativos sententrionais.

A diferenciação apontada no âmbito das regiões geográficas brasileiras para esse caso dá-se em grande medida na esfera econômica. O discurso sobre a distinção da evolução econômica permeia a discussão da “paradiplomacia nordestina”. Exemplos disso são argumentações como:

pode-se afirmar que houve no território brasileiro, com a estabilização da industrialização, a geração de pólos distintos: um deles calcado na transformação de bens com alto valor agregado – principalmente o estado de São Paulo e regiões adjacentes, configurando estas as regiões Sudeste e Sul – e outro, que permanece voltado para a produção de bens com baixo valor, as chamadas – encontrando-se neste grupo, as regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. (MEDEIROS, 2005, p. 6)

No campo social há também uma série de argumentos que corrobora a ideia da Assimetria que extrapola a visão doméstica.

Socialmente, o Nordeste traz consigo os maiores problemas nacionais; com uma população maior que o somatório das populações dos parceiros do MERCOSUL, essa região serve de residência para 30% da população brasileira, abrigando cerca de 50% dos pobres do país, produzindo, contudo, apenas 17% do PIB nacional. Essa desigualdade no comportamento dos negócios do Nordeste se deve a histórica heterogeneidade de participação das Regiões no PIB brasileiro iniciada na troca de eixo econômico (monocultura da cana-de-açúcar nordestina para a mineração no centro-sul) e consolidada durante todo o período subseqüente da história da nação (a lavoura cafeeira e a insuficiente industrialização). Dessa dessemelhança emana, como conseqüência, o retrocesso de toda uma região, fazendo com que os estados nordestinos ocupem os nove últimos lugares no do IDH brasileiro. (MEDEIROS 2005, p.6).

Essa noção de assimetria presente na região faz com que a atividade paradiplomática dos seus entes subnacionais tragam também característica próprias, com pauta contestatória, muitas vezes, mais visível. Há a percepção de que questões relativas à paradiplomacia podem e devem ser um mecanismo não só de desenvolvimento regional, mas também de maior equilíbrio interno. Isso ocorre, por exemplo, quando os líderes nordestinos se posicionam de forma contrária aos financiamentos do BNDES em projetos de outros países. Na visão deles, o Brasil, e especialmente o Nordeste, ainda é carente de recursos financeiros para seus próprios projetos e deveriam ter prioridade sobre outros atores internacionais (MEDEIROS, 2005).

Para essa determinante, testou-se no modelo estatístico algumas possibilidades, principalmente levando-se em consideração as citações recorrentes da supremacia das elites paulistas, cariocas, do sudeste ou do centro-sul na federação brasileira. A primeira é a da paradiplomacia ter relação com o município estar presente em todas as regiões brasileiras excetuando-se o estado de São Paulo. Na segunda hipótese, aumenta-se o escopo da exclusão para São Paulo e Rio de Janeiro. Na terceira, para a Região Sudeste e na quarta para as regiões Sudeste e Sul. Nesse sentido, a assimetria será testada para os casos da região Nordeste, Norte e Centro-oeste em todas as hipóteses. Em algumas delas foram acrescentadas a Região Sul e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, e apenas uma vez, para o estado do Rio de Janeiro. Na sessão sobre os indicadores das variáveis explicativas do modelo estatístico, as categorias ficarão mais claras.