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O discurso, como novo campo do saber, tem tido atenção especial nas ciências sociais em decorrência de dois movimentos no último quarto do século XX: o giro lingüístico e o aumento da reflexividade social. O primeiro, giro lingüístico, é um processo pelo qual a linguagem passa ser entendida como aquela que orienta a ação e o segundo, a reflexividade social, é um movimento que buscar entender as práticas discursivas; isto é, compreender as implicações sociais do uso de determinados discursos (Ibáñez, 2004, Iñiguez, 2004; Potter & Wetherell, 1987, 1995).

Segundo Iñiguez (2004), uma das razões para que o discurso tenha se convertido em um objeto de análise é a relevância que os meios de comunicação adquiriram no nosso tempo e, em particular, as novas tecnologias de comunicação, que colocam em evidência a centralidade desses processos na constituição, manutenção e desenvolvimento de nossas sociedades.

Os discursos exercem grande influência sobre a nossa linguagem cotidiana, uma vez que construímos nosso entendimento sobre os acontecimentos, que também podem ser considerados nossos posicionamentos, a partir dos discursos socialmente disponíveis (Rojo, 2004).

Ainda segundo Rojo (2004), podemos falar em dois tipos de discursos: um como prática discursiva (contextual) e outro como prática social (dimensão macroscópica). No primeiro, a autora nos chama a atenção para que todo discurso é situado, em um tempo e espaço determinados, podendo-se denominar discurso toda produção discursiva que permita a realização de outras práticas (julgar, classificar, informar).

A autora destaca a mobilidade deste discurso como prática discursiva, mostrando a sua adaptação à regulamentação social de um contexto, ao mesmo tempo que dá significado a este. Nesse entendimento de discurso como prática discursiva, busca-se analisar os elementos lingüísticos e a negociação conversacional que são usados numa situação comunicativa, no sentido de compreender como podem produzir, reproduzir ou modificar o contexto em que estão sendo usados.

No segundo tipo de discurso, como prática social, Rojo (2004) enfatiza que o discurso encontra-se configurado e configura situações, estruturas e relações sociais, pela ordem e pela estrutura social. Dessa maneira, o discurso é uma prática social, com origem e efeitos sociais.

Como podemos perceber, a noção de Discurso e o giro lingüístico a ela relacionado, opõem- se à redução da linguagem a uma mera função de descrição e de representação do mundo. Segundo Ibáñez (2004), a linguagem se diversifica em uma enorme variedade de usos e de

funções, já que é um instrumento para “fazer coisas”. A linguagem não só “faz pensamento” como também “faz realidades”, ela tem propriedades “performativas”.

Iñiguez (2004) se refere a esta questão parafraseando Austin, que sugere a fala como ação, destacando sua função performática – e afirma que “quando eu digo certas coisas, a ação está exatamente naquilo que digo” (pág. 58). Assim, o giro lingüístico por um lado e a própria “Teoria dos atos da fala”, por outro, nos abrem a possibilidade de pensar que a linguagem não é uma janela para saber o que ocorre na cabeça do sujeito e sim uma ação em seu próprio direito (Iñiguez, 2004).

Neste sentido, a linguagem deixa de ser representativa da realidade e passa a ser produtora dessa realidade. Sobre isto, Ibáñez (2004) afirma que a linguagem não só nos diz como é o mundo, mas também o institui, e não se limita a refletir as coisas do mundo, mas atua sobre elas, participando de sua constituição.

Sobre isto, Potter e Wetherell (1999) colocam que ao invés de entendermos o que as pessoas dizem como expressões de um estado interno, nós deveríamos olhar para o que as pessoas estão fazendo com o que falam, quais objetivos elas querem alcançar. Sendo assim, o que esses autores propõem é que o que as pessoas dizem tem relação com um comportamento intencional, direcionado socialmente, tendo certas funções em determinados momentos. Isso quer dizer que nossos diálogos têm funções e objetivos específicos que queremos realizar em nossas interações. Nessa perspectiva, a principal função da linguagem deixa de ser descrever estados ou aspectos da realidade e passa a ser sua funcionalidade.

Estes mesmos autores destacam que, a partir desta visão performática da linguagem, algumas questões passam a ser fundamentais para entendermos os instrumentos lingüísticos que as pessoas usam na construção de seus relatos sobre os eventos. Estas questões seriam: 1) qual

função pode existir no que a pessoa diz?, 2) quais os objetivos que elas tentam alcançar? e 3) quais recursos lingüísticos elas empregam para realizar os seus desejos?

Conseguir responder a estas questões não parece uma tarefa simples e fácil. Neste sentido, o processo da análise do discurso se faz complexo, envolvendo diversas etapas. Potter e Wetherell (1987) colocam que não existe uma fórmula pronta e definida para a realização da análise do discurso, mas destacam cinco etapas importantes para realizá-la:

1) A elaboração de perguntas diferentes: se falamos em uma linguagem que deixa de ter a função de descrever estados de realidade e passamos a enfatizar sua funcionalidade, necessitamos mudar as perguntas que serão feitas diante do material de pesquisa, tentando buscar questões que investiguem os recursos lingüísticos que fazem as coisas acontecerem.

2) Transcrição do material: o foco da análise não é no texto puramente, mas sim na conversação implicitamente registrada naquele texto. Dessa maneira, é preciso realizar um registro bastante detalhado do material. A transcrição das falas deve ser realizada de maneira íntegra.

3) Leitura cética: a leitura do material deve ser cuidadosa, em busca de novas questões além daquelas dadas. Exige-se do pesquisador uma postura diferente em que ele se esforce para questionar as próprias formas e maneiras que habitualmente usa para dar sentido às coisas.

4) Codificação: Depois de ler e reler o material, o pesquisador deve procurar descrever categorias, ou seja, destacar temas de interesse de forma mais abrangente possível, de maneira que mesmo os temas que não se encaixam perfeitamente sejam incluídos ao invés de serem deixados de fora. O interesse não está na freqüência da categoria e sim no detalhamento que ela pode proporcionar à análise.

5) Análise: Esta fase envolve tanto uma busca por um padrão nos dados, que se mostra na variabilidade – na diferença entre as narrações – e na consistência, quanto uma preocupação com a função, com o criar hipóteses sobre as funções do discurso. Assim, a tarefa do pesquisador é considerar as formas como as coisas são ditas, ou seja, a maneira como a linguagem é empregada, com qual função e em que momento.

Especificamente em relação à quarta etapa da análise do discurso, que se refere à codificação do material, Iñiguez (2004) destaca várias formas de realizar este procedimento durante o processo da análise como os Atos de fala, a Pragmática, a Retórica, os Repertórios Interpretativos e as Polaridades e Desconstruções.

Nesse estudo, optamos por realizar uma análise do discurso que utilize os repertórios interpretativos para realizar a codificação (categorização), em específico a proposta de Potter e Wetherell (1987) de repertórios interpretativos. Para entendermos melhor o conceito introduzido por estes autores, a seguir faremos uma explanação dos princípios teóricos que norteiam este conceito e a análise do discurso proposta por Potter (1996) e Potter e Wetherell (1987, 1995,1996, 1999).