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Atividade empresarial e relacionamento com o consumidor na base da pirâmide

2.1 INCLUSÃO FINANCEIRA

2.1.3 Estudos complementares

2.1.3.3 Atividade empresarial e relacionamento com o consumidor na base da pirâmide

A promessa de lucros e erradicação da pobreza através de negócios voltados para a base da pirâmide despertou a atenção e ampliou consideravelmente os estudos sobre esse “novo segmento de mercado”, que tradicionalmente foi preterido em relação aos negócios voltados às classes sociais mais favorecidas. Nesse caminho, diversos estudos vêm sendo realizados com o foco na oferta de produtos e serviços para populações de baixa renda, notadamente visando identificar as estratégias para viabilidade econômica das operações, mas também, investigando as preferências e valores dos consumidores de baixa renda e a relação dos mesmos com empresas e governo. Os resultados serão apresentados a seguir.

Prahalad e Hart (1999) destacam que acessibilidade, aceitabilidade, disponibilidade e consciência são premissas essenciais nas quais as empresas precisam basear o seu modelo de negócios para se desenvolver no mercado da base da pirâmide, o qual é composto por quase dois terços da população mundial. Barros e Rocha (2007) identificaram algumas marcas que possuem a simpatia dos consumidores de baixa renda brasileiros e constataram que os elementos centrais reportados como motivos para a percepção positiva consistem no oferecimento de facilidades para a compra e o atendimento, que segundo as entrevistadas, entende e aceita o “mundo das entrevistadas”, onde existe uma realidade orçamentária considerada baixa para a concessão de crédito tradicional e onde parte dos recursos não são comprováveis (oriundos de trabalho informal).

Por outro lado, à exceção de algumas poucas marcas admiradas pelos consumidores de baixa renda, Hemais e Casotti (2017) apontam que, de maneira geral, os consumidores de baixa renda se sentem inseridos em um sistema excludente, que não leva em conta a sua satisfação. E onde as empresas “fazem o que bem querem sem sofrer consequências”, e os governos e demais entidades responsáveis pela defesa do consumidor priorizam os interesses das empresas.

Dessa forma, os autores apontam, segundo a visão dos entrevistados, para: (i) a existência de uma assimetria de poder, manifestada em especial quando da ocorrência de problemas nas relações de consumo; (ii) a utilização dos canais de comunicação como instrumento de reforço da posição de poder, aumentando o distanciamento; (iii) a existência

de tratamento diferenciado entre consumidores, em detrimento dos consumidores oriundos de extratos sociais menos privilegiados; (iv) a existência de relações abusivas, nas quais as empresas se beneficiam da falta de conhecimentos dos consumidores de baixa renda acerca de seus direitos e da baixa capacidade de se defenderem. A Tabela 2 sumariza os principais achados da pesquisa.

Tabela 2. Relações consumidores-empresas, consumidores-governos e empresas-governos, na visão dos consumidores de baixa renda

Visão sobre a Relação consumidores-empresas

Visão sobre a Relação consumidores-governo

Visão sobre a Relação empresas-governo

Todas as empresas são iguais em seu mau tratamento a

consumidores.

Governos não ajudam consumidores de baixa renda;

preferem marginalizá-los.

Empresas e governos dividem os mesmos interesses, que diferem

dos consumidores. Empresas têm mais poder na

relação com consumidores, especialmente com os de baixa

renda.

Governos usam seu poder como forma de intimidação àqueles que

dependem deles.

Empresas pouco se submetem a imposições governamentais.

Empresas estão mais preocupadas em lucra do que satisfazer

consumidores.

Consumidores têm pouca identificação com políticos, pois

são estes são corruptos.

Leis e agências reguladoras são artifícios teóricos, pois são pouco

seguidas pelas empresas. Empresas exploram a falta de

conhecimento de consumidores de baixa renda sobre seus direitos.

Governos estão mais preocupados com seus interesses e os de

empresas do que com os consumidores.

Governos não punem atividades irregulares de empresas, pois

protegem os interesses empresariais.

Soberania do consumidor é mais uma retoricado que uma realidade.

Consumidores de baixa renda dependem dos governos, mas suas

necessidades são vistas como secundárias.

Agências reguladoras poderiam ter poder frente a empresas, mas são

limitadas em sua atuação. Fonte: Hemais e Casotti (2017)

Dessa forma, os pesquisadores apontam que os consumidores de baixa renda se percebem em situação de exclusão, tanto pelas empresas que deveriam promover sua (questionada) inclusão social através do consumo, quanto pelo governo, que deveria proteger os cidadãos em suas variadas esferas da vida (Hemais & Casotti, 2017).

Quanto aos estudos que analisaram os mercados da base da pirâmide sobre a ótica da viabilidade das operações, recomendam como medidas principais para ganhar escala nesses mercados a adoção de preços inclusivos e o estabelecimento de parceria (ou o desenvolvimento de canais) que permitam reduzir os custos de transação.

Nakata e Weidner (2012), baseados em teorias sobre inovação e pobreza, e na literatura sobre mercados emergentes de subsistência, propuseram que algumas características dos produtos, da dinâmica social de seu contexto de inserção e do ambiente de marketing moderam ou amenizam os limites da pobreza (deprivação de conhecimento, deprivação física,

deprivação psicossocial e deprivação econômica), favorecendo as chances, formas e velocidade de adoção dos novos produtos. Os principais elementos levantados pelo modelo são: (i) Atributos dos produtos – acessibilidade (relativa aos custos), flexibilidade, compreensibilidade visual, compatibilidade com o público alvo e vantagem relativa (em relação ao mercado); (ii) contexto social – capital social e necessidades coletivas; (iii) Ambiente de marketing – promoções customizadas, distribuição em quantidades reduzidas e formas flexíveis de pagamento. Por fim os autores destacam que não conhecem as percepções psicológicas e processos cognitivos que atuam sobre os consumidores de baixa renda que favorecem às decisões de adoção de novos produtos.

Em extenso survey realizado nos Estados Unidos, Bates e Dunham (2003) afirmaram que as atividades financeiras das famílias de baixa renda não são apenas versões reduzidas das finanças da classe média, mas sim, refletem uma mistura diferente de instituições, instrumentos financeiros, oportunidades de retorno, risco e estruturas de preços.

Os autores também verificaram que muitos consumidores de baixa renda contratam serviços financeiros sem saber os custos envolvidos (taxas anuais de juros) e sem se beneficiarem dos mecanismos existentes de proteção do consumidor. E que um número significativo de consumidores preferia não lidar com instituições financeiras tradicionais, onde o ambiente social era considerado “frio”, distante e intimidador.

Dessa forma, os estudos anteriores evidenciam a uma variedade de elementos culturais, contextuais e pessoais que favorecem ou dificultam a adequabilidade de produtos aos consumidores de baixa renda, servindo para compor um amplo quadro teórico de referência.