• Nenhum resultado encontrado

Formas de tratar o tema: uma breve explicação sobre classificação, estratégias,

CAPÍTULO 1 – PARA O QUÊ? CENTRALIZANDO A DISCUSSÃO DA

1.2 Formas de tratar o tema: uma breve explicação sobre classificação, estratégias,

A própria definição já apresenta satisfatoriamente o que é o fenômeno, entretanto, os estudos sobre a paradiplomacia empreenderam esforços em explicar também quais os atributos e tipologias que a caracteriza. Podem-se citar dois exemplos clássicos dessas iniciativas. A de Duchacek (1990) classifica o fenômeno em três tipos: regional transfronteriça, transregional e global. Esses tipos se relacionam com o alcance ou impacto das ações dos atores subnacionais, ou seja, faz uma relação entre as ações executadas e o nível de alcance dos resultados que obtém. Ademais, ele aponta a existência da protodiplomacia, que seria a atuação paradiplomática com fins separatistas.

Soldatos (1990), por sua vez, apresenta classificação com duas categorias principais: a global – que, diferentemente de Duchacek, não se refere a questões geográficas e sim funcionais –, em que as unidades federadas lidam com assuntos de todo o sistema internacional (paz e guerra, liberalização do comércio); e a regional, em que os assuntos envolvidos são de relevância local para as comunidades que tomam parte das atividades subnacionais. A paradiplomacia regional é subdividida em macro, quando as regiões envolvidas não são contíguas (em que as relações tendem a ficar politizadas, mesmo em temas de + ), e micro, que se dão entre regiões contíguas (e costumam gerar controvérsias mínimas). Ele discorre ainda sobre a natureza da ação paradiplomática, que pode ser de cooperação (apoiadora) e paralela (substitutiva).

Quanto à característica da paradiplomacia pelas estratégias e formas de atuação, cabe remeter aos primórdios das relações dos governos subnacionais, que ocorriam por meio bilateral, com irmanamentos ou visitas recíprocas, ou por meio multilateral, com participação em redes de cidades ou em cúpulas mundiais. Os governos regionais fortaleceram mais a primeira modalidade com abertura de embaixadas ou escritórios de representação de estados em outros países, a exemplo de Quebec na França, Pernambuco em Portugal ou os 50 estados

americanos que em 1990 possuíam 110 escritórios de representação internacional em mais de 24 países (FRY, 1990).

Além desse tipo de atuação, é comum a participação de prefeitos e governadores em feiras internacionais, missões de negócios e em redes de ). Estas funcionam com temas que geralmente são de responsabilidade exclusiva dos municípios ou compartilhada com o governo central, como transporte, educação, saúde, meio ambiente, habitação e infraestrutura. As autoridades locais se reúnem e debatem temas globais, apresentando demandas, propondo soluções, aceitando as responsabilidades locais e atuando frente aos problemas existentes.

Segundo Keating (1998) e Vigevani (2006), a lógica por trás da atuação dos governos locais está presente no que se convencionou chamar de estratégia , ou seja, o ativismo em temas globais, mas com prática vinculada ao local, ligada a objetivos específicos. A ideia dessa perspectiva é a de que não há estratégia macro definida ou concepção de longo prazo adotada pelos governos locais, mas ações pontuais sucessivas com forte componente pragmático e com inconstâncias e descontinuidades. Nesse sentido,

a diplomacia regional não busca representar interesses gerais nem realizar uma cobertura completa de temas, na medida em que ‘las regiones no tienen gobiernos soberanos capaces de imponer su definición de interés nacional y perseguirlo de una forma coherente y unificada. Las regiones son entidades complejas que contienen una multiplicidad de grupos, que pueden compartir intereses comunes en algunas áreas pero estar abruptamente divididas en otras’ (KEATING apud VIGEVANI; PRADO, 2009, p. 7).

Para Duchacek (1990), a paradiplomacia acontece por meio de um fenômeno denominado . Ele representa uma “filtração” de “peneiras” entre soberanias que ocorre em duas direções; tanto de dentro pra fora, quando autoridades subnacionais iniciam processos trans-soberanos para proteger ou promover seus interesses domésticos, quanto de fora pra dentro, quando governos subnacionais viram alvos desses contatos e decidem responder, por eles mesmos, os atrativos das oportunidades externas ou as ameaças de danos.

O fenômeno também foi explorado pela ótica jurídica, em que se aborda o dos governos subnacionais, se são ou não atores legítimos e legais para atuarem internacionalmente, quais os arcabouços do direito doméstico e internacional que viabilizam ou limitam suas ações e qual a validade dos acordos internacionais que assinam. Nesse contexto, as constituições de países como Alemanha, Áustria, Bélgica, Argentina e Suíça são frequentemente estudadas porque propuseram no ordenamento jurídico máximo dessas sociedades a possibilidade da atuação transnacional de governos subnacionais.

No Brasil também há um debate relevante sobre o tema. Tanto autores da paradiplomacia (nas Relações Internacionais e no Direito), quanto gestores locais e congressistas discutem a legalidade do fenômeno. Essa discussão será aprofundada no próximo capítulo, porque Soldatos aponta como uma das determinantes em nível federal da paradiplomacia as incertezas constitucionais presentes nos dos países que não se manifestaram legalmente sobre esse tipo de atividade.

Desde a perspectiva do poder político, alguns estudos foram aprofundados, principalmente, na questão da soberania. Seria a paradiplomacia uma ameaça para o uso da força que o Estado nacional monopoliza? A atuação transnacional dos governos locais representa necessariamente um declínio do poder estatal? A paradiplomacia remete diretamente à vontade separatista das unidades federadas? As respostas a esses tipos de questões esclareceram uma série de dúvidas presentes no surgimento do fenômeno. A compreensão das lutas das elites locais e nacionais (KINCAID, 1990) pela representatividade de seus territórios em instâncias distintas das domésticas auxiliou no entendimento do tema e apresentou uma noção da política do poder para o desenvolvimento da atividade.

Para Kincaid (1990), uma política federal é construída por um Estado nação aos olhos do mundo, mas por uma “nação de estados” aos olhos dos cidadãos dos países. Há ambiguidade nas políticas federais sobre o dos governos constituintes (estaduais e municipais). Em democracias federalistas são comuns a competição, o conflito e a cooperação. Por que, então, excluir as relações exteriores dessa dinâmica? Conflito e competição nem sempre são danosos, pelo contrário, podem ser benéficos, desde que não violentos. O que existe é um mundo interdependente, em que as relações são cunhadas de “intermésticas” ou ocorrem entre “estados perfurados”, em que as fronteiras nacionais perderam seu limite de proteção.

Ainda segundo o autor, há um mito da soberania hermética que serve para deslegitimar a competição política (em relações exteriores e também domésticas). Contrariamente a essa ideia, a preocupação que deve existir não é como a diplomacia constituinte pode prejudicar o Estado nação, senão como a supressão da diplomacia constituinte (paradiplomacia) pode prejudicar a vitalidade cultural, política, econômica e democrática de um país.

As relações internacionais são tratadas como e comandadas por uma elite. Os ministros de Estado têm alto status na administração pública e as relações internacionais são consideradas muito complexas, sensíveis e importantes para serem deixadas para os locais. Nesse contexto, há uma competição entre elites nacionais, que defendem que a nação deve ser falada em uma única voz, e elites locais, que buscam novas

esferas de poder e ascensão e mais responsabilidades e autonomia na sua atuação. Nesse jogo, existe a proteção mútua dos Estados nacionais com o fim de evitar novos ) (num formato típico de cartel).

Inclusive o Direito Internacional serve como mecanismo de manutenção do (algo como “não interfira nos meus negócios internos que eu não interferirei nos seus”). As elites nacionais sustentam a ideia de que o Estado federalista democrático deve agir como unitário. O que acaba ocorrendo é uma situação contraditória em que na política doméstica há interesse em racionalizar o processo político, buscando maior eficiência de políticas e menos gastos públicos, mas em relação à política externa, são enfatizados a coordenação e a regulação, porque essas atividades seriam muito novas, inovadoras, diversas e dinâmicas. Para Kincaid (1990), essa concepção é perigosa, antidemocrática e requereria uma burocracia federal muito grande.

A relação entre a paradiplomacia e processos de integração regional4 também foi coberta pelos estudiosos (VIGEVANI ., 2004, HOCKING, 1997, KEATING, 1998). A ideia, por exemplo, da “Europa das Regiões”, cunhada por autoridades locais europeias (LOUGHLIN, 1996, HOCKING, 2004) ou do “terceiro nível europeu” (CHRISTIANSEN, 1996) no processo de formação da União Europeia se aprofundou nas últimas décadas. Isso se deve, em grande parte, pela relevância que os atores subnacionais alcançaram em termos práticos durante a relação transfronteiriça desenvolvida por governos locais e regionais europeus ao longo da história, que culminou no processo de integração. Em termos político- institucionais, os governos subnacionais jogaram sua força política e tiveram participação importante na formação do Comitê das Regiões, CR, pertencente hoje ao organograma da Comissão Europeia. O CR é objeto de estudo de algumas dezenas de artigos, capítulos e livros da paradiplomacia.

Nos estudos nacionais, a análise das práticas regionais ganhou relevância, principalmente no nível mercosulino com a rede Mercocidades e com o consequente Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do Mercosul. As iniciativas analíticas sul-americanas apresentam a atuação em rede das entidades subnacionais na nova instância política surgida em nível regional.

Dessas perspectivas possíveis com o tema da paradiplomacia, remanesce a mesma ideia central do fenômeno que se quer analisar nesta dissertação: os estudos das atuações

4

Ao longo do texto, será utilizado o termo regional em dois sentidos, a primeira quando trabalha com a temática da integração supranacional e a formação de blocos econômicos. A segunda forma refere-se aos governos regionais que remetem aos estados, províncias, länders ou regiões autônomas, ou seja, atores infranacionais. Apesar de ter a mesma designação, sempre se deixará claro sobre qual sentido está sendo empregado. Para a literatura de língua portuguesa essa coincidência já é comum cabendo sempre uma nota explicativa.

transnacionais dos governos subnacionais são cada vez mais numerosos e eles se diferenciam na mesma proporção das facetas possíveis do fenômeno, seja economicamente, juridicamente, politicamente ou operacionalmente; porém, o conceito utilizado permanece apenas mais ou menos compreendido. Nem sempre os estudos problematizam a definição conceitual do fenômeno, mas as características e nuances presentes nessas diversas análises de integração, de soberania ou de legalidade, sem dúvida, contribuem para entendê-lo.