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CAPÍTULO 03 – É O LOCAL, ESTÚPIDO!

3.1 As determinantes domésticas em nível local

3.1.3 Regionalismo/Nacionalismo

O , A% segundo Soldatos, remete aos movimentos de

agrupamento entre unidades locais. Um tipo de sentimento de pertencimento entre os entes federados que se choca com os interesses centrais, e de nacionalismo, que acaba resultando na paradiplomacia. As unidades federadas, devido às segmentações objetivas e perceptivas, nem sempre se sentem bem representadas pelo governo central. As unidades locais buscam envolvimento internacional a fim de concretizar melhor seus próprios interesses.

O nacionalismo é apontado como uma das determinantes principais na literatura, pelo menos em certos casos. Segundo Lachapelle e Paquin (2005, p. 77)

Three variables stand at the forefront of the expansion of the paradiplomacy: the first, and more significant, is the nation-state crisis and globalization, and internationalization processes constitute the third variable (grifo nosso).

Apresentou-se no primeiro capítulo como Lecours divide os tipos de paradiplomacia, o primeiro em questões econômicas, o segundo em questões multidimensionais (economia, política e, às vezes, cultura) e o terceiro baseado no nacionalismo.

There is a third type of paradiplomacy that is driven primarily by political and cultural considerations, although the economic dimension is certainly not absent. This paradiplomacy features prominently the international expression of an identity distinct from the one projected by the central state. It tends to be very ambitious; this is not always manifested in the scope of its networks (some are fairly specifically targeted) but in the logic driving the international ventures. Here, regional governments seek to develop a set of international relations that will affirm the cultural distinctiveness, political autonomy, and, indeed, the national character of the community they represent. (LECOURS, 2007, p. 119, 120)

Apesar de esses casos serem minoria no universo das atividades paradiplomáticas, eles se destacam pelo fato de estarem presentes nos exemplos mais desenvolvidos e bem sucedidos de relações transnacionais de regiões. Nesse sentido,

Nationalism is no doubt one of the most significant variables, yet it remains one of the most neglected in relation to the study of paradiplomacy. Minority nations that plan international strategies within multicultural states are a well-known and quite common phenomenon. The most active sub-state powers in the field of international relations (Flanders, Walloonie, Quebec, Catalonia, the Basque Homeland) all share a single attribute: nationalism. (LACHAPELLE e PAQUIN, 2005, p. 82).

Lecours (2008, p. 119) pensa da mesma forma ao apontar que “the Basque Country, as well as other cases of multidimensional and ambitious paradiplomacy such as in Cataluña, Quebec, and Flanders, all share one underlying feature: nationalism”. Baseado nos exemplos de regiões citadas pelos autores pode-se identificar que essa variável, mesmo que restrita a poucos casos, é fundamental para entender a paradiplomacia das regiões que mais desenvolveram atividades desse tipo.

Mostrar-se-á em um caso específico, o do País Basco, como essa determinante se relaciona com a paradiplomacia. A região já foi alvo de alguns estudos e serve de exemplo de como a identidade e a cultura, que em alguns casos resultam no nacionalismo, levam à atividade paradiplomática.

Para Lecours,

Basque paradiplomacy is primarily about identity politics. This is not to say that this paradiplomacy is not concerned with achieving economic gains through, for example, the facilitation of exports, but only that its scope and intensity are a function of nationalism. The idea of a connection between identity and paradiplomacy does not mean that distinctive collective identities necessarily lead to cases of paradiplomacy such as the Basque Country’s. In other words, the (…) argument is not that the Basque Country conducts international relations because many Basques feel more Basque than Spanish; this would be an oversimplification. Rather, the idea put forward here is that the development of foreign affairs by the Autonomous Community of the Basque Country is the consequence of a nationalist movement.” (LECOURS, 2007, p. 114, 115).

Há um contexto histórico próprio no surgimento e no desenvolvimento da paradiplomacia basca, assim como nos outros casos supracitados. Esse contexto é fundamentalmente, mas não unicamente, baseado em uma noção identitária própria e diferenciada da do governo central. O nacionalismo presente na região possui várias

dimensões, que envolvem também a política doméstica, mas a ela não fica restrita. A paradiplomacia seria a extensão de um processo histórico mais amplo, que tem o nacionalismo como força motriz da política.

Isso se vê quando

Basque politicians stress the idea of a right to self-determination to argue that the Basque Country should be able to conduct its own international relations. They invoke the precedent of the Basque government- in-exile, which, during the Franco dictatorship, acted autonomously in the international arena. The legacy of the authoritarian state spurs Basque paradiplomacy in other ways. Cultural repression and the ensuing struggle for cultural and identity preservation have become enduring aspects of Basque politics that are now seen to have global dimensions. (LECOURS, 2007, p. 115).

O nacionalismo, na visão do autor, envolveria pelo menos dois processos ligados respectivamente à identidade e à mobilização política, que podem ser relacionados à paradiplomacia, tanto em termos lógicos quanto teóricos. Essa dupla visão embasa a relação do nacionalismo com a paradiplomacia de modo geral, mas orienta especificamente o caso do País Basco.

O primeiro processo, chamado de identitário por Lecours, representa a construção, a consolidação e a expressão da identidade coletiva. Nele, o nacionalismo é uma forma de identidade política e envolve a formação de agrupamentos baseados na provisão de marcas objetivas com um sentido subjetivo, como é o caso da língua. As identidades são formadas por uma série de mecanismos como a troca cultural, o desenvolvimento institucional, as transformações socioeconômicas e as competições e os contextos políticos, mas, acima de todos eles, há um componente discursivo. Ou seja, criar e formar a identidade nacional relaciona-se com o processo de falar sobre a nação ou promover a ideia de comunidade nacional.

Nesse contexto,

The development of a region’s international presence constitutes for nationalist leaders an additional opportunity to build, consolidate, and promote a national identity. (…) From this perspective, the development of international agency on the part of a regional government is full of symbolic meaning. In creating networks of paradiplomacy, regions contribute to their own legitimization as international actors. The relevance for identities of paradiplomacy is not limited to the agreements the regional governments sign or the forums they attend; as important is the fact that paradiplomatic activities, particularly those most visible and prestigious, give nationalist leaders the opportunity to play to their domestic audience. They provide a scene from which nationhood can be proclaimed most forcefully, because foreign, regional, or even international focus offers legitimacy and discursive/communication opportunities. In short, through paradiplomacy, regions can both behave as nations and present themselves as such” (LECOURS, 2007, p. 119, 120).

O segundo processo de nacionalismo descrito por Lecours refere-se à mobilização político-territorial. Nela, “Nationalism is a form of politics, and therefore is fundamentally

about power”. Ou seja, o desenvolvimento de movimentos nacionalistas é produto de conflitos de poder entre grupos, em que elites locais e centrais buscam ter primazia pelo direito de falar legitimamente pela comunidade. Nessa competição, o aspecto territorial é fundamental, dado que “nationalist leaders need to structure mobilization in a way that transcends social cleavages and emphasizes a commonness linked to territory” (LECOURS, 2007, p. 120).

O poder dos líderes nacionalistas reside no nacionalismo como forma de política, mas, para isso, precisam de apoio popular. Geralmente ele ocorre com a capacidade dos líderes de converter em políticas e mudanças institucionais as demandas específicas da região, que geralmente são o reconhecimento de diferenciado, a autonomia, a federalização ou a independência. É nesse aspecto que a mobilização político-territorial se relaciona com o desenvolvimento da agência externa das regiões.

A tentativa de transpor para fora das fronteiras nacionais a discussão de autonomia ou independência ameaça a própria existência do Estado (a política externa é entendida como um dos últimos domínios reservado ao Estado). Nesse sentido, os governos centrais raramente aceitam essa ideia e tendem a rechaçar qualquer tipo de iniciativa que enverede para situações de maior poder relativo das regiões externamente e que implique em sua situação doméstica. Em outras palavras,

paradiplomacy represents, in domestic politics, a statement about power. It can therefore be understood not only as the emergence of new actors on the international scene, but also as the most recent dimension of historical territorial conflicts whose most prominent and acute manifestation is nationalism (LECOURS, 2007, p. 121).

Assim, a paradiplomacia está ligada à mobilização político-territorial não somente por representar variável adicional no conflito político e na luta pelo poder, que tende a prover mais artifícios a essa mobilização, mas porque pode servir como meio para se atingir objetivos domésticos. Assim, “A region that is very active internationally projects the notions of distinctiveness and autonomy in a way that may lower the degree of contention surrounding certain regional claims and demands” (LECOURS, 2007, p. 121).

O que se quer apresentar com essa discussão de identidade e de mobilização é a existência desse tipo especial de paradiplomacia que é calcado especificamente na noção de nacionalismo. Ela fortalece o argumento de Soldatos quando é apresentado como determinante local da paradiplomacia em seu modelo explanatório. Pode-se notá-lo no caso descrito por Lecours do País Basco, mas os mesmos argumentos são verdadeiros para a

maioria das experiências mais avançadas ou maduras da paradiplomacia no mundo, como são as do Quebec, da Catalunha ou de Flandres.

Isso não significa que não haja atividades desenvolvidas sem esse tipo de determinante. Os * alemães, os estados norte-americanos, as cidades italianas e francesas e até os municípios e estados brasileiros, entre outros, são provas disso. Anteriormente foi dito que essa variável pode ser fundamental em certos casos, mas como o próprio Lecours (2008, p. 119) afirma “There are not that many instances of paradiplomacy that fit this category”.

Não se desenvolveu de fato os casos históricos do nacionalismo basco que embasam o argumento de Lecours. Ele envolve uma série de características que vão desde a formação da Espanha como Estado, até a atuação violenta do grupo separatista ETA, passando pela ditadura de Franco e o exílio do governo basco daí decorrente. As explicações conceituais básicas, no entanto, foram levantadas por esses dois vieses do nacionalismo, que, na visão do autor, traz como consequência a atuação paradiplomática da região.

Nos estudos quantitativos conhecidos, a variável Regionalismo/Nacionalismo não é estudada. Os Estados Unidos e o México não têm, assim como o Brasil, problemas relevantes que envolvam identidade e separatismo; no entanto, para o caso brasileiro resolveu-se testar uma hipótese marginal que se relaciona com os movimentos históricos de separatismo no Rio Grande do Sul. Sabe-se que, atualmente, essa discussão perdeu força a ponto de não ser relevante em termos políticos, mas mesmo assim decidiu-se incluir essa variável no modelo.

As justificativas podem não ser as mais robustas, mas existem na literatura. Citou-se no capítulo anterior o estudo de Nunes (2005) sobre a paradiplomacia gaúcha. Ela aponta como aspecto fundamental da criação da Secretaria Extraordinária de Assuntos Internacionais (SEAI) o processo de integração regional advindo da democratização no Brasil e na Argentina, com o Rio Grande do Sul apontado como geograficamente privilegiado no novo bloco que se formava. Há também, mesmo que tangencialmente, argumentos históricos com relação à formação do federalismo brasileiro, como “a marcada inserção gaúcha no contexto platino, sendo o último estado brasileiro a fazer parte da Federação” (SCP apud Nunes, 2005). Existem indícios de que, tanto na realidade quanto nos esforços analíticos essa ideia de diferenciação entre o estado e o restante do país esteja viva.

Historicamente, um tema recorrente na relação do Rio Grande do Sul com o Brasil é justamente a tensão entre autonomia e integração. A ênfase nas peculiaridades do estado e a simultânea afirmação do pertencimento dele ao Brasil se constitui num dos principais suportes da construção social da identidade gaúcha que é constantemente atualizada, reposta e evocada. (OLIVEN, 2002, p.3)

Ademais, estudos sociológicos e antropológicos evidenciam a marca separatista presente no estado, que não se refere somente a questões econômicas (forte pujança produtiva com redistribuição para outras regiões), políticas (pouca representatividade na federação) e geográficas (distanciamento dos grandes centros São Paulo e Rio de Janeiro), mas também ao que Soldatos aponta como outras causas do Regionalismo/Nacionalismo: os fatores culturais e identitários.

Existe uma forte identidade entre os gaúchos, uma herança cultural baseada em tradições e costumes que são transmitidos de forma arraigada de geração para geração. É esse respeito e apego aos aspectos de sua história, cultura, região que torna o gaúcho singular em relação aos habitantes das demais regiões do País. (LUVIZOTTO, 2009, p.11-12).

Mesmo quando a questão central não é a identidade, há de certa forma vinculação dos temas. Assim,

Embora o regionalismo seja um fenômeno essencialmente político em sua definição, caracterizando-se também por desigualdades sociais, para ser bem sucedido ele precisa articular-se mobilizando sentimentos coletivos e veiculando identidades e ideologias ligadas a memórias sociais. Entramos assim no campo do simbólico, onde a eficácia das mensagens é medida pela capacidade que elas têm de repercutirem no imaginário dos atores sociais (Oliven, 1988). A continuidade e vigência do discurso regionalista gaúcho indicam que as significações produzidas por ele têm uma forte adequação com as representações da identidade gaúcha. (OLIVEN, 1989, p. 13).

Essa identidade inspira o processo chamado de separatismo contemporâneo do Rio Grande do Sul. Ao contrário dos movimentos históricos simbolizados pela Revolução Farroupilha, que não foi um fato isolado durante a formação do Estado brasileiro (a Revolução Pernambucana, a Sabinada e a aclamação de Amador Bueno como Rei da Província de São Paulo são outros exemplos de iniciativas do tipo), os desejos atuais, que são concretizados em organizações como o Movimento Separatista Sulino, que propõe criar a República do Pampa (que ampliava o escopo para Santa Catarina e o Paraná a fim de conquistar um apoio maior), têm como pano de fundo uma visão superficial da federação, além da utilização de conceitos filonazistas (LUVIZOTTO, 2009). Isso pode ser visto nas inúmeras publicações do Movimento que reitera a formação social superior gaúcha como em essência alemã e italiana, sem a miscigenação com índios e negros vista no resto do país (LUVIZOTTO, 2009).

É importante ressaltar que esse tipo de iniciativa mais radical é extremamente minoritária no estado e que até aqueles que concordam com a separação do Rio Grande do Sul do resto do país, não defendem necessariamente essa linha de argumentação; no entanto, o número de pessoas que apoia a separação não é tão desprezível. De acordo com levantamento feito pelo Datafolha em 1993, 32% dos porto-alegrenses apoiavam a independência dos

estados da região Sul do Brasil. Quando perguntados aos paulistas questão semelhante, apenas 9% apoiavam a independência do estado de São Paulo (LUVIZOTTO, 2009). Essa comparação é interessante porque São Paulo também contém frequentemente nos discursos de sua população uma ideia vaga de separação do restante do país. Em 1996 foi a vez da revista IstoÉ divulgar pesquisa com teor similar. Segundo a reportagem, 47% dos gaúchos se disseram favoráveis a uma separação dos estados do Sul mais São Paulo, do restante do país (LUVIZOTTO, 2009).

Considerando o caso mais visível no Brasil de Regionalismo/Nacionalismo, que é o do Rio Grande do Sul, resolveu-se incluir no modelo estatístico se o pertencimento do município ao estado trás consequência à paradiplomacia. Essa ligação não é direta, porque tanto o movimento de separação quanto a ideia de cultura e identidade gaúcha dizem respeito ao estado como um todo, nunca sendo territorializada em cidades específicas; mas, entende- se, também por isso, que é possível considerar as características supracitadas de forma homogênea. Em outras palavras, “apesar do Estado ter uma grande diferenciação interna (do ponto de vista geográfico, étnico, econômico e de sua colonização), ele é frequentemente contraposto como um todo ao resto do País.” (OLIVEN, 1989, p. 5).

Similarmente ao caso estudado por Lecours, em que o nacionalismo basco tem repercussão tanto na política interna da formação do Estado espanhol e das relações intergovernamentais internas, quanto na paradiplomacia da região autônoma, testar-se-á o Regionalismo/Nacionalismo gaúcho para sua paradiplomacia. A ideia é fazer uso do caso mais acentuado (ou extremo) de regionalismo no país (mesmo que longe dos modelos internacionais mais recorrentes) para testar o peso da variável na criação de áreas internacionais nos municípios brasileiros.

Cabe lembrar mais uma vez que, tanto essa determinante quanto as próximas que se seguem surgem em função da segmentação objetiva. Os argumentos do caso gaúcho, apesar de focar nas questões identitárias, repercutem também pelas características sociais, econômicas, geográficas e políticas.