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L: Essa questão do viver é difícil, mas eu acho que tem muita mulher irresponsável sabe? Porque como eu estava te falando tem gente que até melhora a qualidade de vida quando passa

2) O ATENDIMENTO DAS MULHERES PORTADORAS.

Trecho 1

E: E você percebe alguma diferença especificamente no atendimento às mulheres que são portadoras?

C: (...) eu acho que é muito difícil também você virar para um namorado que às vezes quer

talvez um usuário de droga, alguma coisa assim e falar ... como que assim... deve ser difícil né? Eu imagino assim, pra pessoa chegar e falar...olha eu tenho o vírus, vamos usar preservativo. Ou mesmo assim, falar: olha vamos usar preservativo. Fica parecendo que a pessoa aquela coisa meio assim né? Então eu acho importante a gente conversar sobre essas coisas com elas né? Porque imagina por exemplo a mulher que é casada e tem que negociar isso com o marido. É complicado, porque às vezes esse homem nem aceita falar que ela tem aids, que ela pegou dele, essas coisas. Imagina então falar de preservativo. São coisas que elas conversam com a gente aqui e a gente tem que ta atento pra essas coisas que estão envolvidas.

(Profissional 8)

Trecho 2

E: E com relação às mulheres? Você percebe alguma diferença no atendimento das mulheres soropositivas?

F: Olha, eu percebo sim...

E: Me fala um pouquinho dessas diferenças....

F: (...) o que eu percebo bastante no atendimento dessas mulheres é a dificuldade de negociar com o parceiro o uso do preservativo, da camisinha tanto masculina quanto feminina. A gente passa a informação, explica, orienta direitinho, faz tudo como manda o figurino, mas é difícil pra elas isso sabe? Você vê que isso ainda acontece muito porque elas vêm muito...sempre

pedindo pra que a gente fale com eles, converse. É assim...elas sempre falam: “doutora explica isso aí pra ele pra mim?”. O medo de falar com o parceiro é muito grande. Várias delas, várias mesmo já me pediram pra conversar com o parceiro, falar sobre isso e isso vem acontecendo cada vez mais porque a maioria das mulheres soropositivas que a gente atende aqui tem parceiro fixo, namorado ou marido e isso vêm crescendo cada vez mais. Aí a gente começa a notar isso quando conversa com elas...(...) Você vê como ainda envolve essas questões de

machismo mesmo. E assim né, aquela questão...aquele problema de tomar a postura de ter a camisinha, de pedir ao parceiro pra que use... ainda está muito presente nessas mulheres aqueles pensamento assim né: o que ele vai pensar de mim?Vai achar que não tenho só um parceiro?

Essas coisas que a gente já conhece e que eu fico imaginando que devem ser muito difíceis para elas. Então são coisas importantes, que a gente tem que ta consciente pra ir pro atendimento. A história de vida delas, em que contexto elas vivem que acabou favorecendo a infecção, tudo isso são coisas que precisamos ficar de olho e ajudá-las mesmo nestas situações.

(Profissional 3)

Um aspecto importante ao destacarmos esses dois momentos – “a mulher portadora” e “o atendimento das mulheres portadoras” – em que ocorre o uso desse repertório é que no primeiro vemos que a dificuldade em negociar é destacada como algo que acontece no contexto da infecção e, no segundo, ela é enfatizada no contexto do atendimento da mulher já infectada, na negociação dessa mulher com o parceiro para evitar a re-infecção.

O uso desse repertório redimensiona a descrição de atendimento, já que não culpabiliza a mulher pela infecção ou re-infecção, e, ainda, cria um contexto em que a mulher possa conseguir recursos e apoio para lidar com as dificuldades que enfrenta na negociação sexual. Uma descrição de infecção que se atenta para o envolvimento de outras questões, além da perspectiva do risco, articula-se com uma descrição de atendimento que é perpassada por cuidado, por uma postura de escutá-las e por um espaço aberto para oferecer ajuda a essas mulheres no lidar com estas questões.

Entretanto, é importante destacar que a utilização desse repertório interpretativo abrange as mulheres que foram infectadas pela via sexual, sendo que as mulheres infectadas por meio do uso de drogas injetáveis não aparecem nessa descrição de dificuldade de negociar a prevenção.

Na conversa sobre o atendimento reconhecemos, novamente, a posição que estes profissionais criam para estas mulheres de responsáveis por negociarem o preservativo quando no trecho 2 o profissional destaca a importância da mulher “tomar a postura de ter a camisinha, de pedir ao parceiro pra que use”. Nessa argumentação percebemos a dificuldade apontada sendo justificada por questões de gênero como: “envolve machismo mesmo”, “o que ele vai pensar dela”, “vai achar que ela não tem só um parceiro” e “ele nem aceita ela falar que tem aids e que pegou dele”.

Mesmo descrevendo as dificultosas implicações das relações de gênero que perpassam a negociação do preservativo, estes profissionais continuam destacando a importância da mulher ser responsável por assumir uma postura de negociar o preservativo e, ainda, consideram que seu trabalho é ajudá-las nesta situação.

Nesse tipo de descrição, não se tem espaço para pensar a importância fundamental, diante deste contexto, de um trabalho com os homens, em conscientizá-los da importância de eles também terem a postura de negociar o preservativo para se prevenirem. Como observamos a

partir da fala do (a) profissional no trecho 2, é necessário que as próprias mulheres solicitem ajuda aos profissionais em relação a esta conversa sobre a negociação. Pode-se concluir que esse aspecto do atendimento tem sido negligenciado por estes profissionais.

Ao mesmo tempo em que evidenciamos um processo de legitimação da dificuldade de negociação, pode-se destacar, novamente, o distanciamento dos profissionais enquanto homens e mulheres que podem estar incluídos nesse contexto de vulnerabilidade social e de gênero. Essa questão me parece apropriada ao reconhecer que apesar dos profissionais do trecho 1 e 2 serem mulheres, podendo, eventualmente, enfrentar essa mesma dificuldade ao negociar o preservativo em suas relações, há um distanciamento em suas falas promovido pelo uso, em suas argumentações, de expressões como “eu imagino”, “porque imagina” e “imagina então falar de preservativo”, observados no trecho 1 ou, “que eu fico imaginando que deve ser muito difícil pra elas”, como vemos no trecho 2. Elas falam sobre a soropositividade a partir da posição como profissionais.

Esse distanciamento cria uma posição menos ameaçadora em relação à infecção por HIV/aids para estes profissionais, ao mesmo tempo em que os coloca no patamar de especialistas da infecção por HIV/aids em detrimento à uma posição de mulheres que vivem num contexto sexual vulnerável. Convidando o leitor a uma reflexão sobre as implicações práticas deste tipo de descrição, deve-se considerar a possibilidade de que esse distanciamento apareça implícito ou explicitamente na relação profissional-paciente durante o atendimento destas mulheres, o que pode sugerir, novamente, sentimentos que envolvem estigma, descriminalização e vergonha para as mesmas.

Por último, é importante considerar que o uso desta estratégia discursiva de distanciamento para falar do atendimento às mulheres portadoras, com uma psicóloga- pesquisadora que pode ser entendida como alguém que está ali para avaliar, também tem uma

função situacional no contexto da entrevista, entendida como uma busca por qualificar a si mesmos, posicionarem-se como bons profissionais, sendo responsáveis por promover um atendimento que abrange a dificuldade de negociar. Nesse contexto de entrevista, é perfeitamente coerente que os entrevistados falem do lugar de profissionais e não de sujeitos, homens e mulheres, que vivem essa situação em suas relações.

Além de uma descrição que destaca a complexidade da negociação sexual, também é possível apresentar a soropositividade a partir de um contexto mais amplo, trazendo outros aspectos além da negociação do preservativo, aproximando-se de uma descrição que possa incluir todas as mulheres, destacando um contexto que favorece a infecção.

6.1.4. Mulheres que vivem num contexto vulnerável

Este repertório é constituído por uma descrição da soropositividade que aponta o amplo contexto vulnerável em que a mulher está inserida, envolvendo, também, questões econômicas, sociais, sexuais, de gênero, além da subordinação física e sexual destacada no repertório anterior.

Expressões como “drama social”, “pobreza”, “coletivo muito maior” e “essas mulheres se tornam vulneráveis” são utilizadas neste repertório e buscam enfatizar que não há apenas um determinante envolvido no contexto da infecção. O uso desse repertório tem a função de mostrar que essa mulher vive em um contexto favorável à infecção por HIV/aids.

Assim como nos anteriores, esse repertório interpretativo é utilizado pelos profissionais em enunciados sobre a infecção, o viver com HIV em mulheres e sobre o atendimento a essas mulheres portadoras. Nos trechos seguintes mostrarei o uso deste repertório quando se fala sobre a infecção e viver.

Trecho 1

E: Ok, entendi. E o que você pensa sobre o contágio e a soropositividade feminina? M: O que eu penso do contágio??

E: Isso. Do contágio e da soropositividade.