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é mais tranqüilo, desde que ele não tenha preconceito. Ah, é no sentido que as que têm parceiro

fixo não tem tantos problemas, elas permanecem no relacionamento, fingem que nada aconteceu e continuam com os maridos Agora já as que ficam “daqui pra ali” eu acho que tem que tomar

mais cuidado, são vidas né? Então, eu acho mais difícil, tem que tomar mais cuidado.

(Profissional 12) Trecho 5

E: entendi sim...e sobre o viver com o HIV/aids pra essa mulheres? O que você pensa, o que você tem visto na sua prática?

S: Depende! É como eu te falei, por exemplo praquelas que tem parceiro estável, o que elas entendem é que elas tem que continuar vivendo com o parceiro, continuar cuidando dos filhos, dos netos e também continuar...continuar fingindo que usam preservativo aqui pra gente sabe..

a gente nunca atende elas, atende o que elas contam que são. Essas são as que chegam aqui com o sentimento de que perderam tudo, como eu tinha te falado. Já a soropositiva que é usuária é diferente....ela continua mentindo pra si mesma que pode tudo, que é forte, que

continua potente e tem até...até aquela coisa de que contaminando outras pessoas ela vai tá

No trecho 4 fica explícita essa diferenciação, evidenciando uma qualificação positiva do viver com HIV/aids para as mulheres que tem parceiro estável, descrito como algo “tranqüilo”. É como se as mulheres que têm parceiro estável fossem tão legitimadas na sua soropositividade que o profissional passa a entender que elas não enfrentam problemas para viver com o HIV/aids.

Já em relação às mulheres que têm vários parceiros, a sua identificação na fala do profissional é como aquelas que “ficam daqui pra ali” e que “metem para si mesmas”, havendo uma desqualificação do seu viver com HIV/aids. No segundo trecho, vemos ainda que cria-se um posicionamento para essas mulheres de “as que espalham doenças”, estigma já citado anteriormente neste trabalho ao entrarmos em diálogo com Gonçalves e Varandas (2005).

Knauth (1999) nos ajuda a compreender a construção dessa distinção colocando que há o surgimento de termos como “vítimas inocentes” para se referir às mulheres que são mães e donas de casa e que foram infectadas pelos próprios maridos, dentro de suas casas e por isso mesmo se julgavam protegidas da doença, por serem “diferentes” das outras mulheres, “as da rua”.

É importante ressaltar ainda, que além da construção de “duas soropositividades femininas”, o uso deste repertório sobre a infecção e o viver com HIV/aids em mulheres destaca aspectos das relações sociais de gênero a partir de uma dicotomia moral quanto ao comportamento sexual adequado de mulheres.

No trecho 1 podemos perceber o primeiro momento em que esta questão é apresentada quando o profissional, ao descrever a soropositividade feminina, fala que “a mulher fica querendo equipara ao homem” e “ela perdeu a noção de feminilidade...de ser mulher mesmo”. Podemos observar que a questão da dicotomia surge a partir do reconhecimento de um novo contexto destas relações de gênero no que se refere ao comportamento sexual que equipara homens e mulheres em alguns aspectos. O (a) profissional destaca negativamente esse contexto atual, utilizando-o para justificar a ocorrência da infecção em algumas mulheres.

No terceiro trecho, em que se conversa sobre a infecção, o (a) profissional coloca que “ela precisa é encontrar o amor, ter intimidade com esse amor” e que “o sexo precisa ser valorizado porque gera vida”, deixando claro que o comportamento sexual adequado relaciona-se com uma sexualidade afetiva, voltada para a reprodução, identificada como aponta Giffin (1999) com os papéis de esposa e mãe.

Além da exaltação de um sexo ligado ao amor e à reprodução, pode-se entender que a argumentação usada indica, implicitamente, a não-aceitação de um sexo relacionado ao prazer, e ainda, nos chama atenção para a necessidade dessas mulheres serem esclarecidas a partir de uma educação moral, que reafirme o comportamento sexual adequado, como também é ilustrado pelo trecho 3.

Isso nos permite compreender, ainda, como esses sentidos socialmente construídos sobre comportamento sexual adequado de homens e mulheres também são compartilhados pelos profissionais da equipe de saúde enquanto mulheres e homens que fazem parte desse contexto sócio-cultural.

Esta questão já era assinalada anteriormente neste estudo ao trazer as contribuições do estudo de Aguiar e Giffin (2004) que aponta para um processo de imposição de estereótipos de gênero que buscam ditar normas de comportamento a serem seguidas por homens e mulheres tanto no processo saúde-doença, enquanto pacientes portadores, quanto na relação profissional- paciente, na qual os profissionais acabam por criar explicações para a soropositividade feminina a partir de seus papéis definidos socialmente.

Sobre isso, podemos ir além, entendendo que essa é uma questão importante para as contribuições que este estudo pretende, ao apontar que os profissionais destes cinco trechos destacados são mulheres. Este apontamento se faz relevante, já que podemos concluir que essas mulheres, ao usar este repertório, tentam se mostrar como mulheres que valorizam o

relacionamento estável com um único parceiro, entendendo tal como um comportamento sexual “adequado”. Ao usar este repertório, essas mulheres buscam previnem-se da possibilidade de serem descritas como culpadas diante de uma eventual infecção.

Além disso, é importante realçar a coerência em usar este repertório diante de uma pesquisadora, mulher, que está interessada em estudar questões da soropositividade feminina diante do processo de feminização da epidemia.

Após esta última consideração acerca do uso deste repertório, destaco que, até aqui, podemos perceber como nas conversas, através da linguagem, estes profissionais vão construindo uma soropositividade que distingue as mulheres. Entretanto, essa descrição aparece não só quando conversamos sobre a infecção e sobre o viver com HIV/aids, mas também quando falamos sobre o atendimento que é oferecido a essas mulheres. A seguir, apresento trechos que ilustram o uso desse repertório neste outro momento conversacional da entrevista.

2) O ATENDIMENTO DAS MULHERES PORTADORAS

Trecho 1

E: e assim, sobre essas diferenças que você apontou, você vê que também são coisas que eles apontam quando vocês conversam?