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2.2 “Fábricas de observação”

2.2.1 Astrônomos debatem a configuração do Universo

Segundo a jornalista e autora Marcia Bartusiak, “Descobrir a configuraç~o exata do Universo tornara-se uma obsessão entre os astrônomos norte-americanos” 93. Enquanto circunstâncias do pós-guerra levaram os europeus a divergirem, os estadunidenses estavam livres para se dedicar à questão das nebulosas94. Para o historiador Jodicus Prosser, o sentimento do público a respeito da ciência norte- americana, no início do século 20, era tal que “Nas mentes de muitos, a América seria a responsável pela descoberta das fronteiras do espaço exterior e lideraria a humanidade a uma nova era de descobertas quase 400 anos depois de Colombo ter descoberto o Novo Mundo” 95.

Ainda que o número de astrônomos fosse pequeno comparado ao número de físicos e químicos, a astronomia era um campo respeitado, tinha prestígio, recebia recursos e era intelectualmente criativa, defendem Reingold & Reingold96. No período entreguerras estabeleceram-se várias sociedades científicas, entre elas, a

91Smith, The expanding Universe. p. 27.

92Cassidy, Short history of physics. p. 28 e Somers, Heber Doust Curtis and the island universe theory.

p.14. Segundo Somers, Hooker fez a doação de 45 mil dólares à época para o Mt. Wilson.

93Bartusiak, Marcia, The day we found the Universe. New York: Pantheon Books, 2009. p. xvi. 94Bartusiak, The day we found the Universe. pp.7-9.

95Prosser, Bigger eyes in a wider Universe. p. 22.

IAU (International Astronomical Union) 97, que devem muito ao “talento diplom|tico” de Hale. Segundo Reingold & Reingold, Hale foi o astrônomo com maior visibilidade no entreguerras98.

Figura 5 No livro “New Astronomy” (1906), o astrônomo David Tood compara uma foto do astrônomo

Isaac Roberts da nebulosa de Andrômeda (esquerda, p. 461) com concepção artística da formação do sistema solar (direita p. 466). A ideia está de acordo com a hipótese nebular de Laplace. Jodicus Prosser também reproduz as imagens em sua tese (Prosser, Bigger eyes in a wider Universe. p. 204).

Durante os primeiros vinte anos do século 20, os astrônomos pertencentes à “astronomia do Pacífico”, encontraram-se em meio a uma discussão que havia começado no século 18, e que os astrônomos estavam reavivando, no início daquele século, sobre a natureza das nebulosas, que envolvia duas teorias separadas por um pequeno abismo: a hipótese nebular de Laplace (ver Figura 5) e a teoria dos universos-ilha do filósofo Immanuel Kant99. Enquanto para Laplace as nebulosas evoluiriam para se tornarem sistemas solares como o nosso, Kant acreditava que

97Clark & Clark, Measuring the cosmos. p. 67; Kevles In Reingold, Science in 19th century America; Nye,

Before Big Science.p. 196.

98Reingold & Reingold, Science in America. p. 347.

99Smith, The expanding Universe. pp. 7-8. Sobre a hipótese nebular Jeans, James. H., “The present

position of the nebular hypothesis”. JRASC, Vol.13, n. 5, pp. 215-27, 1919. p. 215. Sobre a hipótese dos universos-ilha ver Hetherington, “Sources of Kant's model of the stellar system.” e Jones, “The Observational Basis for Kant's Cosmogony.

elas originariam sistemas de estrelas como o nosso100.

Os novos e potentes instrumentos, aliados a novas técnicas como a astrofotografia e a espectroscopia101, possibilitaram a obtenção de novos dados sobre as nebulosas: seus movimentos, suas posições, suas distâncias, seus espectros, e até mesmo algumas imagens. Em 1912, o astrônomo Thomas Jefferson Jackson See (1866-1962) defendeu: os EUA eram os líderes mundiais na construção de grandes telescópios e a questão das distâncias de objetos astronômicos era de interesse geral na área de astronomia102. See publicou em 1912 um ‘guia’ de dist}ncias na Via L|ctea, que mostrava os avanços nas medidas de distâncias com a introdução de novos métodos, e, principalmente, novos telescópios103. Segundo o historiador Robert Smith, a inclusão de novos dados reavivou a discussão sobre a natureza das nebulosas e suas distâncias da Via Láctea104.

Para o astrônomo escocês Hector Macpherson (1888-1956) desde o começo do século 20, “nenhum ramo da astronomia progrediu t~o rapidamente quanto o das nebulosas – seu espectro, distribuição e movimentos” 105. Usando o refrator Crossley, do Lick, o astrônomo estadunidense James Keeler (1857-1900) tinha anunciado a identificação de mais 120 mil novas nebulosas, metade das quais seriam espirais106. A identificação de tantas espirais colocava dúvidas sobre sua classificação107 e Macpherson queria mostrar em seu artigo que, entre os astrônomos, “As opiniões flutuavam” quanto ao status das nebulosas: poderiam ser

100Becker, George F., “A possible origin for spiral nebulae”. PNAS. Vol. 2. n 1, 1915. p. 3.

101William Huggins aplicou a espectroscopia ao estudo das estrelas e nebulosas. Cf. Harrison, E.,

Masks of The Universe. New York: Macmillan. 1995; Kragh, Helge S., Conceptions of Cosmos. Oxford

University Press, 2013. p. 99. O pioneiro da astrofotografia foi o astrônomo Isaac Robert (1824-1904), mostrou que a nebulosa de Andrômeda apresentava estrutura espiral, e não anelar como se acreditava. Cf. Schaeberle, J. M., “On the Origin of Spiral Nebulas”. Nature, Vol.69, pp. 248-50, 1904.

102See, T. J. J. “Determination of the Depth of the Milky Way”. PAPS, Vol.51, no. 203, pp. 1-17, 1912. p. 1. 103See, “Determination of the Depth of the Milky Way”. p.1.

104Ver Smith, The expanding Universe. (Capítulo 1).

105Macpherson, Hector, “Some problems on astronomy”. The Observatory, Vol.39, pp. 131-34, 1916. p.

131.

106Macpherson, “Some problems os astronomy”. p. 132. 107Macpherson, “Some problems os astronomy”. p. 132.

universos exteriores ao nosso ou massas gasosas, futuros sistemas solares. Ele lembrou os altos e baixos da teoria dos universos-ilha: recolocada pelo astrônomo alemão William Herschel (1738-1822) e depois abandonada pelo próprio, foi revisitada no século 19, quando a natureza gasosa das nebulosas havia sido acertada pela espectroscopia.

Em 1918, o astrônomo britânico Andrew Claude D. Crommelin (1865-1939) publicou uma revisão sobre a existência de outras galáxias108, para ele, um dos problemas “mais difíceis que os astrônomos têm que enfrentar” 109 e que faria necessário “recorrer a qualquer partícula de evidência no que concerne à sua distribuição [nebulosas espirais], seu espectro, seus movimentos, tanto radial quanto aparente, antes de chegar a uma decisão. Nem podemos esperar que a decisão, quando formada, seja definitiva” 110. Apesar de acreditar que as evidências favoreciam a posição extragaláctica das espirais111, e de ter esperanças de que a ideia sobrevivesse a testes futuros112, Crommelin defendia que as posições em ciência deveriam “ser baseadas em evidências, e n~o em sentimentos” 113.

Entre 1910 e 1920, Adrian van Maanen, do observatório Mount Wilson, especialista no movimento próprio de objetos celestes, media o movimento interno de espirais a fim de determinar suas velocidades de rotação. Distância e velocidade de rotação das espirais são grandezas diretamente proporcionais, assim, quanto maior a distância, maior a velocidade de rotação. Considerar, ao mesmo tempo, os movimentos internos encontrados por van Maanen e que as espirais estariam fora da galáxia, ous eja, que suas distâncias seriam muito grandes, implicaria em velocidades de rotação relativísticas, o que seria impossível. Shapley confiou nos resultados do amigo e colega van Maanen, que indicavam que as espirais teriam que

108Crommelin, A.C.D. “Are the spiral nebulae external galaxies?” JRASC. Vol.12. n.2. 1918. 109Crommelin, “Are the spiral nebulae external galaxies?”. p. 37.

110Crommelin, “Are the spiral nebulae external galaxies?”. p. 37. 111Crommelin, “Are the spiral nebulae external galaxies?”. p. 45. 112Crommelin, “Are the spiral nebulae external galaxies?”. p. 46. 113Crommelin, “Are the spiral nebulae external galaxies?”. p. 46.

ser objetos localizados dentro da Via Láctea e com pequeno tamanho angular114.

Enquanto Shapley usava estrelas variáveis Cefeidas para calcular distâncias de aglomerados globulares, Curtis usava outro tipo de estrela variável para determinar a dist}ncia de espirais: as “Novas” 115. O método usado por Shapley foi obtido experimentalmente por Henrietta Leavitt, em 1912, quando trabalhava no Harvard Observatory. Já o método usado por Curtis, derivou das observações de Novas, a partir de 1917, junto ao astrônomo norte-americano George Willis Ritchey, que estudava placas fotográficas de nebulosas espirais para detectar seu movimento interno e pontos que pudessem ter movimentos próprios medidos116. Ritchey identificou uma “Nova” na espiral NGC 6946. Ritchey e Heber Curtis encontrariam muitas outras novas em espirais117.